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Economia

Para analistas, tensão política prejudica reformas e crescimento da economia

Crises sucessivas deixam o país mais longe de um ambiente propício ao avanço da agenda reformista
Escalada de conflito prejudica reformas e crescimento da economia, dizem especialistas Foto: Paulo Lopes / AFP
Escalada de conflito prejudica reformas e crescimento da economia, dizem especialistas Foto: Paulo Lopes / AFP

RIO - Os atos de cunho antidemocrático liderados pelo presidente Jair Bolsonaro com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) representam uma escalada na tensão entre os Poderes, com impactos negativos na economia, segundo especialistas.

A avaliação é que as crises sucessivas deixam o país mais longe de um ambiente propício ao avanço da agenda de reformas, minam a confiança dos investidores e atrapalham a atração de capital, o que tem impacto direto sobre a capacidade de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

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— Os atos mudam pouco o quadro econômico, mas reforçam um cenário negativo mais amplo. O conflito institucional do presidente com o STF gera incertezas e dificulta o ambiente propício para retomada de investimentos. O mercado está preocupado com as contas fiscais. Quando ocorre esse tensionamento institucional, um risco alimenta o outro — disse Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da consultoria Eurasia.

Para Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, é difícil para o investidor conviver com um cenário de tensão permanente do governo com todos os outros Poderes. Além disso, esse caminho de conflito reduz a confiança na aprovação de reformas enviadas ao Congresso, como a tributária e administrativa:

— O investidor espera muito pouco. E a verdade é que, para passar as reformas que estão aí, talvez seja melhor nem passar... O que passa é tão desfigurado, que não se pode nem chamar de reforma. O problema é que essa polarização não vai se resolver no curto prazo, e não há garantia de que o governo que vem será reformista. Não se vê muita luz no fim do túnel. Fica difícil investir no Brasil. A Bolsa já está até um pouquinho cara...

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. Foto: Criação O Globo
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Ataques ao STF

Nesta terça, a Bolsa brasileira permaneceu fechada, em razão do feriado de Sete de Setembro. Mas o ETF MSCI Brazil, fundo listado em Nova York que segue o Ibovespa, índice de referência dos investidores, subiu 0,61%. Para José Tovar, sócio-fundador da gestora Truxt, ele refletiu ainda o fechamento do mercado em São Paulo na segunda-feira, pois Wall Street não teve pregão naquele dia por causa do feriado do Dia do Trabalho.

— A pauta do presidente foi a mesma, de ataques contra o STF e de voto impresso. Para o investidor, o importante será ver a reação do Supremo e do presidente da Câmara, Arthur Lira — disse Tovar.

Para gestores, como Christian Keleti, sócio-fundador da Alpha Key Capital, o mercado temia que os atos descambassem para o confronto, mas a retórica de ataques reduz mais a popularidade do presidente.

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Impacto no mercado

Economistas avaliam que o acirramento de tensões já causou impacto no mercado. A Bolsa acumula queda de 0,96% no ano. Desde o pico, em junho, registra recuo de 9,87%. O dólar fechou o último pregão a R$ 5,17.

— A crise está gerada. Houve um atentado à Constituição em Brasília, quando o presidente fala que vai usar o Conselho da República. A situação é muito ruim e já se reflete internamente, com juros abrindo (maiores) e câmbio mais alto do que deveria. É uma deterioração do cenário produzido pelo governo, como a crise hídrica e a alta da energia — afirmou a economista Elena Landau, ex-diretora do BNDES.

Previsto na Constituição, o Conselho trata de intervenção federal, estado de defesa e de sítio. Bolsonaro disse que este se reuniria nesta quarta, mas à noite integrantes do Planalto afirmaram ter sido um engano e que haverá apenas uma reunião de ministros.

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Os atos no feriado ocorrem em um momento de queda da popularidade do presidente, com inflação acima de 9%, na taxa acumulada em 12 meses, e de crise hídrica, com aumento da conta de luz.

Cenário de estagflação

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o cenário que se delineia é de piora, com paralisia da agenda de reformas no Congresso e um caminho de estagflação — a combinação de inflação alta e baixo crescimento. No segundo trimestre, o PIB do país recuou 0,1%, e analistas já revisaram para baixo as projeções deste ano e do próximo.

— Você não vai conseguir reformas de qualidade com um presidente enfraquecido. Bolsonaro leva o país a um cenário de inflação pressionada e crescimento revisto para baixo. Isso paralisa a economia. E, como estamos perto de eleição, o grau de incerteza é maior.

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Para Vale, a escalada de ameaças levará a isolamento:

— Vamos ver nas próximas semanas um desembarque ainda mais completo do mercado. Bolsonaro vai ficar mais isolado. A tendência é formar uma frente ampla para fazer com que pare as ameaças.

Como resume Ramos, a sensação do investidor diante de crises sucessivas é de cansaço:

— O Brasil perdeu o encanto, e não é de hoje. É um país com crescimento limitado e cujo ruído institucional vem lá de trás. Isso foi gerando um certo desinteresse e cansaço com uma máquina que não anda para a frente. Se o crescimento desacelerar rapidamente, o que parece ser o caso, ficará ainda mais difícil a atração de investimento.