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Economia

'Investidor estrangeiro não vê riscos nas eleições do Brasil', diz criador do Lulômetro

Diretor do BNY Mellon, Daniel Tenengauzer foi o autor do polêmico relatório em 2002, quando estava no Goldman Sachs. Ele diz que 'freios e contrapesos' funcionam e não vê ameaça de deterioração institucional com Bolsonaro
Diretor para Estratégias de Mercado do BNY Mellon, Daniel Tenengauzer alerta que inflação maior no mundo veio para ficar e que BCs subestimam esse cenário Foto: Divulgação
Diretor para Estratégias de Mercado do BNY Mellon, Daniel Tenengauzer alerta que inflação maior no mundo veio para ficar e que BCs subestimam esse cenário Foto: Divulgação

RIO - Diretor para Estratégias de Mercado do BNY Mellon, Daniel Tenengauzer acompanha de perto o fluxo de investidores globais em Bolsas e títulos do mundo inteiro. O banco americano tem sob custódia nada menos que US$ 46,5 trilhões em ativos, equivalente a 28 vezes o PIB do Brasil.

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Ele alerta que a inflação mais alta é um fenômeno que veio para ficar - risco que estaria sendo subestimado por bancos centrais e investidores internacionais. Mas, a despeito da alta de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) e pelo próprio BC brasileiro, Tenengauzer enxerga cenário favorável para a economia brasileira até agosto, o que tende a favorecer a campanha de Jair Bolsonaro à reeleição.

O economista foi autor do polêmico relatório "Lulômetro", de  2002, quando era analista do Goldman Sachs. O texto apontava para os riscos de uma disparada do dólar em caso de vitória de Lula nas eleições daquele ano.

Passadas duas décadas, o executivo diz que o Brasil demonstrou que o sistema de freios e contrapesos de sua democracia funciona e, por isso, ele não vê riscos em uma possível vitória de Lula, tampouco de eventual deterioração institucional em caso de reeleição de Bolsonaro.

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Carioca e flamenguista, Tenengauzer morou no Brasil até ir para a universidade, em Jerusalém, e hoje vive em Nova York. Ele esteve no Rio na semana passada, quando falou ao GLOBO sobre a economia global pós-pandemia.

Depois de dois anos de pandemia e muitos estímulos de governos do mundo inteiro, a “era do dinheiro fácil” está perto do fim?

Eu preciso fazer uma distinção entre o que eu acho que vai acontecer e o que eu acho que deveria acontecer. Eu acredito que a era do dinheiro fácil deveria acabar. Mas é complicado sair de um período tão longo (de estímulos), remonta a 2008. As pessoas, nem nos bancos centrais, não acreditam ainda que a inflação está aqui para ficar. E isso está colocando os bancos centrais num corner.

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O Fed (Federal Reserve, banco central americano, que subiu sua taxa básica de juros em meio ponto percentual na semana passada) foi comedido?

Ele eliminou uma alta de 0,75 ponto percentual (nas próximas reuniões). Sinalizou que não tem razão de ir nesta direção por enquanto. E para ter uma ideia do quão hawkish (agressivo na alta de juros) foi o Fed esta semana, foi a primeira vez que elevaram em meio ponto percentual a taxa básica em 22 anos.

Você acha que a inflação mais alta veio para ficar?

Eu não tenho a menor dúvida. Foram 20 anos, de 2000 a 2020, em que o mundo estava acostumado com um eixo de oferta super flexível. Você mudava a demanda, para mais ou para menos, e o preço não mudava muito, porque você sempre achava mais uma fábrica na China que poderia ampliar sua oferta, sempre achou um jeito de descobrir um pouco mais de petróleo por causa do fracking (técnica de exploração por fraturamento hidráulico) nos Estados Unidos ou em outros países, além de a energia ter ido mais na direção de renovável.

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Foram coisas que ocorreram nos últimos 20 anos que criaram um ambiente para a inflação ficar ali em 2%, 3% no mundo inteiro.

