Economia Petrobras

Sob pressão, Petrobras vai destinar R$ 300 milhões para subsidiar gás de cozinha para famílias de baixa renda

Programa de 15 meses, que alcança período eleitoral, foi aprovado pelo Conselho de Administração da companhia
Sede da Petrobras no Rio Foto: MAURO PIMENTEL / AFP
Sede da Petrobras no Rio Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

RIO — A Petrobras informou na noite desta quarta-feira que irá destinar R$ 300 milhões para a criação de um programa social de apoio a famílias em situação de vulnerabilidade social, para garantir que tenham acesso a insumos essenciais, com foco no gás liquefeito de petróleo (GLP), o gás de cozinha.

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A decisão foi anunciada dias depois de o presidente da estatal, Joaquim Silva e Luna, ter afirmado que não haveria qualquer mudança na política de preços da estatal e que não caberia à empresa ações para subsidiar o preço do botijão de gás, um dos itens que mais pressionam os gastos das famílias de baixa renda.

Ele reagiu na segunda-feira a um discurso do presidente Jair Bolsonaro, que atribuiu a alta do preço dos combustíveis e seu impacto na inflação à política de preços praticada pela Petrobras, atrelada ao câmbio e ao preço internacional do petróleo.

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Nos últimos dias, essa política foi criticada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) , e do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Programa vai até o fim do ano eleitoral

O programa terá duração de 15 meses, informou a Petrobras, o que incluirá o período da campanha para as eleições de outubro de 2022, quando Bolsonaro pretende concorrer à reeleição. Foi apresentado como uma ação de responsabilidade social.

De acordo com a companhia, o programa, que foi aprovado pelo Conselho de Administração, é similar a ações sociais de praticadas por outros agentes de mercado e se justifica pelos efeitos da pandemia de Covid-19.

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“Somos uma empresa socialmente responsável e comprometida com a melhoria das condições de vida das famílias, particularmente das mais vulneráveis. A pandemia e todas as suas consequências trouxeram mais dificuldades para as pessoas em situação de pobreza. Tal fato alerta a Petrobras para que reforce seu papel social, contribuindo ainda mais com a sociedade”, destacou o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, em comunicado.

O modelo do programa está em fase final de estudos, segundo a Petrobras, incluindo a definição do critério de escolha das famílias em situação de vulnerabilidade e da busca de parceiros que possam somar esforços e ampliar o valor a ser investido, com a possibilidade da criação de um fundo que permita que outras empresas venham a aderir ao projeto.

Ação foge do papel da empresa, dizem especialistas

Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires afirma que é preciso esperar por mais detalhes sobre o programa para avaliar quais seriam os impactos para a empresa.

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De um modo geral, ele considera positivo que, em meio às discussões sobre ESG (práticas de governança ambiental, social e corporativa), a Petrobras esteja engajada em causas sociais.

No entanto, ele acredita que isso deveria ser feito através de ações como a doação de cestas básicas, por exemplo, e não de ajuda de custo:

— É compreensível que a Petrobras queira ajudar, considerando que o gás de cozinha está mesmo muito caro e a alternativa das pessoas acaba sendo a lenha, que polui muito mais do que o gás. Mas R$ 300 milhões em 15 meses teria um efeito muito pequeno do ponto de vista de redução do preço do produto.

Fábio Alperowitch, cofundador e atual diretor da gestora FAMA Investimentos, especializada em fundos ESG, não vê iniciativa da estatal como positiva.

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Para ele, o papel social das empresas deve ser trabalhado através de políticas permanentes.

— O governo, como controlador da companhia, novamente passa por cima dos bons princípios da governança corporativa para atingir seus próprios objetivos.

Para o economista Mauro Rochlin, da FGV, o subsídio do gás de cozinha "não é tarefa para uma empresa estatal", mas sim para o governo, que como principal acionista da companhia poderia usar o valor que recebe de dividendos para repassar aos consumidores através de medidas como essa.

— É uma política de estado. Deveria ser levada de forma transparente pelo governo. A interferência no preço dos combustíveis foi feita no passado e não deu muito certo. O governo Dilma usou a política de preços da Petrobras para controlar a inflação e nós vimos o que aconteceu — alerta.

Com duração de 15 meses, o programa ainda estaria vigente na data das eleições presidenciais de 2022. Por isso, o receio é que a medida tenha um viés político que acabe prejudicando a estatal e a economia.

— Qualquer política que atenda de maneira imediata às pessoas de menor renda acaba gerando uma visão simpática em relação ao governo — resume Rochlin.