Economia
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Por , Em The New York Times — Nova York

A reunião do Vaticano sobre a crise global da dívida na semana passada não teve tanto glamour quanto aquela presidida pelo Papa João Paulo II há 25 anos, quando ele usou óculos escuros dados por Bono, o vocalista do U2.

Mas a mensagem que o Papa Francisco transmitiu desta vez — para uma sala cheia de banqueiros e economistas em vez de estrelas do rock — foi a mesma: os países mais pobres do mundo estão sendo esmagados por uma dívida incontrolável, e as nações mais ricas precisam fazer mais para ajudar.

As nações emergentes estão lidando com a impressionante marca de US$ 29 trilhões em dívida pública. Isso equivale a R$ 155 trilhões de reais, marca de 14 vezes tudo o que o Brasil produziu em 2023.

Quinze países estão gastando mais com pagamento de juros do que com educação, de acordo com um novo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Ao todo, 46 gastam mais com pagamentos de dívida do que com cuidados de saúde.

E essas despesas incontroláveis têm sido uma característica recorrente na economia global moderna, mas a atual onda de dívidas pode ser a pior até agora. No geral, os problemas fiscais no mundo atualmente é quatro vezes maior do que a situação registrada em 2000.

O gasto excessivo ou a má gestão governamental são uma causa, mas eventos globais fora do controle da maioria das nações intensificaram seus problemas de dívida. A pandemia de COVID-19 reduziu os lucros das empresas e os rendimentos dos trabalhadores ao mesmo tempo em que os custos com saúde e alívio aumentavam.

Conflitos violentos na Ucrânia e em outros lugares contribuíram para o aumento dos preços de energia e alimentos. Bancos centrais aumentaram as taxas de juros para combater a inflação elevada. O crescimento global desacelerou.

Ambos os papas vincularam seus apelos ao que eles chamaram de Jubileu ou ano santo — uma celebração enraizada na Bíblia e associada a um período em que escravos eram libertados e dívidas eram perdoadas.

A campanha do Jubileu de 2000 contou com uma coalizão improvável de líderes religiosos, músicos, acadêmicos, conservadores evangélicos, ativistas liberais e políticos. Mais de 21 milhões de pessoas assinaram petições apoiando o perdão da dívida. Isso eventualmente resultou em um esforço global extraordinário que eliminou mais de US$ 100 bilhões de dívida (em termos atuais, mais de R$ 535 bilhões) de 35 nações pobres.

O Papa Francisco reviveu a ideia para o Jubileu de 2025 da igreja. Nomeado cardeal na Argentina em 2001, no auge do colapso financeiro do país, Francisco viu com os próprios olhos a miséria e os tumultos violentos que uma crise de dívida pode causar. Ele tem pedido uma transformação no sistema financeiro global além do perdão de empréstimos.

— Vamos pensar em uma nova arquitetura financeira internacional que seja ousada e criativa — disse ele na semana passada.

Seu discurso reconheceu que os problemas da dívida deste século são muito mais complexos do que os do século anterior. Hoje, a dívida pública mundial não é apenas maior, é diferente.

Naquela época, a dívida era mantida principalmente por um punhado de grandes bancos de países ocidentais e por organizações internacionais de desenvolvimento com décadas de existência.

Hoje, além desses players estabelecidos, os países precisam lidar com milhares de credores privados e credores oficiais adicionais, como a China, além de uma variedade de acordos de empréstimos às vezes secretos, regidos por diferentes regulamentações nacionais.

Mulher revira caçambas de lixo no Ceasa, no Rio, atrás de frutas e legumes para alimentar filhos e neta — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Mulher revira caçambas de lixo no Ceasa, no Rio, atrás de frutas e legumes para alimentar filhos e neta — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Muitos economistas e formuladores de políticas estão começando a entender que os mecanismos e instituições, incluindo o Fundo Monetário Internacional, criados há 80 anos para lidar com países em dificuldades financeiras, simplesmente não estão mais à altura da tarefa.

