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Economia

Para sair da crise, Portugal cria incentivos e vira celeiro global de start-ups

Para atrair negócios inovadores, governo do país oferece até bolsas para empreendedores

Empurrãozinho. Com subsídio de € 750 mil do governo português, a start-up Live Electric Tours ampliou sua frota de carros elétricos nas ruas de Lisboa e ganhou um prêmio na Europa: Portugal oferece até bolsa para atrair empreendedores
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Divulgação
Empurrãozinho. Com subsídio de € 750 mil do governo português, a start-up Live Electric Tours ampliou sua frota de carros elétricos nas ruas de Lisboa e ganhou um prêmio na Europa: Portugal oferece até bolsa para atrair empreendedores Foto: Divulgação

LISBOA e RIO - Conhecido pelo bacalhau, pelos vinhos e pelo fado, Portugal está se transformando num dos principais centros de inovação do Velho Continente. Para sair da crise econômica que afundou o país no início da década, uma das apostas do governo foi o incentivo ao empreendedorismo para gerar riqueza e empregos, que começa a dar frutos. Já são três “unicórnios” (como são chamadas as start-ups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) resultantes desse esforço: OutSystems, Farfetch e TalkDesk. Lisboa já se tornou sede de um dos maiores eventos da indústria de tecnologia e, no ano passado, o volume de investimentos de risco (venture capital) em Portugal cresceu o dobro da média europeia.

— Não é errado dizer que Lisboa está ingressando na elite global de hubs para start-ups, comparável a Londres, Nova York e Berlim — diz Simon Schaefer, que levou a experiência do ecossistema alemão para a Startup Portugal, agência criada para fomentar o setor no país. — Hoje, o empreendedorismo dá uma contribuição à economia maior que o mercado imobiliário.

O impulso ganhou as ruas de Lisboa. A estrela do programa de subsídios Portugal Ventures passeia diariamente por 30 pontos turísticos e mostra o caminho aos empresários iniciantes que buscam o mesmo destino. Em um ano, a Live Eletric Tours ampliou de cinco para 16 sua frota de carros elétricos que mostram a capital portuguesa a turistas com direito a transmissão on-line do passeio nas redes sociais do cliente. Abriu uma loja e contratou funcionários. Tudo graças ao aporte de € 750 mil do programa do governo português. Na semana passada, a empresa foi escolhida a melhor start-up de turismo da Europa.

Governo vai atrás

Foi o governo que procurou a Live Eletric Tours no começo do ano, após a empresa vencer o programa de aceleração Tourism Explorers. A abordagem faz parte de uma agressiva estratégia de Portugal para criar o maior ecossistema de start-ups da Europa, superando Berlim e Londres. Há dezenas de programas de investimento, incubação e aceleração. Para o Portugal Ventures, com 105 empresas, o Ministério da Economia escolheu a engenheira Rita Marques para gerir, de forma alinhada com o Turismo de Portugal, um fundo de capital de risco de € 240 milhões.

— A abordagem foi um ponto importante de virada para nossa empresa. Somos a primeira do mundo a reunir internet, turismo, mobilidade e cuidado com o meio ambiente em um carro elétrico — diz Djalmo Gomes, diretor executivo e fundador da empresa.

Ao fim de 2015, quando ficou decidido que Lisboa sediaria três edições consecutivas da Web Summit, o governo de Portugal criou a Estratégia Nacional para o Empreendedorismo Startup Portugal. Este ano, ao ser definida a permanência da Web Summit por mais 10 anos, com investimento de € 110 milhões, revitalizou o programa, rebatizado de Startup Portugal+, para explorar novos mercados e atrair mais talentos. Foram reeditados subprogramas, como o Startup Voucher, algo como uma “bolsa empreendedor” de até € 700 para a fase de desenvolvimento de ideias.

Foram criados, ainda, benefícios para estrangeiros, como visto de residência para empreendedores de fora do Espaço Schengen, de livre circulação entre países da União Europeia. O projeto foi nomeado Startup Visa e recebeu mais de 200 candidaturas de sete países. A campanha de marketing faz contraponto com a onda conservadora na Europa, com slogans como “Xenofobia? Não, Startup Visa” e “Uniformes? Não, Unicórnios”. Em 2019, entrará em vigor o Tech Visa, que acelera a concessão de vistos de trabalho para estrangeiros contratados por empresas sediadas em Portugal.

— Nós temos um fundo de coinvestimento com participação do governo, vistos para atrair estrangeiros, programas de mentoria e até acolhimento social, com o pagamento de um salário para que o empreendedor possa focar na start-up — explica Schaefer. — O governo como um todo está empenhado em criar políticas em prol do empreendedorismo, algo que não vemos em outros países. Isso está criando uma excitação no setor.

Pela proximidade cultural e linguística, Portugal é uma ponte natural para a internacionalização de start-ups brasileiras. É uma porta de entrada para a União Europeia. O empresário cearense Juliano Dias, de 36 anos, diretor executivo da Begraf, plataforma para encomendas de serviços gráficos, se candidatou diretamente do Brasil para o “Vale Incubação”. No programa, a bolsa é de até € 7,5 mil. O projeto deve ser apresentado para pelos menos duas incubadoras credenciadas, que podem emitir declaração de interesse se a empresa for elegível.

— Cheguei em Lisboa em 2017 para ficar sete dias e fiquei sete meses sem voltar ao Brasil, beneficiado pelo visto de empreendedor. Apresentei um projeto de € 15 mil e eles cobriram 40% do valor através da Lispolis, uma incubadora público-privada. É um negócio de mãe — conta Dias.

Com unidade em Fortaleza e matriz em Lisboa, a Begraf virou empresa global, com 15 funcionários e previsões de faturamento para 2019 de R$ 6 milhões no Brasil e € 450 mil em Portugal.

‘Falta mercado’

Além dos incentivos, Portugal oferece aos empreendedores qualidade de vida, mão de obra qualificada e custos menores que o de outros grandes centros. Mas nem tudo são flores. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, o país possui um mercado consumidor restrito e o ecossistema ainda sofre com a limitada oferta de investimentos para expandir.

— Falta mercado. Ganhar o mercado europeu vai exigir do empreendedor muita disposição para viagens. Outro problema é a disponibilidade de capital. Embora haja boas opções para investimento nas fases iniciais, não há muitos fundos disponíveis para expansão. Os empreendedores acabam tendo que buscar fundos europeus em outros países — avalia Felipe Matos, fundador da aceleradora Startup Farm, que esteve à frente do programa Startup Brasil e hoje atua no empreendimento In Loco. — Por enquanto, o melhor posicionamento de Portugal é como porta de entrada da Europa. Ainda é um local de passagem.

Um dos quatro embaixadores mundiais da Startup Portugal, o empresário Rodrigo Tavares, diretor executivo da Granito Group, dedicada ao avanço da economia de impacto, explica que a retomada da economia portuguesa não se deve apenas à explosão do ecossistema de start-ups, mas ressalta que a crise econômica aguçou o empreendedorismo dos portugueses:

— Eu sou procurado por empreendedores e por gestores de fundos. Facilitamos reuniões em Portugal com os brasileiros que se destacam nesta área. A minha recomendação para os empreendedores brasileiros interessados é que escolham o programa de apoio mais talhado para o seu perfil (entre as dezenas que existem na Estratégia Nacional para o Empreendedorismo) e se candidatem.

(*Especial para O GLOBO)