Economia

Novo alvo da repressão chinesa? Tencent restringe jogos para crianças após crítica da mídia estatal

Em artigo, veículo condenou o “ópio mental” dos videogames. Ações da empresa despencam e gigante do setor de games promete limitar tempo de jogo para menores de idade
Tencent pode ser uma das próximas miras do governo chinês Foto: Jason Lee / REUTERS
Tencent pode ser uma das próximas miras do governo chinês Foto: Jason Lee / REUTERS

XANGAI - A indústria de videogaming parece ser o novo alvo da repressão chinesa. A chinesa Tencent Holdings Ltd. prometeu nesta terça-feira limitar ainda mais o tempo de jogo para menores de idade. O anúncio foi feito horas depois de suas ações terem sido prejudicadas por um artigo da mídia estatal chinesa que descreveu os jogos online como "ópio mental".

Gigante do universo dos games, a Tencent é dona de companhias como Riot Games (criadora de League of Legends) e WeChat (aplicativo de mensagens, pagamentos e transferências), e possui ações de estúdios como Epic Games, Dontnod, Activision Blizzard, Ubisoft e outros.

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"Ópio mental"

O Economic Information Daily citou a Tencent em um artigo no qual afirma que os menores são viciados em jogos online e pediu mais restrições à indústria. O veículo é afiliado à maior agência de notícias estatal da China, a Xinhua.

"O 'ópio mental' cresceu e se tornou uma indústria que vale centenas de bilhões", disse o jornal. "(...) Nenhuma indústria, nenhum esporte pode se desenvolver de uma maneira que irá destruir uma geração."

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O artigo falou especificamente sobre o jogo "Honor of Kings", da Tencent, que tem mais de 100 milhões de usuários ativos diários na China. “Alguns alunos às vezes jogam oito horas por dia”, critica o jornal.

As regulamentações do país já proíbem oficialmente os menores de 18 anos de jogar videogames online entre 22h e 8h, mas a lei é amplamente evitada.

O artigo foi amplamente reproduzido pela mídia do país ao longo do dia até que desapareceu do site do canal e da conta do WeChat na tarde desta terça-feira.

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Mais tarde, o artigo foi republicado pelo Economic Information Daily, com o termo "ópio mental" removido e outras seções editadas.

Em uma mudança de tom, a segunda versão do artigo pontuou que autoridades, desenvolvedores de jogos e famílias tiveram que trabalhar juntos para combater o vício das crianças em videogames online, e os pais deveriam ser responsáveis pela supervisão.

O ópio é um assunto delicado na China, que cedeu a ilha de Hong Kong à Grã-Bretanha em 1842, no final da Primeira Guerra do Ópio, travada pela exportação britânica da droga para a China, onde o vício se espalhou.

Ações da Tencent despencam

A maior empresa de mídia social e videogame da China viu suas ações despencarem mais de 10% no início das negociações, eliminando quase US$ 60 bilhões de sua capitalização de mercado.

No fim do dia, as ações da Tencent fecharam em queda de 5,18% na bolsa de valores de Hong Kong e reacendeu os temores dos investidores de que o setor de games será o próximo alvo do governo de Pequim.

A Tencent foi brevemente ultrapassada como a empresa mais valiosa da Ásia em capitalização de mercado pela fabricante de chips Taiwan Semiconductor Manufacturing Co Ltd.

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O artigo também atingiu as ações de rivais. A NetEase Inc caiu mais de 15% antes de reduzir as perdas nas negociações do final da tarde.

Já a desenvolvedora de jogos XD Inc caiu 8,2% e a empresa de jogos para celular GMGE Technology Group Ltd caiu 15,6%.

Fora do jogo, os investidores também foram pegos de surpresa pela Administração Estatal de Regulamentação do Mercado (SAMR) na terça-feira, dizendo que investigaria distribuidores de chips para automóveis e puniria qualquer entesouramento, conluio e fraude de preços.

O índice de ações de semicondutores posteriormente caiu mais de 6%.

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O estado chinês já tinha como alvo os setores de propriedade, educação e tecnologia para conter as pressões de custo e reafirmar o socialismo após anos de crescimento descontrolado do mercado.

O regulador do mercado chinês bloqueou a fusão das duas maiores plataformas de videogame on-line da China, Huya e Douyu, alegando que violava as leis de concorrência.

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A decisão foi um duro golpe para a gigante Tencent, que esperava assumir a nova entidade e consolidar seu controle no setor de videogames. Juntos, Huya e Douyu respondem por entre 80% e 90% das cotas de mercado, de acordo com analistas.

Além disso, a Tencent, que também é um grande ator do streaming de música na China, foi recentemente forçada a abrir de contratos exclusivos de direitos autorais. Os motivos alegados pelo governo foram os mesmos: concorrência.

Bem-estar das crianças

Os reguladores chineses buscam desde 2017 limitar o tempo que os menores passam jogando videogame, e empresas como a Tencent já têm sistemas anti-dependência que, segundo eles, limitam o tempo de jogo dos jovens usuários.

Novo alvo: China decide intervir no setor de educação privada

Mas as autoridades nos últimos meses colocaram um novo foco na proteção do bem-estar infantil e disseram que querem fortalecer ainda mais as regras sobre jogos e educação online.

No mês passado, eles proibiram o ensino com fins lucrativos em disciplinas escolares básicas, atacando o setor de aulas particulares de US$ 120 bilhões da China.