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Economia

Os bancos contra-atacam: Veja como instituições tradicionais disputam clientes com as fintechs

Braços virtuais de Itaú e Bradesco têm juntos 10,4 milhões de contas, 80% delas de titulares sem ligação com a operação tradicional de agências
Aplicativo do banco digital iti, do Itaú Foto: Divulgação
Aplicativo do banco digital iti, do Itaú Foto: Divulgação

SÃO PAULO - Pressionados pela expansão das fintechs, como são chamadas as start-ups financeiras, grandes bancos aceleram a estratégia de seus braços digitais para não ficar comendo poeira.

Com as restrições da pandemia, o uso dos canais na internet, principalmente via celular, explodiu e chegou a 98% das operações em algumas instituições, que passaram a usar as mesmas armas de bancos digitais para atrair clientes que não querem saber de agência: conta gratuita, cartão de crédito sem anuidade e até descontos em compras.

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Nos balanços dos maiores bancos do país relativos aos três primeiros meses do ano, chamou a atenção o crescimento exponencial de seus “filhotes digitais”.

No banco digital Next, criado pelo Bradesco em 2017, o número de contas saltou de 2,3 milhões para 4,4 milhões em apenas um ano.

No Itaú, o banco digital iti, lançado em 2019, alcançou 6 milhões de contas abertas em abril, metade disso conquistada só este ano. E quer chegar a 15 milhões em dezembro.

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No Itaú, o total de clientes que utilizam os canais digitais do banco chega a 27,9 milhões. No Bradesco, são 21,9 milhões. Mas o que se destaca nos números do iti e do Next é o fato de cerca de 80% dos clientes 100% digitais não serem correntistas das operações tradicionais dos dois bancos.

Bancos jogam no campo das start-ups

Os bancos tradicionais estão de fato disputando o público-alvo das fintechs, particularmente os jovens, muitas vezes ainda sem acesso a serviços bancários. Também miram outros nichos, como o de idosos que não tinham confiança para aderir a plataformas digitais.

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Os especialistas estimam que já existam 60 milhões de contas ativas em bancos digitais, sem contar as abertas na Caixa para o auxílio emergencial, mas o potencial de expansão ainda parece grande.

— Bancos tradicionais são cautelosos em fazer mudanças que precisam de investimento, já que têm custo fixo alto com a manutenção de agências. Mas a demanda pela digitalização cresceu e eles foram obrigados a seguir essa tendência, que já vinha crescendo — diz João Frota, estrategista da Senso Corretora e especialista em sistema financeiro.

Renato Ejnisman, presidente do Next, o banco digital do Bradesco Foto: Divulgação
Renato Ejnisman, presidente do Next, o banco digital do Bradesco Foto: Divulgação

Sem uma agência sequer, as transações no Next somaram 267 milhões em março, alta de 244% em um ano.

O presidente do banco digital do Bradesco, Renato Ejnisman, que assumiu o posto em março, disse ao GLOBO que não será surpresa se a meta de alcançar 7 milhões de clientes até o fim do ano for superada:

— Já havia demanda por uma experiência digital, e a pandemia acelerou isso. Pelo menos 80% dos nossos clientes não têm conta no Bradesco e temos buscado certos nichos de clientes, como contas gratuitas para filhos adolescentes, além dos gamers , que ganham descontos em produtos ligados a esse universo.

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Assim como varejistas avançam no setor financeiro, o Next faz o caminho inverso. Além de crédito, investimentos e seguros, tem o ShopFácil, uma plataforma de e-commerce que vende de produtos de beleza a roupas, e se prepara para lançar um marketplace .

Vantagens na maratona até o lucro

Aumentar a base de clientes só com contas gratuitas não dá lucro, observa Luis Miguel Santacreu, especialista em bancos da Austin Rating, agência de classificação de risco.

Fintechs e bancos digitais têm o desafio de oferecer crédito, seguros, investimentos e outros serviços financeiros. E, nesse sentido, os “bancões” levam vantagem. Têm caixa para criar e comprar fintechs, trazendo mais produtos e canais de acesso à sua operação.

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— É preciso ter produtos financeiros que rentabilizem. Por isso, nessa maratona digital, muitas fintechs precisam de injeção de capital para não desaparecer — diz Santacreu.

Alta adesão dos brasileiros ao sistema de pagamentos instantâneos Pix revela potencial das finanças digitais Foto: Reprodução
Alta adesão dos brasileiros ao sistema de pagamentos instantâneos Pix revela potencial das finanças digitais Foto: Reprodução

O Santander também tem conta digital gratuita, mas não criou uma unidade autônoma para a operação on-line. Preferiu acoplar uma espécie de “ecossistema digital” às operações do banco.

São onze fintechs, compradas no mercado ou incubadas no banco, que oferecem itens como financiamento de veículos, maquininhas de crédito e débito, investimentos e até crédito direto ao consumidor para viagens, tudo por canais virtuais. São 16,6 milhões de clientes digitais.

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— São empresas independentes, que atendem nichos com produtos específicos, mas que em tese são concorrentes do banco — diz Geraldo Rodrigues, diretor de Negócios Digitais do Santander.

