BRASÍLIA - A crise que envolve evidências de uma espécie de orçamento paralelo destinado a sedimentar o apoio ao governo Bolsonaro no Congresso aumentou a efervescência da já
tensa relação entre os ministros
Paulo Guedes, da Economia, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional (MDR).
Os embates nos bastidores inflamam as articulações para recriar a pasta do Planejamento, tirando a área ligada ao Orçamento das mãos do chefe da equipe econômica.
De um lado, reservadamente, Guedes diz que Marinho tem agido insistentemente para
furar o teto de gastos
, tramando, na sua visão, contra a agenda liberal do governo. Do outro, o titular do Desenvolvimento Regional defende nos bastidores que seja refundado o ministério do Planejamento para retomar o controle do Orçamento para o Executivo nas negociações com o Legislativo.
A interlocutores, Marinho atribui a Guedes a ideia de passar aos parlamentares o desenho da peça orçamentária, o que resultou em emendas bem acima do que a situação fiscal do país comporta.
Alimentando essa intriga, alguns ministros do governo passaram a circular um vídeo em que Guedes declara, em audiência pública da Comissão de Orçamento e Fiscalização, em 2019, que o Congresso tem o “poder decisório” de alocar os recursos para saúde, educação, saneamento, entre outras áreas.
Silêncio no Congresso
A revelação pelo jornal O Estado de S. Paulo, na semana passada, do teor de ofícios pelos quais parlamentares indicavam como deveria ser gasta parte das emendas do relator — um mecanismo no qual o senador responsável por elaborar o Orçamento do ano indica livremente como quer gastar uma fatia expressiva da previsão de despesas livres para o ano — deu munição a Guedes.
Uma parte significativa do montante de R$ 20 bilhões em emendas do relator foi alocada no Ministério do Desenvolvimento Regional, de Marinho, sem que as indicações fossem transparentes.
Ao ver seu adversário exposto a críticas, Guedes passou a se manter estrategicamente distante da crise dessa espécie de orçamento paralelo. Na última terça-feira, quando participou de audiência pública sobre a reforma administrativa na Câmara dos Deputados, o ministro da Economia foi questionado diversas vezes por parlamentares da oposição sobre o episódio.
Embora tenha liderado a negociação do Orçamento com o relator Márcio Bittar (MDB-AC), habilidosamente Guedes sequer mencionou o assunto durante as quase quatro horas de reunião.
Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro passou a receber uma série de reclamações relacionadas à disputa política entre Marinho e Guedes, que, na avaliação de alguns conselheiros presidenciais, tem prejudicado o governo. As queixas, segundo ministros, têm irritado o presidente, que disse recentemente estar “farto” dessa intriga.
Apesar disso, Bolsonaro repete ser grato a Guedes, apelidado de Posto Ipiranga durante a campanha, por ter sido o fiador junto ao mercado financeiro de sua candidatura ao Planalto ainda antes das eleições de 2018.
Ministros atuaram juntos
A tensão entre Guedes e Marinho já vinha aumentando desde os vetos ao Orçamento deste ano, que destravaram o impasse em torno da aprovação.
Os cortes afetaram projetos da pasta do Desenvolvimento Regional, como o programa Minha Casa, Minha Vida, rebatizado de Casa Verde e Amarela, e obras de saneamento, sobretudo no Nordeste — uma vitrine para a campanha do presidente Jair Bolsonaro à reeleição em 2022 que Marinho se esforça em construir.
O
corte de R$ 19,7 bilhões
atingiu também outros ministérios, como Meio Ambiente, Agricultura e Defesa.
Apesar de se estranharem nos últimos tempos, Guedes e Marinho começaram o governo Bolsonaro trabalhando juntos. Marinho foi secretário especial de Previdência de Guedes, com papel importante na negociação com o Congresso da reforma do sistema de aposentadorias, em 2019.
Foi Guedes quem chamou a atenção de Bolsonaro para o ex-auxiliar. Chegou a sugerir ao presidente que nomeasse Marinho chefe da Casa Civil, devido à sua habilidade na articulação política. Hoje, o próprio presidente gosta de brincar com Guedes, perguntando se a proposta ainda está de pé.