Economia

'O mercado não resolve tudo', afirma Papa Francisco em crítica ao capitalismo neoliberal

Em encíclica sobre a fraternidade, o Pontífice argentino aponta limitações do neoliberalismo, incapaz de resolver a questão da desigualdade
O Papa Francisco assinou a encíclica "Fratelli Tutti" neste sábado, em Assis, na Itália Foto: HANDOUT / AFP
O Papa Francisco assinou a encíclica "Fratelli Tutti" neste sábado, em Assis, na Itália Foto: HANDOUT / AFP

CIDADE DO VATICANO – O Papa Francisco fez duras críticas à visão de que o liberalismo econômico é a resposta para os problemas sociais do mundo, ressaltando que as limitações do capitalismo neoliberal foram expostas pela crise provocada pela pandemia do novo coronavírus.

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“O mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal”, afirma o Papa na encíclica "Fratelli Tutti" ("Todos Irmãos" em italiano), assinada no sábado, em Assis, na Itália. “Trata-se dum pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja”.

De acordo com o pontífice, o neoliberalismo sempre recorre “à mágica teoria do ‘derrame’ ou ‘gotejamento’ como única via para resolver os problemas sociais”. Essa visão, bastante presente nas sociedades modernas, defende que a promoção do crescimento econômico impacta positivamente as camadas sociais mais baixas pela geração de empregos e do aumento da renda e do consumo.

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Para Francisco, porém, “a suposta redistribuição não resolve a desigualdade, fonte de novas formas de violência que ameaçam o tecido social”.

“O fim da história não foi como previsto, tendo as receitas dogmáticas da teoria econômica imperante demonstrado que elas mesmas não são infalíveis”, conclui o Papa. “A fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que, além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das finanças, devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro”.

No documento, o Papa também defende a "função social da propriedade", lembrando que "a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada":

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"O direito à propriedade privada só pode ser considerado como um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos bens criados", afirma. "E isto tem consequências muito concretas que se devem refletir no funcionamento da sociedade".

Apesar das críticas, Francisco não é contra o crescimento econômico. No texto ele classifica como “indispensável uma política econômica ativa” para o aumento dos postos de trabalho, mas insuficiente para a resolução dos problemas sociais.

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Para o Pontífice, é preciso incentivar movimentos populares, que surgem com a iniciativa de “desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos”. Dessa forma, afirma Francisco, será possível “superar a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres”.

As encíclicas estão entre os mais importantes documentos da Santa Sé. A “Fratelli Tutti” é a terceira assinada por Francisco. Antes, já havia publicado a "Lumen Fidei" ("Luz da Fé"), iniciada por Bento XVI, e "Laudato Si'" ("Louvado Sejas"), a primeira na história da Igreja Católica dedicada à ecologia.