A globalização teve um efeito deflacionário no mundo?

A globalização foi um dos fatores. O outro foi a tecnologia. Não tenho a menor dúvida que o fator Amazon influenciou. Hoje você pode descobrir o preço de qualquer coisa em três segundos (ou seja, isso evita a dispersão de preços e contém reajustes). E teve também a questão energética, o carro híbrido, a eficiência dos automóveis.

O controle de expectativas de mercado também ajudou muito. A política monetária nova, com a comunicação dos bancos centrais (o regime de metas de inflação), ajudou. Foi assim no Fed, no Brasil, no mundo inteiro.

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Hoje então perdemos tudo isso?

Este é o meu ponto. Se você vai fator por fator, você perdeu. O protecionismo começou lá atrás, em 2016 e 2017, com a guerra comercial, que foi a única política (do ex-presidente Donald Trump) que ficou com os democratas. E existia uma promessa lá atrás na Organização Mundial do Comércio (OMC) de que os países emergentes iriam abrir com o tempo, o que nunca ocorreu.

Não podemos dizer que as economias chinesa ou brasileira são abertas, por exemplo. A guerra (na Ucrânia) funcionou como um catalisador super importante desta tendência de protecionismo. E tem a Covid. Eu não sei o quanto a Covid vai atrapalhar, a médio e longo prazo, a questão da oferta. Mas é claro que a gente não vê a China reabrindo nos próximos meses.

Está havendo uma mudança na produção global, com fábricas se deslocando da Ásia para ficarem mais próximas dos centros de consumo globais. Isso também veio para ficar? Terá impacto na inflação?

Isso já está dado. Mas o que é interessante, conectando com Brasil e emergentes, é que há um cenário positivo para esses países. Como os emergentes estavam fechados, é uma oportunidade para abrir. Se você tiver uma política econômica razoável, de baixar tarifa e abrir o mercado, aí inverte a história dos emergentes. De uma certa forma, isso já está acontecendo. Na parte de serviços, por exemplo.

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Isso também pode acontecer na manufatura? Daqui a dez anos, por exemplo, o Brasil pode começar a exportar para os EUA?

Com certeza. Eu só compro sapato brasileiro (risos). Fiz isso agora (na vinda ao Rio).

Mas o Brasil está mais bem posicionado do que outros emergentes?

O Brasil está na ponta no agronegócio. Outra coisa é a parte de meio ambiente. Fala-se muito do Brasil, mas uma parte enorme da energia do país é renovável. Se o Brasil conseguisse mudar a percepção mundial de como a energia é gerada, poderia trabalhar nessa direção.

Exportar esse modelo, explicar para o gringo o que é bandeira tarifária, que funciona. A África do Sul eles cortam a energia… E tem o turismo também. Serviços, aviação.

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A política atrapalha?

Ela atrapalha em qualquer lugar (risos). Na minha carreira, minha dúvida foi se meu celular funcionaria no Brasil. E hoje funciona! O Brasil deveria estar diminuindo tarifas nos serviços. Mas o principal problema é o custo do voo para vir pra cá.

Depois das sanções inéditas do Ocidente à Rússia, a dominância do dólar como moeda de reserva internacional pode ser chacoalhada?

Isso já está acontecendo. É um processo de décadas. Se eu olhar os fluxos, no dia que começou a guerra, vimos os estrangeiros comprando Treasuries (títulos do Tesouro americano) loucamente. Em março, a coisa começou a se normalizar um pouco quando se viu que não haverá a Terceira Guerra Mundial. Em abril, o pessoal começou a vender muito. O estrangeiro começou a sair desde abril. Parte disso aí é movimento de diversificação.

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E aí compra o que? Qual é a opção ao dólar?

Se houvesse uma política fiscal europeia comum, a Europa seria um candidato. França, Alemanha e até Itália.

