Economia

Pessimismo com o avanço da economia global bate recorde, aponta relatório

Pela primeira vez, mais da metade dos executivos entrevistados pela PwC prevê desaceleração do crescimento. Na América Latina, populismo é a maior preocupação
Relatório da PwC foi apresentado nesta segunda-feira, véspera do início do Fórum Econômico Mundial Foto: DENIS BALIBOUSE / REUTERS
Relatório da PwC foi apresentado nesta segunda-feira, véspera do início do Fórum Econômico Mundial Foto: DENIS BALIBOUSE / REUTERS

RIO — Os próximos doze meses não serão bons para a economia, ao menos no que depender do prognóstico dos executivos. Os resultados da 23ª edição da Pesquisa Global com CEOs, realizada pela PwC com 1.581 diretores executivos de 83 países, mostram recorde no pessimismo. Pela primeira vez, mais da metade (53%) dos entrevistados prevê desaceleração do crescimento econômico global, em contraste com o otimismo de dois anos atrás, quando apenas 5% apostavam na queda dos índices.

No mesmo período, aqueles que apostam em uma aceleração do crescimento diminuíram de 57% para 22%. Nenhuma vez, desde 2012, esse viés de baixa esteve tão aguçado.

As ameaças à economia variam de acordo com a região, mas na média global, os executivos apontam o excesso de regulação, os conflitos comerciais e a incerteza do crescimento econômico como os principais entraves.

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Outra descoberta pode causar preocupação no governo Jair Bolsonaro: o Brasil caiu, de sexto no ano passado para nono agora, na lista dos países consideados mais importantes pelos CEOs para a ampliação das operações de suas próprias companhias. Austrália, Japão e França ultrapassaram o mercado brasileiro como prioridade dos executivos nos próximos 12 meses.

O Brasil já chegou a dividir o pódio com Estados Unidos e China, dupla que tradicionalmente é apontada como preferência das empresas, atingindo o terceiro lugar em 2013. Desde então, vê o espaço ser perdido para europeus e outros emergentes, como a Índia.

— O investidor internacional considera o Brasil, mas prefere a efervescência da Ásia — disse sócio-presidente da PwC Brasil, Fernando Alves, que também faz parte do conselho de estratégia global da firma de consultoria — Sempre seremos um destino importante [para os investidores] porque a escala do nosso mercado assim sugere, mas precisamos encarar com urgência o desafio da produtividade.

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Brasil cai em ranking de prioridade de investimento

No caso específico dos executivos brasileiros, 78% relatam estar confiantes no crescimento de receitas das suas próprias empresas em 2020 — eram 95% no início de 2019.

— No ano passado, havia expectativa com a Previdência e as privatizações, com o novo governo como um todo. O número ainda é alto. São oito em cada dez. Hoje o otimismo está mais centrado no timing das reformas, que estão acontecendo, mas não na velocidade que se supunha. O pessoal tem mais senso de realidade — diz Alves.

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Para viabilizar o aumento de receitas neste ano, 84% dos CEOs no Brasil afirmam que vão recorrer à expansão orgânica de suas empresas. Isso sugere que novos investimentos ou ampliação da capacidade produtiva não parece estar no radar — pelo menos não como a alternativa preferencial.

Cerca de 90% disseram que a principal estratégia será a melhoria da eficiência, 78% vão investir no lançamento de novos produtos ou serviços e 52% buscarão parcerias com outros empresários e start-ups.

— As empresas brasileiras precisam elevar sua produtividade para obter competitividade e sucesso em 2020 e nos próximos anos. A pesquisa serve como um indicativo do que elas deverão fazer para alcançar esse objetivo, considerando, por exemplo, investimentos em tecnologia e também na qualificação de seus colaboradores — comentou o sócio-presidente da PwC Brasil, Fernando Alves. — Esse é o desafio das empresas e também do Brasil.

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Na avaliação de Alves, não basta atacar questões como infraestrutura e reforma tributária depois da mudança de regras na Previdência. O que mais preocupa no Brasil, segundo ele, é o futuro da produtividade.

