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Economia

Primeira grande refinaria do país, Rlam faz 70 anos prestes a passar para a iniciativa privada

Maior produtora de óleo combustível para navios foi instalada em área de uma antiga fazenda de banana
Vista da Refinaria Landulpho Alves, a RLAM: sete décadas de história. Foto: André Valentim / Agência O Globo
Vista da Refinaria Landulpho Alves, a RLAM: sete décadas de história. Foto: André Valentim / Agência O Globo

RIO - De uma fazenda de bananas a uma das principais exportadoras de óleo combustível marítimo. Essa é a história da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, a primeira grande produtora de combustíveis criada no Brasil, que completa 70 anos nesta quinta-feira à venda.

Agora, está perto de ganhar outro marco histórico no currículo: se tornar primeira unidade de refino da Petrobras a passar para o controle da iniciativa privada. A refinaria é importante para as vendas da estatal hoje porque é responsável por cerca de 30% da produção total de óleo combustível no país, incluindo o chamado bunker , cujo preço está em alta no mercado internacional.

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A Petrobras está em fase final de negociações com o Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi, para fechar um negócio que poderá render cerca de US$ 4,5 bilhões aos cofres da companhia, de acordo com fontes envolvidas nas conversas.

Mas o fundo árabe não está sozinho na aquisição da segunda maior refinaria do país, que só perde em capacidade para a de Paulínia (SP). Tem como principal parceiro a empresa espanhola Cepsa, que deve cuidar da parte operacional da refinaria, se o negócio for de fato fechado.

Analistas acreditam que o negócio bilionário pode ser assinado entre o fim deste ano (prevêem os mais otimistas), e o primeiro trimestre de 2021 (preferem os mais realistas).

Esse processo depende de um capítulo especial que deve ter um desfecho nesta sexta-feira, quando está marcado no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do pedido feito pelo Congresso Nacional para impedir a venda de refinarias pela Petrobras sem autorização do Legislativo.

A ação cita, além da Rlam, a Repar, do Paraná. Ao todo, a estatal pretende vender oito refinarias, o que corresponde a metade de sua capacidade de refino, como parte de seu programa de desinvestimentos para reduzir seu alto endividamento.

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O STF já decidiu anteriormente que as estatais podem vender subsidiárias sem passar pelo aval do Congresso, que só seria chamado a avaliar a privatização de “estatais-mães”, como a própria Petrobras, os Correios, o Banco do Brasil ou a Eletrobras.

Papel estratégico

A Rlam tem capacidade para processar 323 mil barris de petróleo por dia, sendo a principal fornecedora de combustível para navios, inclusive para a exportação. Sua localização é considerada estratégica, próxima ao terminal marítimo Madre de Deus e bem perto do Polo Petroquímico de Camaçari, no Recôncavo Baiano, o que valoriza o empreendimento, segundo especialistas.

— A Rlam tem um papel estratégico, pois abastece um dos mercados mais importantes do país, que é a Bahia, e ainda é um importante ponto de distribuição no Nordeste. Como fica perto do mar, consegue atender, via cabotagem, outros locais. E uma refinaria só tem valor se tiver uma logística otimizada — disse Magda Chambriard, ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV).

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Outro especialista, que prefere não se identificar, ressalta que a unidade tem passado por reformas nos últimos anos. Além de bunker, a Rlam produz insumos para a produção de óleos lubrificantes, que vão para outras refinarias, além de cerca para velas. Segundo a fonte, quando falta cera “é uma gritaria” entre os produtores de vela da Bahia, um estado conhecido pela forte religiosidade.

Mais competição

Segundo fontes do setor, a abertura do setor de refino trará mais competição. Por isso, os investidores interessados no negócio estão levantando todos os cenários possíveis. Mesmo depois de definido quem vai ficar com a refinaria, uma operação como essa pode levar dois anos para ser concretizada.

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A Rlam tem hoje papel importante nas exportações de bunker da Petrobras. Segundo dados da ANP, a produção total desse tipo de combustível na estatal, de janeiro a junho deste ano, foi de 25,8 milhões de barris equivalentes, dos quais 5,5 milhões foram produzidos na refinaria baiana, ou seja, 21,4% do total.

A refinaria atualmente: instalada em área de antiga fazenda de banana. Foto: Humberto Guanais / SINDIPETRO BAHIA
A refinaria atualmente: instalada em área de antiga fazenda de banana. Foto: Humberto Guanais / SINDIPETRO BAHIA

De acordo com Rodrigo Leão, coordenador-geral do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a Rlam é responsável por algo entre 25% e 30% da produção total de óleo bunker da Petrobras.

A Petrobras tem elevado as vendas ao exterior desse tipo de combustível produzido na Rlam e em algumas outras refinarias por ter um produto com baixo teor de enxofre.

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Esse tipo de óleo marítimo vem sendo bastante procurado no mercado internacional desde entrada em vigor, em janeiro, da norma da Organização Marítima Internacional (IMO, sigla em inglês) que reduziu de 3,5% para 0,5% o limite de enxofre nesse combustível.

