A previsão de que a seca histórica de 2024 faça com que o mês de setembro seja o segundo pior para as hidrelétricas do país em 94 anos acendeu o sinal de alerta para o fornecimento de energia no país.
O governo aprovou nesta terça-feira medidas para facilitar o acionamento das termelétricas, mais poluentes, inclusive se essa energia for mais cara do que a gerada por outras fontes.
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Mas, por que, diante do forte avanço da energia solar e eólica no Brasil, o país ainda depende tanto das termelétricas quando caem os níveis dos reservatórios das hidrelétricas? O cenário atual é diferente de 2001, quando o país enfrentou um racionamento de energia por nove meses?
Entenda, abaixo, os impactos da seca na conta de luz.
Por que a seca afeta a geração de energia?
O Operador Nacional do Sistema (ONS, responsável fazer a gestão da geração e da transmissão de energia elétrica no país) prevê para este mês um fluxo de água para os reservatórios das hidrelétricas muito baixo para todas as regiões do país. Isso é resultado direto dos efeitos da La Niña e da seca que castiga o país.
Nos cenários traçados pelo ONS, o “menos favorável” indica que este fluxo menor de água pode fazer a geração de energia ficar em 43% da média histórica, em outras palavras, seria o segundo menor patamar para o mês de setembro de um histórico de registros de 94 anos.
Diante desta perspectiva, foram aprovadas medidas para permitir o uso maior de usinas termelétricas, mais poluentes, inclusive se esta energia for mais cara do que a gerada por outras fontes. Medida similar já havia sido adotada em 2021, quando o país viveu seu último período seco.
Qual é o peso das hidrelétricas hoje na geração de energia do país?
As hidrelétricas hoje já respondem por bem menos da geração de energia no Brasil do que no passado. Atualmente, do total de energia consumido no país, pouco mais da metade vem de fonte hídrica.
Para se ter uma ideia, no início dos anos 2000 esse patamar superava 80%.
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Após o racionamento de 2001, o país investiu na construção de termelétricas para ampliar a segurança no fornecimento de energia. E, mais recentemente, viveu um boom de geração de energia solar e eólica.
E a solar e a eólica, quanto respondem pela energia consumida no país?
Somadas, os parques eólicos e os painéis solares respondem hoje por mais de 30% da geração de energia no país. E devem crescer com força nos próximos anos, chegando a mais de 40% em 2028.
Assim, será necessário ampliar a geração de energia termelétrica, por mais contraditório que isso possa parecer.
Por que é preciso acionar mais as térmicas quando cresce o uso de solar e eólica?
A previsão de entrada de mais fontes renováveis nos próximos anos no Brasil vai exigir que mais usinas térmicas sejam instaladas no país, a fim de aumentar a segurança do sistema de fornecimento de eletricidade, afirmam especialistas.
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Isso é necessário porque a demanda máxima por energia acontece, em geral, no fim da tarde, quando não há mais geração de eletricidade a partir do sol. Atualmente, segundo especialistas, essa redução no fornecimento de energia solar no horário do pico do consumo chega a ser de 30 GW, como no último dia 20 de agosto. É uma quantidade de energia que equivale ao atendimento de mais de 90 milhões de pessoas, com base no consumo médio.
Dessa forma, o ONS precisa equilibrar de forma instantânea a entrada de outras fontes para compensar a falta de energia solar, como as usinas hidrelétricas e térmicas.
Segundo Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e doutor em Engenharia de Produção, o cenário ideal seria acionar as hidrelétricas com reservatório, por essas serem mais eficientes:
— As hidrelétricas respondem instantaneamente, além de serem a fonte mais barata. As térmicas precisam ser ligadas horas antes, gastando combustível. A eólica não interfere muito porque gera mais energia na madrugada — explica Santana.
E qual é o efeito da falta de chuvas?
Santana afirma que, devido à baixa previsão de chuvas, o Brasil precisará, nos próximos anos, de novas usinas térmicas para aumentar a segurança no fornecimento de energia num cenário de expansão dos parques solares e eólicos.
