RIO — Há quatro dias, o navio porta-contêineres Ever Given encalhou e bloqueou a passagem do Canal do Suez, no Egito, interrompendo a circulação na rota marítima, uma das mais utilizadas no mundo e que liga o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho.
A embarcação tem 400 metros de comprimento — o equivalente a quatro campos de futebol — e 59 metros de largura, e saiu do porto chinês de Yantián com destino à cidade portuária de Roterdã, na Holanda.
Ever Given: Navio gigante encalhado que fechou Canal de Suez já causa 'engarrafamento' de mais de 200 navios
A fila de navios que aguarda para cruzar o canal é de mais de 200.
Sem previsão para o desbloqueio da passagem, nesta sexta-feira, as empresas de transporte marítimo começaram a redirecionar as rotas de carga . Uma das opções é uma rota mais longa, contornando o Sul da África, via Cabo da Boa Esperança.
Entenda o acidente e seus impactos
O que é o Canal de Suez?
A hidrovia artificial de 193 quilômetros corta o Egito para conectar o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho e, por extensão, os oceanos Atlântico e Índico. Isso o torna um ponto de trânsito fundamental para navios que transportam mercadorias entre a Ásia e a Europa e o leste dos Estados Unidos.
O canal começou a funcionar em 1869, 45 anos antes do Canal do Panamá, que é muito mais curto, ligando os oceanos Pacífico e Atlântico.
É o canal mais longo do mundo sem eclusas — obra de engenharia hidráulica que permite que embarcações subam ou desçam os rios ou mares em locais onde há desníveis. O tempo para atravessá-lo é de cerca de 13 horas a 15 horas, de acordo com a GlobalSecurity.org.
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Onde fica o Canal de Suez?
O Canal de Suez está localizado no Egito, e conecta o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho, evitando que navios tenham que contornar toda a África, passando pelo Cabo da Boa Esperança, que fica no sul do continente. Na ponta norte do canal está Porto Said, onde existem duas saídas para o mar; no lado sul está a cidade portuária de Suez, que fica na região nordeste do Egito e na costa norte do Golfo de Suez, onde há uma saída para o mar.
Por que ele é tão importante?
Cerca de 12% do comércio mundial passam pelo canal a cada ano, de petróleo e grãos, de automóveis a café instatâneo.
Quem construiu o Canal de Suez e a quem ele pertence?
O canal, originalmente de propriedade de investidores franceses, foi concebido quando o Egito estava sob o controle do Império Otomano em meados do século XIX. A construção começou no fim de Port Said no início de 1859, a escavação levou dez anos e o projeto exigiu cerca de 1,5 milhão de trabalhadores.
O Reino Unido, que controlava o canal nas duas primeiras guerras mundiais, retirou suas forças em 1956, após anos de negociações com o Egito. O canal foi então nacionalizado pelo governo egípcio, na época liderado pelo presidente Gamal Abdel Nasser.
Hoje, ele é administrado pela Autoridade do Canal de Suez, controlado pelo Estado egípcio e teve receita de US$ 5,6 bilhões em 2020.
O que foi a 'Crise de Suez'?
A crise começou em 1956, após a nacionalização do canal. O governo egípcio tomou medidas que foram consideradas ameaças à segurança por Israel e seus aliados ocidentais, levando a uma intervenção militar por forças israelenses, britânicas e francesas.
A crise fechou brevemente o canal e aumentou o risco de envolver a União Soviética e os Estados Unidos. O conflito terminou no início de 1957, com um acordo supervisionado pela ONU.
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Como o navio encalhou no Canal de Suez?
O navio de 400 metros de comprimento e 220 mil toneladas desviou-se do curso em meio a uma tempestade de areia e a fortes rajadas de vento que atingiram o Egito e partes do Oriente Médio, e acabou encalhando, bloqueando toda a navegação entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho nas duas direções.
O operador do navio é a Evergreen Marine Corp, com sede em Taiwan.
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Qual o prazo para que ele seja removido?
A previsão é que o trabalho para remoção do cargueiro dure pelo menos uma semana, até o dia 31, um prazo mais longo do que o previsto inicialmente.
