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Economia

‘O setor privado sofre de abstinência estatal’, diz pesquisador da FGV

Para Armando Castelar, produtividade não cresce por falta de bons empregos, não por educação fraca
O economista Armando Castelar, em sua sala na FGV-Rio: para ele, a CMPF estimula a verticalização das empresas e joga contra a produtividade Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
O economista Armando Castelar, em sua sala na FGV-Rio: para ele, a CMPF estimula a verticalização das empresas e joga contra a produtividade Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

RIO - Coordenador de Economia Aplicada da Fundação Getulio Vargas ( FGV ) e com livros publicados sobre produtividade no Brasil, Armando Castelar diz que, sem ocupações qualificadas em grandes empresas, o Brasil manterá uma mão de obra pouco produtiva . Embora o país tenha dificuldades na educação , não é esse o problema na visão dele. O economista avalia que o setor privado sofre de “ abstinência de incentivo estatal” e não investe, depois do ajuste fiscal que fez cair o gasto público . Para ele, as turbulências no cenário externo podem, mais uma vez, abortar investimentos, mesmo com juros e inflação baixas.

O cenário externo vai prejudicar a retomada da economia?

O Brasil está razoavelmente bem posicionado para lidar com cenário externo mais adverso, não vai ter uma crise, mas isso joga contra o crescimento. O interesse do investidor estrangeiro em ativos aqui diminui, isso desvaloriza câmbio, ativos, reduz a confiança e tende a segurar o crescimento. Mais uma fonte de incerteza e de pouca demanda que ajuda a segurar o crescimento aqui, que já está difícil de retomar.

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A MP da Liberdade Econômica e reforma tributária podem aumentar a produtividade?

Acho que as medidas vão na direção correta, de desburocratizar, dar flexibilidade. Essas regras vão ajudar, mas ainda é um objetivo distante. O problema da produtividade é de investimento. O Brasil investe muito pouco. Então, criam-se ocupações em empresas pouco produtivas. Ocupações de alta produtividade do trabalho são nas grandes, que têm capital, tecnologia moderna. Pensa num trabalhador da construção que faz bico e vai para uma grande incorporadora, com maquinário, paredes pré-fabricadas, função específica. Ele é muito mais produtivo. O emprego no segundo trimestre cresceu 2,6% em relação a 2018, e a expectativa é que o PIB tenha crescido 0,9%. O emprego cresceu quase três vezes o que cresceu o PIB. Gerou-se emprego, só que muito pouco produtivos. O desafio é gerar emprego em grandes empresas, com tecnologia, capital, qualidade na gestão. Empresas têm que investir, ter espaço para crescer.

Por que elas não investem?

Investir no Brasil é arriscado, todo mundo reconhece. Há competição desleal com a informalidade. Há uma série de mecanismos no Brasil, como o Simples ou o MEI (sistema tributário para empreendedores individuais), que incentivam as empresas a ficar pequenas, com vantagens num padrão muito diferente do resto do mundo. O teto de faturamento anual para considerar uma empresa pequena é muito alto no Brasil, US$ 1 milhão contra US$ 100 mil no padrão internacional. Isso incentiva as empresas a ficarem pequenas, e pequenas são pouco produtivas.

A situação piorou com a crise, mas o Brasil sempre teve informalidade alta.

O Brasil investe pouco há muito tempo. Sempre teve políticas para proteger empresas pouco eficientes. Isso mudou um pouco, mas ainda não desapareceu completamente. Se a empresa era pouco eficiente, aumentava-se a barreira comercial, fazia-se o programa de compras governamentais com preferência. O Brasil está fora das cadeias globais porque as regras de conteúdo local são de tal ordem que (o país) não se integra. A empresa brasileira não pode competir lá fora porque aqui paga muito imposto, não tem infraestrutura. A reforma tributária é importante para o passo seguinte, que é mais competição.

“Por décadas sempre foi o governo a resolver quando as coisas ficam mal. Temos que sair disso porque não tem mais dinheiro”

Armando Castelar
Coordenador de Economia Aplicada da FGV

Produtividade baixa não é resultado de má educação?

Não. Ao longo dos últimos 15, 20 anos, a escolaridade média do trabalhador brasileiro multiplicou por dois ou três. E a produtividade é exatamente a mesma. Formamos um engenheiro para ele dirigir carro, ser corretor, coisas que não exigem a educação que ele tem. O trabalhador está se qualificando, mas a qualidade do emprego para usar o que ele estudou não aparece. Não é um problema de educação, que melhorou muito. É completamente diferente na China ou na Coreia do Sul, onde a escolaridade aumenta e a produtividade vai junto. Aqui, a escolaridade aumenta e a produtividade fica parada. É impressionante. Se queremos melhorar a distribuição de renda, temos que melhorar a produtividade, ter crescimento. Isso porque estamos escolarizando o mais pobre, mas sem dar oportunidade para ele trabalhar. Ele continua fazendo bico de conta própria. A solução passa por criar ocupações que permitam ao trabalhador usar melhor a educação.