— Isso passa inexoravelmente por investimento em tecnologia — inteligência artificial, automação, 5G, blockchain, internet das coisas — e em qualificação dos trabalhadores — diz o executivo.

Mudanças climáticas entre as preocupações

Esses pontos estão assinalados, inclusive, como elementos-chave na análise das lideranças empresariais: a dificuldade de reter talentos, motivar os profissionais e até de encontrar mão de obra qualificada, como consequências da queda do desemprego nas economias centrais; e o possível surgimento de muros de contenção, regulações cada vez maiores no ciberespaço para temas como conteúdos, privacidade digital, comércio eletrônico.

Os dois outros pontos de atenção que emergiram na pesquisa da PwC foram as mudanças climáticas (começam a aparecer mais claramente os riscos e oportunidades associados à crise ambiental) e as incertezas no panorama econômica. Aumentou em 25%, na comparação com 2019, a quantidade de executivos que se declaram “extremamente preocupados” com o aquecimento global e os danos ao meio ambiente. Na economia, os conflitos comerciais tornaram-se o segundo maior fator de risco nos próximos 12 meses, na opinião dos CEOs. Só perdem para o excesso de regulação — sempre um campeão de queixas na sondagem.

Relatório do FMI reduz previsão de crescimento global

O relatório divulgado nesta segunda-feira, véspera da abertura do Fórum Econômico Mundial, destaca que o pessimismo contrasta com indicadores econômicos positivos, como a baixa recorde no desemprego nos países da OCDE, a alta confiança dos consumidores e o bom desempenho dos mercados financeiros. Mas mesmo com o cenário favorável, o crescimento está desacelerando. Também nesta segunda, o Fundo Monetário Internacional reduziu para 2,9% a previsão de crescimento global em 2019, o menor índice desde a crise de 2008.

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O Brasil foi um dos poucos países é ter um viés de alta no novo relatório do Fundo. Estimativas para o crescimento em 2020 foi revista para cima: de 2% para 2,2%;

Para os analistas da PwC, “o principal fator responsável pelas expectativas de declínio do crescimento do PIB mundial  está no que John Maynard Keynes descreveu como ‘espírito animal’ — os instintos humanos, as inclinações e emoções que influenciam a tomada de decisões financeiras em cenários de incertezas. E se houve um tema que se destacou nas respostas da pesquisa deste ano, e em manchetes de negócios, foi o sentimento elevado de incerteza”.

— Eu olho para o ritmo das mudanças; para a incerteza na geopolítica; para o deslocamento e rearranjo das cadeias globais de suprimento. Não há como alguém prever o que vai acontecer em 5 anos — afirmou Spencer Fung, diretor executivo do grupo Li & Fung, baseado em Hong Kong, em entrevista aos pesquisadores. — As incertezas que vemos hoje são sem precedentes nos últimos 40 anos. Como resultado, elas estão retirando crescimento da economia global.

O pessimismo afeta até mesmo as companhias dirigidas pelos executivos. Apenas 27% dos pesquisados disseram estar muito confiantes com o crescimento do faturamento neste ano, nível mais baixo desde 2009, ano seguinte da depressão, quando o percentual foi de 21%. Em 2018 e 2019, 42% e 35% dos executivos expressaram muita confiança.

Na América do Norte, o maior temor é de ataques cibernéticos, enquanto na Ásia-Pacífico o que mais assusta são as guerras comerciais. No Oriente Médio, a maior ameaça é a incerteza geopolítica; na Europa Ocidental, a regulação; e, na América Latina, o populismo.

— Em nível global, tensões entre grandes potências geraram incertezas. Existem questões geopolíticas também. Algumas pessoas podem dizer que estamos numa tendência de desaceleração, especialmente em termos de demanda, o que nos afeta diretamente — avaliou Felipe Bayón, diretor executivo da Ecopetrol, na Colômbia. — O que isso significa? Que devemos ser eficientes para crescermos.

* Enviado especial