Até a manhã desta sexta-feira, o navio permanecia encalhado na mesma posição, com rebocadores e dragas ainda trabalhando para desencalhá-lo, segundo a Leth Agencies, prestadora de serviços do Canal.
Segundo a autoridade do canal, será necessário remover entre 15 mil e 20 mil metros cúbicos de areia para atingir uma profundidade de 12 metros a 16 metros. Essa profundidade provavelmente permitirá que o navio flutue livremente novamente, disse uma fonte à Bloomberg.
Qual a consequência para o comércio mundial?
Todo o tráfego está atrasado com o Ever Given encalhado no sul do canal, complicando ainda mais as cadeias de abastecimento globais que já foram fortemente impactadas pelo boom do comércio eletrônico associado à pandemia.
O primeiro problema pode ser encontrado no congestionamento dos portos, diz Lars Jensen, analista da consultoria Sea Intelligence. São 55 mil TEUs (contêineres) por dia de carga da Ásia para a Europa que estão parados.
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Segundo ele, a demora em desobstruir o canal provocará um pico de carregamento nos principais portos da Europa.
"Basicamente tudo o que se vê nas lojas" pode ser "afetado", disse o consultor à rede NBC.
A crise no Canal de Suez pode em breve atingir, além do café instantâneo, a oferta de produtos do dia a dia, como papel higiênico. Além disso, já é motivo de dores de cabeça para empresas multinacionais, como a sueca Ikea e a Cartepillar, que buscam novas estratégias para garantir a entrega de suas mercadorias.
O incidente pode agravar a crise econômica global?
Na opinião de Salvatore R. Mercogliano, especialista em assuntos marítimos e professor de história da Universidade Campbell, da Carolina do Norte (EUA), o bloqueio pode ter "enormes ramificações para o comércio mundial".
- A cada dia de canal fechado, os navios porta-contêineres e petroleiros não entregam alimentos, combustíveis e produtos manufaturados para a Europa e nenhuma mercadoria é exportada da Europa para o Extremo Oriente - analisa em conversa com a BBC.
Qual o prejuízo estimado para as empresas que não conseguem atravessar o canal?
Estimativas dão conta de que o engarrafamento de navios na região já cause prejuízos da ordem de US$ 9,6 bilhões (mais de R$ 53 bilhões) em mercadorias por dia. De acordo com cálculos da Lloyd's List, sugerindo que o tráfego no sentido Ocicdente equivale a cerca de US$ 5,1 bilhões por dia, e o tráfego no sentido Oriente movimenta US$ 4,5 bilhões por dia.
O que as companhias marítimas estão fazendo para não suspender a entrega de suas encomendas?
As empresas de transporte marítimo globais começaram a redirecionar as rotas de carga, sendo uma das opções o Cabo da Boa Esperança, na África. Sete navios-tanque transportando gás natural liquefeito (GNL) foram desviados na sexta-feira, depois que o bloqueio causou a suspensão do tráfego no canal.
Três dos petroleiros estavam sendo desviados para a rota mais longa, via Cabo da Boa Esperança, segundo relatou para o site Bloomberg.com a empresa de inteligência de dados Kpler.
Por que o preço do petróleo está oscilando?
O Canal de Suez é um importante meio de transporte de petróleo e gás natural liquefeito entre Oriente Médio e Europa. O incidente está afetando os mercados mundiais de petróleo devido a atrasos nas entregas.
Segundo estimativa do Lloyd's List Intelligence, 5.163 petroleiros passaram pelo canal no ano passado, movimentando quase dois milhões de barris de petróleo por dia.
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Os fluxos totais de petróleo através do Canal de Suez e do oleoduto SUMED (construído no próprio Golfo de Suez) representaram cerca de 9% do petróleo mundial total comercializado por mar e 8% do gás natural liquefeito.
Devido à sua importância e às incertezas geradas, os preços mundiais do petróleo subiram mais de 6% na quarta-feira após a suspensão do tráfego no canal, embora tenham caído ligeiramente novamente na quinta-feira.
Às 10h19 desta sexta-feira, o barril Brent subia caía 3,89%, para US$ 64,36. Já o petróleo West Texas Intermediate (WTI), referência nos EUA, subia 4,01%, para US$ 60,91 o barril.