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Economia

'O Brasil precisa de uma reforma fiscal profunda', diz diretor da S&P

Para Sebastian Briozzo, melhora de crédito do país só virá com um crescimento mais consistente da economia
Sebastian Briozzo, diretor analítico de ratings soberanos para a America Latina da S&P Global Ratings Foto: Reprodução de internet
Sebastian Briozzo, diretor analítico de ratings soberanos para a America Latina da S&P Global Ratings Foto: Reprodução de internet

SÃO PAULO - A melhora de crédito do Brasil, ao menos na Standard & Poor's, só virá com um ajuste fiscal que vá além da aprovação da Reforma da Previdência e um crescimento mais consistente da economia. Essa é a avaliação de Sebastian Briozzo, diretor analítico de ratings soberanos para a America Latina da S&P Global Ratings.

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A nota (rating) do Brasil está em BB-, três degraus abaixo do grau de investimento, que é o selo atribuído ao país considerado um bom pagador. "A reforma da Previdência é de fato um fato emblemático para o Brasil, mas não está tudo solucionado", disse. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao GLOBO.

Com o encaminhamento da reforma da Previdência no Brasil, já é possível prever uma melhora na relação entre dívida líquida e o PIB que permita o aumento da nota do país?

-  O problema do Brasil está centrado na questão fiscal, com déficit e aumento da dívida. É sempre difícil mudar essa a estrutura fiscal do Brasil, porque a maior parte das despesas está na Constituição. Então nos perguntamos se é possível construir um consenso político para avançar nessas reformas. Na Previdência, parece que o país está perto desse consenso. A gente queria que ela fosse mais abrangente, com Estados e municípios, mas ainda assim é uma boa reforma. Mas quanto desse consenso politico vai ser extrapolado para outras reformas? O Brasil realmente precisa de uma reforma fiscal profunda.

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Por que a só a a aprovação da reforma da Previdência não é suficiente?

- É um passo importante, mas não o único. Mesmo com a reforma, a dívida vai continuar crescendo por quatro, cinco anos. É preciso de uma continuidade e não só um fato isolado. Quando a gente estiver mais confortável com a direção da política econômica, isso vai ser refletido na nota. A reforma da Previdência é de fato um fato emblemático para o Brasil, mas não é que tudo solucionado. A economia (proporcionada pela reforma) será só daqui a dez anos e a dívida continuar crescendo hoje. Precisamos ver mais ações.

O crescimento do Brasil está aquém do esperado. Essa fragilidade na retomada da atividade econômica preocupa?

- Com crescimento baixo é sempre mais difícil. Não são países comparáveis, mas a Índia tem uma relação entre dívida e PIB mais alta que a do Brasil, mas cresce 7%. Isso a deixa com uma nota de BBB- (grau de investimento). Um crescimento forte permite atravessar as dificuldades fiscais. O problema do Brasil é que não cresce justamente pela questão fiscal. A carga tributária é uma das mais altas entre os emergentes. No passado, o gap fiscal era coberto com aumento de impostos e não há mais espaço para isso.

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Qual a perspectiva de crescimento do Brasil?

- No começo do ano, tínhamos uma perspectiva próxima ao mercado, de 2,4%. Agora, mais perto de 0,8%. Claro que tudo fica mais difícil para o Brasil, mas que também fica mais como o restante da América Latina. Os países da região tem melhorado, com algumas exceções, como Venezuela e Argentina, com mais estabilidade. O problema é o crescimento. Na época do boom das commodities, era de 4,5% na região e agora está perto de 1,5%. Isso torna mias difícil solucionar os problemas sociais.  Vemos um crescimento de 2,4% para os próximos três anos no Brasil, o que é insuficiente (para a melhora fiscal).

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E estamos em um cenário de maior incerteza global, com guerra comercial e desaceleração da China. Como isso nos afeta?

- Tem dois canais externos. O primeiro é o financeiro, mas essa é uma das fortalezas do Brasil. Por muito tempo se teve a discussão de que se ter reservas elevadas era bom ou  não (elas passam de US$ 380 bilhões no Brasil), mas hoje, claramente, é uma fortaleza. Isso é muito importante. Outras economias, como Turquia e Argentina, são mais vulneráveis porque precisam de financiamento externo. Outro fator relevante é o crescimento. Mesmo que não aconteça nada em decorrência da guerra comercial, o mundo está crescendo cada vez menos. O Brasil não depende tanto de demanda externa, mas como já cresce pouco, qualquer choque negativo no crescimento externo influencia (de forma negativa). E ainda tem a Argentina, que é importante para alguns setores no Brasil. Faltam boas notícias internacionais para o crescimento do Brasil.

Essa instabilidade na Argentina não pode afetar o Brasil caso se prolongue?

- Há 20 anos, quando se começava a ter mais exposição dos emergentes ao mercado de dívida, era difícil separar quem era quem. Hoje, não. Claro que pode ter algum impacto, mas menor. A arquitetura macroeconômica do Brasil ajuda. O câmbio flutuante é um ativo importante para o Brasil. Ninguém gosta de ver o câmbio depreciado, mas é ele que absorve o choque externo.

E como os investidores e clientes da S&P estão olhando o Brasil?

- É uma visão heterogênea. Tem muita gente otimista, que acredita que a reforma da Previdência é o começo de várias reformas. E gente preocupada com o fato do crescimento não voltar e a janela que o governo tem para passar as reformas ficar menor. Não tem um consenso e é um pouco dessa visão que a gente leva.