O economista do Ineep avalia que, ao vender a Rlam, a Petrobras vai abrir mão de parte desse mercado de exportação de óleo marítimo. Isso porque cada refinaria produz um mix de vários derivados, e para elevar a produção de algum deles, são necessários investimentos e a redução da produção de outros tipos de combustíveis por conta da capacidade da refinaria.

O Ineep é ligado à Federação Única dos Petroleiros (FUP), entidade sindical que tem se posicionado contra a venda de ativos da Petrobras, como as refinarias.

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— Com a venda da Rlam, a Petrobras está abrindo mão de um mercado que justamente está aquecido hoje. A avaliação que temos é que, por conta da mudança de legislação mundial que exige um óleo bunker com menor teor de enxofre, é que se terá um mercado importante para importação de óleo bunker com baixo teor de enxofre durante algum tempo – destaca Rodrigo Leão.

Dilema para Petrobras

Segundo dados do site Bunkerindex, enquanto o preço do barril de petróleo de janeiro a junho sofreu queda de 37,89%, o preço do óleo combustível do tipo bunker , que vem sendo exportado pela Petrobras, registrou alta de 22,67%, destaca Rodrigo Leão.

Para ele, a Petrobras pode perder um importante mercado externo no momento em que precisa aumentar suas receitas:

— As empresas buscam sempre é ganhar mercado, e as petrolíferas fazem isso em todos os segmentos. Então, abrir mão de um mercado que está com um produto com valor mais em alto é um problema.

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Felipe Perez, diretor de Downstream (refino) da consultoria internacional IHS Markit, discorda. Para ele, a redução na produção de óleo marítimo pela Petrobras é uma perda irrelevante porque bunker tem margens bem pequenas:

— De fato as exportações de bunker ajudaram relativamente (a Petrobras). Sem as exportações, possivelmente teria que reduzir carga em algumas refinarias. No curto prazo, a Petrobras tem uma pequena perda, mas, no longo prazo estará melhor posicionada com refinarias que têm alta conversão e produzem muito pouco óleo combustível.

A refinaria é a maior produtora de óleo combustível para navios. Foto: André Valentim / Agência O Globo
A refinaria é a maior produtora de óleo combustível para navios. Foto: André Valentim / Agência O Globo

A Petrobras informou que quase todas as refinarias da companhia podem produzir bunker e que a estatal tem condições de elevar a produção nas outras unidades sem necessidade de investimentos adicionais.

“Basta alterar o mix de produtos que estão sendo produzidos em determinado período. As variações de produção das refinarias ocorrem de acordo com as indicações do plano de abastecimento da Petrobras, considerando a demanda no Brasil de derivados e indicações econômicas, para garantia do melhor resultado para a Petrobras”, informou a companhia em nota.

Segundo a Petrobras, a Rlam foi responsável por cerca de 30% da produção total de bunker e óleo combustível no período de janeiro a julho deste ano.

Conheça algumas curiosidades sobre a Rlam

  • Com o nome de Refinaria Nacional do Petróleo, a unidade começou a operar em 17 de setembro de 1950, em meio à campanha “O petróleo é nosso”.
  • A localização escolhida foi o município de São Francisco do Conde, no Recôncavo Baiano, por causa da proximidade de Candeias, cidade baiana onde começou a exploração de petróleo no Brasil.
  • Antes da criação da Rlam, há 70 anos, existia no local onde ela está localizada uma fazenda, próxima ao Rio Mataripe, um braço de mar da Baía de Todos os Santos. A propriedade se chamava Porto Barreto, por pertencer a um fazendeiro chamado Horácio Sá Barreto Lemos, e produzia bananas.
  • A chegada, de trem, dos grandes equipamentos, como enormes tanques metálicos, torres e tubulações, para a refinaria causou grande agitação na região na época, com a atração de trabalhadores de todo o país e até do exterior. Há registros de profissionais dos EUA, Inglaterra, França, Alemanha, Polônia e Itália contribuindo para a construção da primeira grande produtora de combustíveis do país.
  • A refinaria iniciou com produção de 2.500 barris por dia. Manteve, durante quase três décadas, a Bahia como o único estado produtor de petróleo no Brasil, chegando a produzir 25% da demanda do país.
  • Em 1953, com a criação da Petrobras, a refinaria foi incorporada à estatal, sendo rebatizada em 1957 de Landulpho Alves, em homenagem ao engenheiro agrônomo e político baiano que lutou pela causa do petróleo no Brasil.
  • Sua operação permitiu o desenvolvimento do primeiro complexo petroquímico do país, o Polo Petroquímico de Camaçari.
  • A refinaria contribuiu de forma decisiva para a geração de empregos e renda na Bahia, principalmente em São Francisco do Conde. Em 2018, foi responsável por 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) baiano e por 20% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do estado.