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Economia Coronavírus

'O governo não vai resolver tudo sozinho. É ele e a sociedade', diz fundador da XP Investimentos

Guilherme Benchimol vê o engajamento da sociedade como crucial para enfrentar a crise do coronavírus. E que o foco deve ser no pequeno e médio empreendedor
Guilherme Benchimol, fundador e presidente da XP Foto: Silvia Zamboni / Agência O Globo
Guilherme Benchimol, fundador e presidente da XP Foto: Silvia Zamboni / Agência O Globo

SÃO PAULO E RIO - Para o diretor executivo e fundador da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, o país não deve economizar no pacote de estímulo fiscal para atravessar a crise, mas o governo não dará conta da tarefa sozinho. Todo mundo terá de botar a mão no bolso, avalia. Em entrevista ao GLOBO, ele defende que o foco das medidas de socorro deve ser a população mais pobre e o pequeno e o médio empreendedor:

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- Se o governo não ajudar, essas empresas todas vão acabar. E depois a economia vai voltar mais lentamente porque muitas empresas foram exterminadas.

Para ele, a quarentena é necessária hoje, mas terá que ser relaxada quando for possível evitar que a população de risco seja contaminada pelo coronavírus “para que a recessão não vire uma depressão”.

Como o sr. avalia as medidas tomadas pelo governo?

- O governo, por mais que seja fundamental e venha com mil recursos, não vai resolver tudo sozinho. O Brasil é um país pobre. Apesar de ter decretado calamidade pública, não temos uma economia forte como a americana. O ministro soltou um pacote de R$ 600 bilhões. Os números estão ficando mais próximos do que tem que ser. A gente não pode vir só com política monetária agora. Importante que a gente tenha um fiscal muito forte para atravessar esse vale. Nenhuma economia consegue aguentar tanto tempo interrompida. Tem muito autônomo, pequeno empreendedor, que não tem estrutura, não tem acesso a crédito. Essa turma fecha. Se o governo e a sociedade não ajudarem, quando a confusão diminuir a economia voltará muito mais lentamente porque essas empresas serão exterminadas.

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Quanto deveria ser gasto?

- Não tenho um número exato, mas nos EUA, o Fed fez um plano de algo como 10% do PIB. Aqui no Brasil, nosso PIB vai ser perto de R$ 8 trilhões. Então não estamos tão distantes assim. Mas, neste momento, eu não teria medo de errar. Temos um desafio enorme, e eu gastaria até mais do que precisa. Quem tem dinheiro e está capitalizado não vai sofrer. O problema é que 80% dos brasileiros não têm dinheiro. Importante fazer conta e garantir que o dinheiro chegue na mão de quem precisa. E não é só o governo. É governo e sociedade.

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Qual deve ser o foco das medidas?

- Quem mais precisa é o pequeno e médio empreendedor, que não tem capital de giro. Precisam de medidas para que não tenham que mandar funcionários embora, para que possam postergar impostos e se manter respirando. Mas é um desafio enorme.

Há uma pressão grande de setores empresariais defendendo a volta das atividades com o argumento  de que os danos econômicos de uma quarenten seriam piores. Qual é sua posição?

- O lockdown (isolamento) não pode durar muito tempo, senão a economia colapsa. As pessoas vão desistindo, entregando seus negócios. E mesmo que se faça tudo o que está sendo anunciado, o dinheiro não vai conseguir chegar a 100% dos negócios. Então, quanto mais tempo passa, mais gente vai ficando pelo caminho. O salão de beleza sem capital de giro vai fechar, mandar empregado embora, vai entregar a sala, vender o secador. Quando a economia voltar, as pessoas não voltarão a empreender no dia seguinte. Mas se todo mundo ficar só esperando as medidas do governo, a gente não vai resolver.

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Você defende a quarentena vertical?

- É importante fazer lockdown inicial, para estruturar o aparato de saúde, criar mais leitos e respiradores, entender os números. Mas, assim que possível, tem que começar a separar o grupo de risco. Aos poucos, a economia tem que voltar. Vai haver recessão, é evidente, mas a gente não pode ter depressão. Supondo que a doença afete gravemente apenas o grupo de risco e seja possível separá-lo, a economia pode voltar aos poucos.

Como fazer isso em favelas, onde várias pessoas moram no mesmo cômodo?

- A sociedade vai ter que ajudar. Se eu moro com idosos, com pessoas doentes em casa, eu vou ficar em casa. A sociedade tem que ficar responsável por gerenciar a si mesma. Com isso a gente consegue fazer com que boa parte da economia volte e uma outra parte fique preservada. Mas eu não sou médico, estou dando aqui minha opinião de maneira criativa para lidar com isso. Mas acho que isso funciona na favela, em qualquer lugar.

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Como a XP atravessa a crise?

- A gente segue crescendo no mesmo ritmo. Ações formam a menor parte da carteira, e quem investe em ações tem o perfil adequado e visão de longo prazo. Obviamente todo mundo se assusta, mas é assim que funciona. Mas tenho certeza de que não há melhor maneira de ganhar dinheiro no longo prazo do que comprar boas companhias.

A meta de chegar a R$ 1 trilhão de ativos sob custódia até o fim de 2020 vai ficar mais distante?

- Desde que listamos a XP na Bolsa não podemos mais dar estimativa para isso. Mas afirmo que vamos continuar crescendo porque 90% dos recursos ainda são investidos por meio dos grandes bancos. Então, é questão de tempo para chegarmos ao primeiro trilhão, ao segundo trilhão etc.

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Mas o volume sob custódia já diminuiu nesta crise?

- Obviamente cai um pouco. Com a queda que houve na Bolsa, não tem como fazer mágica. Mas não foi relevante.

Guilherme Benchimol, fundador e presidente da XP Foto: Silvia Zamboni / Agência O Globo
Guilherme Benchimol, fundador e presidente da XP Foto: Silvia Zamboni / Agência O Globo

O conflito no campo político pode piorar a recessão?

- Todo mundo tem que se unir e pensar nas pessoas que mais precisam, seja prefeito, governador, presidente… Se ninguém se entender, quem vai sofrer são os pobres.

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Como está a campanha de doação de cestas básicas?

- Queremos mobilizar empresários e pessoas que têm dinheiro. Lançamos na quinta-feira com R$ 25 milhões e espero fechar hoje (ontem) com R$ 30 milhões. Mas entendemos que o melhor formato vai ser depositar dinheiro na conta das pessoas. Com isso ela consegue usar o dinheiro localmente também e aquecer comércio local. Mas estamos fechando esse modelo ainda.