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'Orçamento paralelo’ acirra ainda mais disputa entre Paulo Guedes e Rogério Marinho

Ministro da Economia deixa crise para o titular do Desenvolvimento Regional, que critica inabilidade do colega no bastidor
Orçamento paralelo afasta mais Guedes e Marinho Foto: Jorge William / Agência O Globo

BRASÍLIA - A crise que envolve evidências de uma espécie de orçamento paralelo destinado a sedimentar o apoio ao governo Bolsonaro no Congresso aumentou a efervescência da já tensa relação entre os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional (MDR).

Os embates nos bastidores inflamam as articulações para recriar a pasta do Planejamento, tirando a área ligada ao Orçamento das mãos do chefe da equipe econômica.

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De um lado, reservadamente, Guedes diz que Marinho tem agido insistentemente para furar o teto de gastos , tramando, na sua visão, contra a agenda liberal do governo. Do outro, o titular do Desenvolvimento Regional defende nos bastidores que seja refundado o ministério do Planejamento para retomar o controle do Orçamento para o Executivo nas negociações com o Legislativo.

A interlocutores, Marinho atribui a Guedes a ideia de passar aos parlamentares o desenho da peça orçamentária, o que resultou em emendas bem acima do que a situação fiscal do país comporta.

Cristiano Rocha Heckert, que comandava a Secretaria de Gestão, deixou o cargo em janeiro de 2022 para assumir como diretor-presidente da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe) Foto: Divulgação
Gustavo José Guimarães e Souza também pediu demissão do cargo de secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria (Secap) em janeiro de 2022 para ocupar uma função no Legislativo Foto: Divulgação/Ministério da Economia
O secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, pediu demissão em outubro de 2021 logo após o governo anunciar a criação do Auxílio Emergencial com parte dos pagamentos fora do teto de gastos, algo que ele sempre se disse contra Foto: Washington Costa / Ascom/ME
O secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, pediu demissão em outubro de 2021 junto com o secretário especial Bruno Funchal, a quem sucedeu no cargo no mesmo ano Foto: Aílton de Freitas / 20-12-2013
Gildenora Batista Dantas Milhomem, secretária especial adjunta de Tesouro e Orçamento, também pediu exoneração de seu cargo junto com Funchal, em outubro de 2021, alegando razões pessoais, em meio à crise aberta pelo projeto do Auxílio Brasil com recursos fora do teto de gastos Foto: Ministério da Economia / Reprodução
O secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Cavalcanti de Araujo, também pediu exoneração de seu cargo em outubro de 2021 após a debandada provocada pelo plano de financiar o programa social Auxílio Brasil fora do teto de gastos Foto: Hoana Gonçalves / Agência O Globo
Insatisfeito com o atraso no envio da reforma administrativa ao Congresso, Paulo Uebel deixou o cargo de Secretário especial de Desburocratização em agosto de 2020 Foto: Fátima Meira / Agência O Globo
Após a crise causada pela sanção do Orçamento de 2021, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a saída de Waldery Rodrigues do cargo de secretário especial da Fazenda, em 27 de abril, a pedido do secretário. O secretário informou que combinou a substituição em dezembro do ano anterior Foto: Ascom / Edu Andrade/ME
Na dança de cadeiras do Ministério da Economia, o secretário de Orçamento Federal, George Soares, também deixou o cargo. Foto: Agência Brasil
A advogada tributarista Vanessa Canado, assessora especial do Ministério da Economia voltada à reforma tributária, pediu demissão, mas não detalhou o motivo da saída Foto: Silvia Zamboni / Valor
Presidente do BB, André Brandão, entregou o cargo no dia 18 de março. Programa de reestruturação de Brandão desagradou ao presidente Bolsonaro Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, deixa o cargo no dia 20 de março, após desagradar a Bolsonaro com reajustes de combustíveis. Ele foi indicado por Guedes Foto: AFP
Sem conseguir tirar do papel várias privatizações, Salim Mattar pediu demissão do cargo de secretário de Desestatização do Ministério da Economia em agosto de 2020 Foto: Amanda Perobelli / Reuters
Rubem Novaes pediu demissão da presidência do Banco do Brasil em julho de 2020, após queixas sobre pressão política sobre o banco, cuja privatização chegou a defender Foto: Claudio Belli / Valor/14-2-2019
Ex-ministro da Fazenda no governo Dilma, Joaquim Levy só ficou no cargo de presidente do BNDES até junho de 2019, após críticas públicas de Bolsonaro, que queria abrir a "caixa preta" do banco Foto: Marcos Corrêa / PR/13-06-2019
Nome forte das contas públicas e um dos criadores do teto de gastos, Mansueto Almeida deixou o comando do Tesouro Nacional e foi para o BTG Foto: Adriano Machado / Reuters
Marcos Cintra deixou a chefia da Receita Federal após insistir na defesa de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF. Uma ideia fixa de Guedes Foto: Leo Pinheiro / Valor/2016
O economista Marcos Troyjo trocou o cargo de Secretário especial de Comércio Exterior pela presidência do New Development Bank, conhecido como o Banco dos Brics, por indicação do governo brasileiro Foto: Carlos Ivan / Agência O Globo 23-10-2012
Caio Megale deixou o cargo de diretor na Secretaria Especial de Fazenda em julho de 2020. Recentemente foi anunciado como novo economista-chefe da XP Investimentos Foto: Washington Costa / SEPEC/ME/15/01/2019
O secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos da Costa, deixará o cargo para assumir o posto de adido de comércio em Washington Foto: Agência O Globo
O secretário da Receita Federal, José Tostes, deixará o país. Ele será adido do governo na OCDE, em Paris Foto: Edu Andrade / Ministério da Economia
Jair Bolsonaro decide demitir o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, segundo integrantes do governo, em meio à pressão por conta do aumento no preço dos combustíveis, e depois de críticas feitas pelo governo e pelo Congresso à estatal Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil

