As despesas da Previdência Social, pressionadas pela política de reajuste do salário mínimo do atual governo e pelo envelhecimento cada vez mais acelerado da população brasileira, começam a reduzir os efeitos positivos da reforma de 2019. Projeções recentes do próprio governo apontam uma piora nas contas, mesmo considerando um cenário mais otimista para a economia. Para especialistas, já em 2027 esses gastos tornarão impossível cumprir o arcabouço fiscal.
A análise da evolução das despesas da Previdência pode ser feita por várias métricas. Uma delas revela um aumento de gastos acima da inflação e acima do crescimento previsto do arcabouço fiscal, junto com os pisos de Saúde e Educação — o que tira espaço para praticamente toda a despesa discricionária, para investimento e custeio da máquina, a partir de 2027. O arcabouço prevê que as despesas crescerão no máximo 2,5% acima da inflação.
— Ou o próximo governo afrouxa as regras fiscais ou corta despesas obrigatórias — afirma o economista Fabio Giambiagi.
Outro dado, da despesa como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), também mostra uma piora. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, o governo previa, por exemplo, que as despesas do Regime Geral de Previdência (que pagam as aposentadorias do INSS) chegariam a 2026 equivalendo a 7,69% do PIB. Um ano depois, na proposta da LDO de 2025, a previsão subiu a 7,85% do PIB.
Os números ainda podem ser piores. Especialistas como Marcos Mendes e Rogério Nagamine avaliam que as despesas do governo estão subestimadas em R$ 16 bilhões neste ano e o dobro disso em 2028.
Em 2023, voltou a vigorar a política de reajuste do salário mínimo que prevê ganho real baseado no crescimento do PIB de dois anos anteriores ao aumento. Isso é apontado como fator de pressão sobre as contas públicas, porque cada aumento de R$ 1 no mínimo representa uma alta de quase R$ 400 milhões em despesas.
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Desvinculação ajudaria
Na avaliação de especialistas, o desequilíbrio terá de ser enfrentado a partir de 2027 para evitar uma explosão do déficit da Previdência em meados da próxima década. Atualmente, o resultado anual do INSS (diferença entre a arrecadação e a despesa com os benefícios) está negativo em torno de 2,32% do PIB.
Esse percentual tende a cair nos próximos anos, devido aos efeitos das regras de transição da reforma. Mas, dentro de oito anos, o desequilíbrio volta a crescer, para retornar ao patamar atual em 2036 e entrar em trajetória ascendente em 2038.
— O ideal seria fazer uma nova reforma já em 2027. O sistema previdenciário de um país representa uma conciliação entre a realidade social e a lógica dos números. Em 2019, a lógica dos números não podia mais ser ignorada, e a sociedade teve que se adaptar a uma mudança inevitável — afirma Giambiagi. — O tema adquire importância maior pela verdadeira contrarreforma representada pela atual política de valorização do salário mínimo.
Na avaliação do economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, a questão fiscal já seria resolvida se fosse adotada a atualização anual dos benefícios do INSS apenas pela inflação, sem a necessidade de fazer uma nova reforma nos próximos anos. Conforme seus cálculos, os gastos com a aposentadoria ficariam estáveis em relação ao PIB nos próximos dez anos, em 8,1%, se fossem reajustados apenas pela inflação.
Já se for mantida a vinculação ao salário mínimo, chegaria a 2034 em 9,04% do PIB — uma diferença em termos nominais de R$ 216,7 bilhões em um só ano. Em 2025, o espaço criado com uma possível mudança já seria de R$ 15,3 bilhões, quase dobrando em 2026 e chegando a R$ 42,5 bilhões em 2027, mostram as contas, que já consideram as projeções oficiais do INSS para o número de beneficiários.
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— Mantida a regra atual, tem uma tendência que vai pressionar todo o Orçamento. À medida que a demografia for piorando, tem trajetória quase explosiva — ressalta Sbardelotto. — Uma regra de indexação só à inflação permitiria que o salário mínimo continuasse com a política de valorização real atual.
Medida divide especialistas
Desindexar a aposentadoria dos reajustes do mínimo significa que haveria uma diferença entre o piso desta e o salário nacional. E que os benefícios previdenciários seriam reajustados apenas pela inflação. O fim da vinculação dos benefícios da Previdência ao mínimo divide economistas e especialistas, por ser uma questão polêmica e de difícil aprovação no Congresso.
Cerca de 70% dos benefícios previdenciários e assistenciais são atrelados ao reajuste do salário mínimo, que considera crescimento da economia e inflação. Essa sistemática vigorou durante as gestões do PT e foi trazida de volta no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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Segundo dados oficiais, só no primeiro trimestre deste ano, as despesas previdenciárias subiram 5,3% acima da inflação, e a tendência é se manterem em alta. Já os gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes da baixa renda, subiram 17,2% acima da inflação no período.
— A tendência é de incremento da despesa previdenciária em proporção ao PIB, que deve crescer muito menos — afirma o especialista Rogério Nagamine.
Alerta demográfico
Mantido esse ritmo, diz, só as despesas do INSS atingirão R$ 1 trilhão em 2025, chegando a R$ 1,215 trilhão em 2028. A cifra aumenta quando se incluem o BPC e outros regimes, como o dos funcionários públicos federais e o das Forças Armadas. Neste caso, o gasto seria de R$ 1,5 trilhão já no ano que vem.
Para Leonardo Rolim, ex-secretário da Previdência Social e que atuou na reforma da aposentadoria, a mudança nas regras ajudou a reduzir gastos. Ele admite, no entanto, que o problema se manteve no longo prazo. Um dos grandes problemas no caso do Brasil é que, além do rápido processo de envelhecimento da população e aumento da expectativa de vida, houve uma queda brusca na taxa de fecundidade, que caiu de seis filhos, na década de 1970, para 1,6.
— Isso é crucial para o regime de repartição, adotado no Brasil, em que trabalhadores ativos contribuem para o pagamento dos aposentados — explica Rolim, acrescentando que é preciso discutir alternativas como o sistema de capitalização, no qual o trabalhador contribui para a própria aposentadoria.
O economista Paulo Tafner também vê a mudança na demografia como um grande desafio.
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Dados de projeção populacional do IBGE mostram que, em 2010, havia 17 pessoas com 60 anos ou mais para cada grupo de cem pessoas entre 15 e 59 anos. Essa proporção subiu para 19 em 2015 e 22 em 2020. Em 2025, atingirá 26, chegando a 30 em 2030.
— Os dados do Censo de 2022 mostram que o país está envelhecendo mais rápido do que estava previsto. E mais: há menos crianças e jovens do que estava previsto, o que vai degradar a relação entre ativo e inativo. Por essa razão, torna-se necessário fazer uma reforma complementar, se possível o quanto antes, provavelmente no próximo governo — diz Tafner.
Especialistas apontam ainda que a reforma de 2019 deixou vários pontos de fora, como a Previdência rural. Em 2023, esta representou 1,4% da arrecadação, mas respondeu por quase 60% do déficit.