Mas sem isso, quem seria o candidato?

O pessoal faz uma cesta. Compra Austrália, Canadá, por causa de commodities. O problema do Brasil é que não é líquido nem tem um instrumento que seja fácil de entrar e sair. Até a China é mais fácil neste sentido (de ter contratos em moeda chinesa negociados no exterior).

O cenário fiscal do Brasil preocupa o estrangeiro?

O fiscal está indo muito bem. A administração fiscal do Brasil hoje em dia está funcionando. Não vou discutir Auxílio Brasil etc., mas por enquanto os dados estão indo bem. A arrecadação de impostos está indo muito bem. Conseguiram segurar custo do emprego público, em relação à inflação melhorou muito (não houve reajustes para servidores).

Diretor para Estratégias de Mercado do BNY Mellon, Daniel Tenengauzer Foto: Divulgação
Diretor para Estratégias de Mercado do BNY Mellon, Daniel Tenengauzer Foto: Divulgação

Havia dois problemas. Na Previdência, houve reforma. O outro era o custo da máquina. E isso foi contido com a inflação. Isso é novo, o Brasil não via ajuste salarial abaixo da inflação… Estão falando 5% (promessa do governo para reajustar os servidores), isso é muito abaixo da inflação, o que é ótimo para o governo.

Mas está gerando instabilidade política…

Não tem como não. Mas ajuda muito o fiscal. Não é só aqui. No México é uma história parecida, na África do Sul é a mesma coisa. A situação fiscal melhorou muito no mundo inteiro por causa disso (da inflação).

Mas quando o ganho é inflacionário, isso cobra um custo, não?

Com certeza. A não ser que você ache que a inflação nunca vá voltar (a cair), que é o meu caso (risos). E você precisa dessa folga fiscal porque houve um grande alargamento lá atrás (ou seja, estímulos do governo na pandemia). A inflação atenuou o buraco fiscal que foi criado na primeira metade de 2020. Com isso, a coisa não é tão ruim.

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Em 2002, o senhor escreveu o relatório do Goldman Sachs que criou o Lulômetro, no qual traçava cenários para a alta do dólar em caso de vitória do Lula nas eleições presidenciais daquele ano. O nervosismo dos mercados financeiros com eleições no Brasil era maior naquela época?

Sim, porque a a parte estrutural mudou. Você tem um mercado de renda fixa local, o governo se financia de maneira muito mais fácil. A dependência do estrangeiro é muito menor. O perfil (da dívida pública) é completamente diferente.

A segunda parte é que o real já está barato. Lá atrás, precisou daquele ajuste para reprecificar a incerteza política. Hoje em dia, isso já é muito mais monótono. O real já foi a R$ 5,50, R$ 6. Não tem como comparar com aquela outra época.

Isso tem mais a ver com a economia ou com o perfil dos candidatos?

Economia. Lá atrás, você não tinha o PT com o PSB ou PSDB (ou seja, com o candidato a vice na chapa de Lula, Geraldo Alckmin). Agora, já sabemos como o PT governou. Sabemos que o Bolsonaro é o Bolsonaro, mas tem o Guedes, cuja política é bem disciplinada. Você tem esses checks and balances (freios e contrapesos) que, lá atrás, a gente não sabia se iria funcionar. Então, temos o benefício de saber o que já aconteceu. A história é muito diferente.

Há risco de haver uma volatilidade maior nos mercados por causa das eleições mais para o fim do ano?

Sim, mas não necessariamente por causa do Brasil. Primeiro, claro, só vamos saber oficialmente os candidatos lá na frente. Precisamos saber se vai ser uma eleição só de um turno ou não, o que determina se é algo para primeira semana de outubro ou para última. Isso acontece bem no momento que está havendo mudança de liquidez lá fora, que se dá no fim do verão (no Hemisfério Norte). Então, isso tem um impacto.