É como ter um técnico em reparação de televisões craque em reparar os tubos do aparelho, mas que é incapaz de reparar placas de circuito, essenciais para o funcionamento do eletrodoméstico.

Indermit Gill, economista-chefe do Banco Mundial, fez um ponto semelhante esta semana, quando o banco divulgou seu último relatório econômico global. A instituição alertou sobre o impacto devastador da dívida em um período de desaceleração do crescimento.

O alívio da dívida "é a parte mais fraca da arquitetura financeira global", disse Gill. Mudanças no endividamento, acrescentou, "requerem um novo quadro de reestruturação da dívida que ainda não temos em vigor".

As crescentes tensões entre China e Estados Unidos têm dificultado a resolução das crises de dívida. E não há um árbitro internacional com autoridade sobre todos os credores — equivalente a um tribunal de falências — para resolver disputas.

Além disso, o financiamento para instituições como o FMI não acompanhou o crescimento do tamanho da economia global nem o peso da dívida.

Martin Guzmán, ex-ministro das Finanças da Argentina, que também vivenciou o impacto devastador da crise da dívida em seu país natal, participou da reunião no Vaticano na semana passada. Em sua opinião, a ajuda do FMI às vezes é contraproducente, oferecendo empréstimos de socorro, agora com altas taxas de juros, que acabam aumentando o fardo da dívida de um país.

Ele também criticou as sobretaxas que o fundo impõe a devedores de alto risco, desviando recursos preciosos que poderiam ser usados para fornecer cuidados de saúde ou reconstruir uma economia.

Os cinco maiores mutuários — Ucrânia, Egito, Argentina, Equador e Paquistão — pagaram sozinhos US$ 2 bilhões (cerca de R$ 12 bi) em sobretaxas no ano passado, segundo o Centro de Pesquisa Econômica e de Políticas Públicas. Em média, essas sobretaxas acabaram elevando o custo de empréstimos para todos os países afetados em quase 50%.

Outras tentativas foram feitas para aliviar o fardo das nações endividadas. Legisladores em duas capitais financeiras globais, Nova York e Londres, discutiram propostas para melhorar o processo de reestruturação da dívida soberana.

A Legislatura do estado de Nova York considerou um projeto de lei para proteger nações devedoras de credores, frequentemente chamados de "fundos abutres", que compram dívidas a preços muito descontados e depois seguram acordos de reestruturação, com objetivo de extrair mais dinheiro.

O esforço foi encerrado no último fim de semana, quando a Legislatura encerrou suas atividades, mas é provável que o tema ressurja na próxima sessão.

No Reino Unido, que supervisiona 90% dos contratos de dívida de países de baixa renda, o Parlamento discutiu medidas, incluindo uma lei de 2010 que expirou. Ela impediria credores privados de obter um acordo melhor do que os credores públicos quando as dívidas são renegociadas com os países mais pobres.

Atualmente, a perspectiva para as nações endividadas é sombria devido ao crescimento lento de suas economias. As nações emergentes não têm dinheiro para pagar por educação básica, infraestrutura, tecnologia e cuidados de saúde. Aproximadamente 60% das nações de baixa renda estão em situação de endividamento ou alto risco de crise da dívida, de acordo com o FMI.

Ao mesmo tempo, são necessários trilhões de dólares adicionais para proteger essas nações vulneráveis dos efeitos do clima extremo, permitindo que elas cumpram as metas climáticas internacionais.

Após retornar da conferência no Vaticano, Joseph Stiglitz, ex-economista-chefe do Banco Mundial, disse que durante a campanha de perdão da dívida do Jubileu de 2000, "havia um otimismo de que tínhamos aprendido as lições", e que o programa de perdão da dívida "resolveria o problema no futuro".

— No entanto, obviamente não resolveu. O problema ficou muito, muito pior do que poderíamos imaginar há 25 anos — afirmou.

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