Alimentando essa intriga, alguns ministros do governo passaram a circular um vídeo em que Guedes declara, em audiência pública da Comissão de Orçamento e Fiscalização, em 2019, que o Congresso tem o “poder decisório” de alocar os recursos para saúde, educação, saneamento, entre outras áreas.

Silêncio no Congresso

A revelação pelo jornal O Estado de S. Paulo, na semana passada, do teor de ofícios pelos quais parlamentares indicavam como deveria ser gasta parte das emendas do relator — um mecanismo no qual o senador responsável por elaborar o Orçamento do ano indica livremente como quer gastar uma fatia expressiva da previsão de despesas livres para o ano — deu munição a Guedes.

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Uma parte significativa do montante de R$ 20 bilhões em emendas do relator foi alocada no Ministério do Desenvolvimento Regional, de Marinho, sem que as indicações fossem transparentes.

Ao ver seu adversário exposto a críticas, Guedes passou a se manter estrategicamente distante da crise dessa espécie de orçamento paralelo. Na última terça-feira, quando participou de audiência pública sobre a reforma administrativa na Câmara dos Deputados, o ministro da Economia foi questionado diversas vezes por parlamentares da oposição sobre o episódio.

Embora tenha liderado a negociação do Orçamento com o relator Márcio Bittar (MDB-AC), habilidosamente Guedes sequer mencionou o assunto durante as quase quatro horas de reunião.

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Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro passou a receber uma série de reclamações relacionadas à disputa política entre Marinho e Guedes, que, na avaliação de alguns conselheiros presidenciais, tem prejudicado o governo. As queixas, segundo ministros, têm irritado o presidente, que disse recentemente estar “farto” dessa intriga.

Apesar disso, Bolsonaro repete ser grato a Guedes, apelidado de Posto Ipiranga durante a campanha, por ter sido o fiador junto ao mercado financeiro de sua candidatura ao Planalto ainda antes das eleições de 2018.

Ministros atuaram juntos

A tensão entre Guedes e Marinho já vinha aumentando desde os vetos ao Orçamento deste ano, que destravaram o impasse em torno da aprovação.

Os cortes afetaram projetos da pasta do Desenvolvimento Regional, como o programa Minha Casa, Minha Vida, rebatizado de Casa Verde e Amarela, e obras de saneamento, sobretudo no Nordeste — uma vitrine para a campanha do presidente Jair Bolsonaro à reeleição em 2022 que Marinho se esforça em construir.

O corte de R$ 19,7 bilhões atingiu também outros ministérios, como Meio Ambiente, Agricultura e Defesa.

Apesar de se estranharem nos últimos tempos, Guedes e Marinho começaram o governo Bolsonaro trabalhando juntos. Marinho foi secretário especial de Previdência de Guedes, com papel importante na negociação com o Congresso da reforma do sistema de aposentadorias, em 2019.

Foi Guedes quem chamou a atenção de Bolsonaro para o ex-auxiliar. Chegou a sugerir ao presidente que nomeasse Marinho chefe da Casa Civil, devido à sua habilidade na articulação política. Hoje, o próprio presidente gosta de brincar com Guedes, perguntando se a proposta ainda está de pé.