O registro de que os brasileiros já fizeram 1 trilhão de transações através do Pix, o sistema de pagamentos instantâneo do Banco Central, superando as transferências via TED e DOC juntas, é um dos sinais de que o brasileiro está aberto à tecnologia nas finanças.

Banco do Brasil Foto: Marcelo Camargo / Agência O Globo
Banco do Brasil Foto: Marcelo Camargo / Agência O Globo

No Banco do Brasil, no primeiro trimestre deste ano, mais de três milhões de clientes usaram o Whatsapp para interagir com gerentes, observa Thiago Borsari, diretor de Negócios Digitais do banco estatal, que não separou a operação digital da convencional.

— Temos 21 milhões de clientes ativos em contas digitais, com alta de 30% em um ano.

Borsari conta que o início da prova de vida (exigida pelo INSS para pagar benefícios) por via digital teve alta adesão no BB, mesmo sendo a maioria de clientes idosos.

Em 2020, o banco investiu R$ 3,6 bilhões em tecnologia, o maior valor dos últimos três anos.

Fintechs seguem voando alto

A chegada dos bancos ao campo de batalha digital ainda não conseguiu frear as fintechs. O Nubank ganhou, só nos cinco primeiros meses deste ano, cinco milhões de contas. Tem mais de 38 milhões de consumidores, segundo a sócia Cristina Junqueira.

Nubank captou US$ 400 milhões e mais US$ 750 milhões em junho. Está avaliado em US$ 30 bilhões Foto: Divulgação
Nubank captou US$ 400 milhões e mais US$ 750 milhões em junho. Está avaliado em US$ 30 bilhões Foto: Divulgação

O banco digital C6 Bank fechou abril com 6 milhões de clientes, 2 milhões a mais do que em dezembro de 2020.

Levantamento do Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) encomendada pelo C6 revela que 45,6% dos consumidores já têm cartão de crédito emitido por um banco digital. Bem perto da proporção de usuários de cartões emitidos por instituições tradicionais: 49,8%.

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— A aceleração dos bancos tradicionais nas operações digitais mostra que se trata de uma tendência irreversível — diz Marcos Massukado, sócio do C6 Bank.

O alto interesse pelas finanças digitais não deixa faltar novos clientes para nenhum dos lados, mas as fintechs reconhecem que os velhos donos do pedaço estão apertando o passo.

Mimos disputam clientes

Na concorrência, valem os mimos. O C6, por exemplo, dá a quem abrir uma conta digital um “adesivo” para o vidro do carro que pode ser usado em pedágios sem taxa de adesão ou mensalidade.

Também foca na oferta de fundos de investimentos e de crédito, particularmente para Microempreendedores Individuais (MEIs) e pequenas empresas, segmento que ainda tem pouco acesso aos grandes bancos.

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— O crescimento do universo digital acirrou a concorrência e acaba beneficiando o consumidor, com menos tarifas e mais conveniência — diz Frota, estrategista da Senso.

Caixa ganha 107 milhões de clientes de uma vez

Não se tem notícia no mundo de um banco digital que, em pouco mais de oito meses, tenha conseguido a façanha de abrir 100 milhões de contas digitais.

O auxílio emergencial do governo federal levou 107 clientes digitais para a Caixa, que pretende fazer do Caixa Tem seu banco digital Foto: FramePhoto / Agência O Globo
O auxílio emergencial do governo federal levou 107 clientes digitais para a Caixa, que pretende fazer do Caixa Tem seu banco digital Foto: FramePhoto / Agência O Globo

Para a Caixa, apontam analistas, a pandemia teve como efeito colateral uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes das finanças on-line.

A criação de contas digitais para o pagamento do auxílio emergencial em 2020 tornou o aplicativo Caixa Tem um banco digital na prática.

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— Foi um presente do governo. Com a obrigatoriedade do recebimento do auxílio pela Caixa, um banco 100% público, a instituição ganhou vantagem competitiva entre seus pares e, em meses, angariou um número de contas que alguns levaram anos para ter — diz Diego Perez, diretor executivo da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs).

Perez avalia que, mesmo que uma parte dos clientes do aplicativo Caixa Tem seja de ex-desbancarizados e só tenha usado a conta digital para receber o benefício, há potencial de rentabilizar essa carteira.

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O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, sabe disso. Já declarou que usará o Caixa Tem para oferecer microcrédito e produtos como seguros. Cogita até uma oferta pública de ações do banco digital.

App foi alvo de queixas

No fim de março, a Caixa contabilizou mais de 107 milhões de contas digitais no Caixa Tem. Segundo o banco, o aplicativo é utilizado para todos os benefícios sociais do governo.

Entre suas funções estão pagamento de boletos, cartão de débito virtual e QR Code para compras, pagando diretamente nas maquininhas dos estabelecimentos comerciais.

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O Caixa Tem foi alvo de reclamações no início do pagamento do auxílio, quando muita gente não conseguiu usar o aplicativo. Segundo a Caixa, já houve 27 atualizações do app desde então.

— É no campo da tecnologia que os bancos digitais travam a maior disputa e fazem os maiores investimentos. A Caixa terá que acompanhar a concorrência — diz João Frota, da Senso Corretora.