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João Carlos Mello, CEO da consultoria Thymos, explica que a forma como o sistema elétrico foi construído no país exige fontes “despacháveis”. Ou seja, que não dependem de fatores como sol e vento para gerar energia. Para ele, como o Brasil não prevê a construção de novas hidrelétricas com reservatórios, a alternativa são, por enquanto, as térmicas.
— O sistema é interligado. Então, quando entra muita energia solar ou eólica no sistema, o ONS precisa fazer um balanço em tempo real. Quando há algum problema, os equipamentos são desligados. Foi isso que aconteceu em 13 de agosto do ano passado, quando gerou um apagão no país. O sistema não pode balançar, e vamos ver cada vez mais esse tipo de situação com o avanço das renováveis. Em geral, no momento de pico de consumo, no fim da tarde, saem do sistema 25 GW de energia solar de forma instantânea. Isso é 10% da capacidade instalada. É muita coisa — afirma Mello.
E como seriam usadas essas novas térmicas?
Para Mello, a ideia é que os novos empreendimentos sejam usados apenas quando houver necessidade, durante os momentos de pico de consumo.
— O brasileiro vai pagar pelas térmicas para serem usadas em momentos específicos e não o tempo todo. Entre 2027 e 2028, estaremos em um momento crítico — afirma Mello.
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Em artigo recente publicado no GLOBO, Edvaldo Santana aponta que, em 2027, com o avanço das renováveis como a solar, o sistema elétrico pode ter variação de 50 GW de forma instantânea.
Segundo Reinaldo Garcia, diretor de Estudos de Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), há a necessidade de expansão de termelétricas a partir de 2027. Ele afirma que a EPE avalia que as usinas termelétricas são importantes e necessárias para “proporcionar uma energia firme e confiável ao sistema, especialmente em um cenário de maior inserção de fontes renováveis variáveis, como a solar e a eólica”:
— Essas fontes (solar e eólica), apesar de serem essenciais para a transição energética, apresentam características de intermitência que podem dificultar a estabilidade do sistema. As térmicas, com sua capacidade de geração constante e previsível, desempenham um papel crucial ao fornecer uma base sólida de energia, garantindo que o sistema elétrico seja capaz de atender à demanda em todas as condições operacionais, mitigando riscos e assegurando a confiabilidade do suprimento de energia.
Há alternativas possíveis às térmicas?
Garcia diz que a diversificação das fontes na base do sistema é fundamental para absorver as variações na rede causadas pela entrada e saída "súbita" das renováveis variáveis (solar e eólica). A EPE também considera opções como a ampliação de usinas hidrelétricas, tecnologias de armazenamento (como baterias e usinas reversíveis), além de usinas à base de biocombustíveis.
— A combinação de diferentes tecnologias permite que o sistema seja mais resiliente e capaz de se adaptar às oscilações, mantendo a estabilidade e garantindo que a energia esteja disponível de forma contínua e segura.
Há um excesso de oferta de solar e eólica?
Para Clarice Ferraz, economista e diretora do Instituto Ilumina, é preciso haver uma expansão ordenada das energias solar e eólica no Brasil. Para ela, a maior geração dessa fontes intermitentes vem criando um excesso de oferta de energia.
— Este excesso cria ineficiência. E isso se traduz em preços maiores para o consumidor. Precisamos saber até onde podemos ir, com planejamento e fazer contas e evitar o desequilíbrio do sistema. Para as empresas, a situação é confortável pois elas vendem uma energia mais cara; para os consumidores o preço maior (com o acionamento das térmicas) é ruim.
E o que diz o ONS?
Segundo o ONS, todas as fontes têm papel importante na matriz elétrica brasileira e se complementam. “No caso da geração termelétrica, ela é capaz de fornecer energia de forma contínua e controlável, independentemente das condições climáticas, o que torna essa fonte importante para a estabilidade da rede, especialmente em momentos de alta demanda por energia ou quando outras fontes, como a energia eólica e solar, não estão disponíveis”.
O ONS diz ainda que a geração termelétrica é importante para aumentar a resiliência do sistema. Para o Operador, a adoção de novas tecnologias, como baterias, usinas reversíveis e geração distribuída, são recursos adicionais complementares às usinas térmicas e hidráulicas que podem contribuir para o atendimento à potência nos horários de maior demanda do consumidor.