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Economia

Por que o banco mais antigo do mundo, com mais de meio milênio de história, está com os dias contados?

Gigante italiano negocia compra do Monte dei Paschi di Siena, nascido no Renascimento e com um histórico de problemas financeiros e até uma morte misteriosa
O banco Monte dei Paschi di Siena, o banco mais antigo do mundo, teve no mês passado um desempenho pior do que qualquer outro em um teste de saúde financeira realizado por reguladores europeus Foto: Susan Wright / The New York Times
O banco Monte dei Paschi di Siena, o banco mais antigo do mundo, teve no mês passado um desempenho pior do que qualquer outro em um teste de saúde financeira realizado por reguladores europeus Foto: Susan Wright / The New York Times

SIENA, ITÁLIA — O Banca Monte dei Paschi di Siena, o banco mais antigo do mundo, adquiriu em julho outra distinção: o credor mais fraco da Europa. O banco teve um desempenho pior do que qualquer outro em um teste de saúde financeira realizado por reguladores europeus, o último capítulo sombrio de uma longa saga de negócios malfadados, travessuras financeiras, delitos criminais e até mesmo uma morte misteriosa.

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Com estímulo de Roma, o UniCredit, um dos maiores bancos da Itália, disse no mês passado que estava em negociações para comprar o Monte dei Paschi, com a condição de que o governo ficasse com todos os empréstimos inadimplentes.

O teste de estresse publicado no mês passado pelo Banco Central Europeu forçou o governo italiano a enfrentar uma verdade desagradável: a trajetória de cinco séculos e meio do Monte dei Paschi está chegando ao fim.

Além disso,  expuseram o quão vulnerável Monte dei Paschi permanece, apesar das múltiplas recapitalizações e planos de recuperação.

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No caso de uma recessão severa que dure até 2023, o capital do banco seria reduzido quase a zero, de acordo com o teste de estresse. O banco precisaria muito mais do que 2,5 bilhões de euros, ou US$ 2,9 bilhões, em capital novo, disse Daniele Franco, a ministra da Economia italiana, ao Parlamento neste mês.

Vista da cidade de Siena, na Toscana, sede do Banca Monte dei Paschi di Siena, o banco mais antigo do mundo Foto: Susan Wright/The New York Times
Vista da cidade de Siena, na Toscana, sede do Banca Monte dei Paschi di Siena, o banco mais antigo do mundo Foto: Susan Wright/The New York Times

Fundado em 1472, o Monte dei Paschi provavelmente continuará vivo como uma marca em agências bancárias na Itália central, e os clientes provavelmente não notarão muita diferença, pelo menos no início.

Mas o banco deixará de ser uma entidade autônoma e uma lembrança viva de que os comerciantes italianos basicamente inventaram os bancos modernos em pleno Renascimento.

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As operações do banco serão gerenciadas a partir da sede do UniCredit em Milão, em vez do escritório doméstico em forma de fortaleza do Monte dei Paschi no bairro antigo de Siena.

Com o ''fim'' do Monte del Paschi, o título de banco mais antigo provavelmente passará para o Banco Berenberg, fundado em Hamburgo, na Alemanha, em 1590.

Os problemas do banco são uma distração indesejável para Mario Draghi, o primeiro-ministro italiano e ex-presidente do Banco Central Europeu, enquanto ele tenta promover reformas e acabar com o status da Itália como perpétuo retardatário econômico da zona do euro.

O jornalista Maurizio Bianchini, ex-chefe de comunicações do Banca Monte dei Paschi di Siena, na Praça Central da Cidade, onde acontece o Palio, tradicional corrida de cavalos que acontece duas vezes no verão europeu Foto: Susan Wright/The New York Times
O jornalista Maurizio Bianchini, ex-chefe de comunicações do Banca Monte dei Paschi di Siena, na Praça Central da Cidade, onde acontece o Palio, tradicional corrida de cavalos que acontece duas vezes no verão europeu Foto: Susan Wright/The New York Times

A eliminação do Monte dei Paschi, que foi efetivamente nacionalizado após um resgate do governo, "liberaria recursos, tempo e capital político para questões mais importantes", disse Lorenzo Codogno, ex-economista-chefe do Tesouro italiano que agora é consultor independente:

— Há uma forte pressão política para encontrar uma solução o mais rápido possível.

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Um símbolo para a cidade de Siena

Mas para Siena e arredores, os problemas do Monte dei Paschi são um golpe psicológico e também econômico. Poucos bancos estão tão envolvidos com a riqueza e a identidade de suas comunidades como ele estava em seu apogeu.

A instituição continua sendo a maior empregadora privada de Siena. Além disso, a fundação que mantinha concedia parte de seus lucros a uma ampla variedade de atividades, incluindo jardins de infância, serviços de ambulância e até mesmo trajes que clãs rivais usavam nos desfiles que antecedem o Palio, a corrida de cavalos normalmente disputada duas vezes a cada verão europeu na praça central de Siena.

— Monte dei Paschi faz parte da carne e do sangue da cidade — disse Maurizio Bianchini, jornalista local, historiador do Palio e ex-chefe de comunicações do Monte dei Paschi. — Do ponto de vista humano, é como se o banco fosse uma filial de todas as famílias de Siena.

Cavaleiros fazem o ensaio chamado 'Provaccia' na Piazza del Campo, antes da histórica corrida de cavalos italiana ''Palio di Siena '' Foto: AFP
Cavaleiros fazem o ensaio chamado 'Provaccia' na Piazza del Campo, antes da histórica corrida de cavalos italiana ''Palio di Siena '' Foto: AFP

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Histórico de problemas

A sobrevivência de Monte dei Paschi está na corda bamba há anos. Seus problemas começaram em 2008, depois que ele pagou mais do que poderia pagar para adquirir um rival e se tornar o terceiro maior banco da Itália, depois do Intesa Sanpaolo e do UniCredit.

Em 2013, enquanto a polícia investigava alegações de que executivos de bancos esconderam dos órgãos reguladores e de acionistas perdas crescentes, David Rossi, chefe de comunicações de Monte dei Paschi, foi encontrado morto em um beco abaixo da janela de seu escritório em um aparente suicídio.

Membros da família de Rossi estavam convencidos de que ele foi morto por saber demais, mas a polícia nunca encontrou evidências conclusivas do crime.

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Em 2019, mais de uma dúzia de executivos do Monte dei Paschi, Deutsche Bank e Nomura foram condenados por usar ilegalmente derivativos complexos para encobrir os problemas do banco italiano. Eles apelaram à Justiça.

A maioria dos bancos com os problemas similares aos do Monte dei Paschi teria sido vendida há muito tempo, mas, para o povo de Siena, o acordo proposto com o UniCredit seria como leiloar parte de sua identidade.

A cidade também sofrerá problemas econômicos. A venda para o UniCredit deve provocar o corte de 5.000 postos de trabalho, um terço do total de empregos, de acordo com reportagens da imprensa italiana. O UniCredit se recusou a comentar sobre as demissões que podem ocorrer.

CORREÇÃO: Por um erro de edição, uma primeira versão desse texto foi publicada com o título errado, informando que o banco teria meio século de existência, e não meio milênio. O erro foi corrigido alguns minutos depois.