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O crescimento virá agora?

O Brasil está vivendo um problema de abstinência do incentivo público, estatal. Durante muitas décadas sempre foi o governo a resolver quando as coisas ficam mal. Você olha para Brasília e espera o que o governo vai fazer, se vai vir um novo plano nacional de desenvolvimento, de campeão nacional. Temos que sair disso porque não tem mais dinheiro. Agora o setor privado tem que fazer as coisas, mas não está acostumado. Continua olhando para Brasília. A inflação e os juros já caíram muito, as empresas emitem debêntures (títulos) e captam a juros baixíssimos, mas continua todo mundo esperando um incentivo tributário, crédito mais barato. Isso não vai vir porque não tem dinheiro.

“O trabalhador está se qualificando, mas a qualidade do emprego para usar o que ele estudou não aparece”

Armando Castelar
Coordenador de Economia Aplicada da FGV

E o desemprego longo de prazo?

Isso atrapalha muito. As evidências mostram que depois de tanto tempo, o trabalhador tem dificuldade de aceitar rotina, trabalhar oito horas por dia, interagir com outras pessoas, muita gente acaba com problema de alcoolismo, perde a capacidade de trabalhar. Muito da educação do trabalhador é treinamento no trabalho, seja formal, mas também informal. A empregabilidade desse trabalhador fica muito menor, desaprende as habilidades de trabalhar numa empresa, com outras pessoas.

Quando o mercado de trabalho deve se recuperar?

As previsões são de que teremos desemprego alto por muitos anos ainda. Por quatro a cinco anos, desemprego alto vai continuar sendo um problema por muitos anos. Não teremos desemprego baixo tão cedo.

O FGTS não ajuda?

Deve ajudar um pouco a curto prazo e tem fôlego curto. A experiência de Temer mostrou que melhora o PIB, mas depois ele volta para baixo. Temos dados consistentes das contas públicas desde 1997. O gasto do governo crescia 6,3% ao ano acima da inflação, de 1997 a 2014. Em 2015, parou de crescer. De 2015 para cá cresce 0,3% ao ano. Então é uma trava, sem sombra de dúvida. O problema é que não estamos conseguindo fazer o setor privado ocupar o espaço. O governo falou: agora é contigo, vai que é tua, só que o setor privado não está indo. Temos Inflação baixa, juro baixo. Grande coisa se a incerteza, se a abstinência do incentivo público que faz o setor privado ficar esperando vir alguma coisa. Vai ter uma transição de reeducação do empresariado, do setor privado de maneira geral.

A volta da CMPF é viável?

Estudos mostram que a CPMF gera distorções importantes na economia, como incentivo à verticalização. A empresa tende a produzir tudo, passando a comprar dela mesma, sem transação financeira e sem CPMF. Isso para a produtividade é um desastre porque quanto mais especializada, mais produtiva é a empresa. Gera também desintermediação financeira. As pessoas tentam fazer mais negócios em dinheiro. Então, não parece um bom imposto, ainda que eu entenda algumas das motivações, como a tentativa de tributar a parte informal da economia. Mas, estudos sugerem que o que você traz de ruim é pior que o que ganha de bom.

Não seria uma maneira de tributar a nova economia?

Essa nova economia é muito mais importante nos EUA, na Europa, no Japão e na Coreia do Sul que no Brasil, e nem por isso eles estão fazendo isso. O ideal é fazer cumprir a lei de outras formas. Quando se tenta resolver com quebra-galhos, não se foca no que se precisa. O problema é acabar com a informalidade, não tributar a informalidade.

Artigo seu recente diz que o baixo crescimento brasileiro tem uma raiz política: o sistema de presidencialismo de coalização. Uma reforma política fará o Brasil crescer mais?

É difícil falar com o Congresso sendo ativo, atipicamente ativo, ao contrário de todos esses anos, houve uma reforma política não das regras, mas do comportamento congressual, tanto no Senado quanto na Câmara. A crítica é injusta nesse momento. O ponto do artigo é que o debate econômico sobre produtividade, crescimento, distribuição de renda está tão mastigado, tão óbvio o que tem que ser feito e o porquê, então a dificuldade é política. No presidencialismo de coalização, o Congresso não tem incentivo para resolver tudo porque acaba dando um prestígio muito grande ao presidente, ao Executivo. Tem um incentivo a resolver, a afastar do abismo, mas não tirar totalmente de perto, então o país não cresce. Os partidos participam do governo, mas de uma maneira que, se o governo for bem eles não se beneficiam eleitoralmente, eles se beneficiam de ocupar cargos, conseguir verba. Quando o governo vai bem você não lembra de qual partido é o ministro da Educação, da Agricultura. É diferente do Parlamento Europeu, onde os partidos que participam do governo são premiados ou cobrados pelo que  o governo faz. Precisaria mudar o incentivo para criar um bônus e ônus maior para os partidos que participam do governo com sucesso e fracasso do governo.