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O que não aconteceu em eleições anteriores é que, até lá, a taxa de juros dos EUA vai duplicar literalmente! Vai haver pelo menos mais duas elevações de meio ponto percentual até lá, e provavelmente mais uma em setembro.

A tendência para o câmbio é continuar nos patamares atuais?

Acho que sim. A não ser que saia uma retórica preocupante de qualquer um dos dois lados. Mas entendo que os dois estão indo para o centro, pela estratégia dos dois marqueteiros.

E o mercado também já não reage tanto às declarações de Bolsonaro como, por exemplo, nas ações da Petrobras…

O que importa aí é o Guedes. A parte fiscal que é determinante.

Qual é a avaliação do investidor estrangeiro sobre o governo Bolsonaro?

Na verdade, não falam tanto sobre ele.

O Brasil perdeu importância…

Não é verdade! O Brasil é único país fora da Ásia com superávit da balança comercial contra a China. Mas o que é interessante é que o pessoal vê mais o Guedes do que o Bolsonaro. E ele reflete uma política fiscal sana. E é uma surpresa. Lá atrás, eu estava preocupado com o seu temperamento. Mas ele fez um trabalho muito bom.

Mesmo com PEC dos precatórios? Ou as pessoas não entendem?

Os estrangeiros, de fato, não entendem precatórios (risos). Mas o Guedes convence o investidor de que sabe o que está fazendo. A equipe do Banco Central e do Tesouro é muito boa.

Mas, aqui no Brasil, observadores da política ponderam que o ministro Guedes foi esvaziado e que a política econômica é tocada pelo Centrão. O estrangeiro não vê dessa forma?

Não. Eles veem o imposto entrando acima da inflação e entendem que alguma coisa boa eles estão fazendo. O resultado fiscal, por enquanto, está indo bem. O primário (resultado fiscal) esse ano vai ser muito melhor do que se achava. Isso tem a ver com crescimento também. Há oito, nove meses, eu fiquei muito bullish (otimista) com o Brasil. Porque o Brasil iria reabrir. Eu viajo muito e vi o que aconteceu quando reabriu em outros países do mundo.

Mas isso tem fôlego para ir até o fim do ano?

Não tenho dúvida de que a eleição vai ter um impacto negativo na incerteza, independentemente do resultado. O último trimestre do ano vai ser mais complicado em termos de atividade.

E qual é seu cenário para o PIB brasileiro?

Há a percepção de que será de 0,7% que eu concordo. Talvez seja um pouco maior, vai ter mais uns dois meses com surpresa positiva. O fim do ano que será mais complicado, a partir de agosto.

Agora, a piora vai coincidir com o momento que os eleitores estarão fazendo sua escolha. Terá um impacto político?

A piora da atividade se dará na eleição. Então, a melhora da atividade (até lá) vai atuar como fator mais otimista. Isso será, entre aspas, mais fácil para os marqueteiros do Bolsonaro. O interessante será como o Lula vai tratar disso, para indicar que não haverá uma ruptura na melhora.

O mercado vê alguma mudança substancial na eventual política econômica de Bolsonaro ou Lula a partir de 2023?

Existe já um nível de confiança de checks and balance. Isso não é só no Brasil. É no Peru também, que teve uma mudança radical de presidente.

E, olhando pelo outro lado, o mercado enxerga um risco de extremismo?

Não.

No Brasil, há observadores que enxergam risco de deterioração institucional em um segundo mandato de Bolsonaro, numa trajetória semelhante à de Viktor Órban, da Hungria. O mercado enxerga isso?

O investidor não vê isso. Eu mudaria a conversa para a discussão de democracia e não democracia. A guerra da Ucrânia mudou a cabeça do Ocidente, inclusive do Brasil. O quadro de votação da ONU é simbólica. Apesar de tudo, o Brasil votou com os EUA.

Então, uma ruptura está completamente fora da mesa do investidor.

Isso. O que seria um problema se essa possibilidade se concretizasse.