Economia

Primeiro calote da Rússia em um século parece quase inevitável após novas sanções

EUA e UE endurecem retaliações e dificultam pagamento a credores internacionais
Russos de aproximam de primeiro calote internacional. Foto: AFP
Russos de aproximam de primeiro calote internacional. Foto: AFP

MOSCOU — O primeiro calote externo da Rússia em um século parece quase inevitável depois de mais uma semana brutal para as finanças do país. Primeiro, o Tesouro americano suspendeu os pagamentos da dívida em dólares das contas da Rússia em bancos americanos, aumentando suas restrições ao país. Então, quando uma tentativa de pagamento em moeda forte foi bloqueada, o país violou os termos de dois títulos ao pagar aos investidores rublos em vez de dólares.

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Isso acelerou o relógio de contagem regressiva. Está acontecendo desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro, e os Estados Unidos e outros países ocidentais a retaliaram com uma repressão a bancos, empresas e oligarcas.

Um congelamento das reservas estrangeiras do Banco Central desconectou a Rússia do sistema financeiro global, tornando-a a nação mais sancionada do mundo em questão de dias.

Com o governo de Vladimir Putin prejudicado por bloqueios de ativos e rotulado de pária pelos países ocidentais – política, econômica e financeiramente – a especulação aumentou de que a Rússia só seria capaz de evitar um calote por algum tempo.

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O seguro da dívida agora sugere quase 90% de chance de que um calote aconteça este ano, de acordo com os últimos números da ICE Data Services.

A última inadimplência da Rússia foi em 1998, mas devido à dívida interna. A última sobre a dívida externa foi no rescaldo da revolução de 1917. A S&P disse no sábado que declarou a Rússia em default sletivo depois de usar rublos para fazer o pagamento de um título denominado em dólar em 4 de abril.

Ainda há incerteza sobre o que vem a seguir e outras reviravoltas não podem ser descartadas.

Os títulos em dólar que foram pagos em rublos esta semana têm períodos de carência de 30 dias, dando ao ministro das Finanças, Anton Siluanov, tempo para encontrar uma solução alternativa ou defender seu argumento de que isso não é um padrão porque um pagamento foi feito tecnicamente.

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Nesta semana, ele disse que os rublos transferidos em vez de dólares podem ser convertidos para os credores assim que o congelamento das reservas for aliviado.

— Os países ocidentais estão tentando de todas as maneiras possíveis fazer com que a Rússia declare default — disse Siluanov ao serviço de notícias estatal Tass esta semana.

Ele também afirmou que a Rússia usará “outros mecanismos” para fazer pagamentos.

Enquanto isso, o mundo financeiro aguarda um julgamento oficial sobre a ocorrência de um evento de inadimplência.

De onde virá a decisão?

Mas de onde vem essa decisão não está claro. Após uma série de cortes que empurrou a Rússia para o lixo, as empresas de classificação estão abandonando a cobertura por causa da proibição da União Europeia (UE) de fornecer classificações ao país.

A Moody's e a Fitch já se retiraram, e a S&P Global disse, em comunicado no sábado, que respeitará a proibição da UE de 15 de abril e todas as suas classificações sobre a Rússia foram posteriormente retiradas.

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Há também o Comitê de Derivativos de Crédito de empresas compradoras e vendedoras que votam se um evento de crédito ocorreu e se os swaps de inadimplência foram acionados. O comitê já está analisando uma questão sobre a possível inadimplência da estatal ferroviária russa, que não pagou pontualmente os juros dos títulos em março.

— Se a Rússia não conseguir organizar uma rota de pagamento aos detentores de títulos dentro do período de carência e nenhum dólar chegar às contas, então é um default (calote) — disse  o diretor de investimentos da Capitulum Asset, Lutz Roehmeyer.

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Desde a invasão de 24 de fevereiro e as amplas sanções que se seguiram, os devedores russos têm lutado para pagar os credores a tempo.

Inicialmente, a interrupção foi sentida mais no setor corporativo, e várias empresas não conseguiram fazer pagamentos de títulos no prazo. Esta semana, o Sovcombank PJSC se tornou o primeiro banco a dizer que deixará de pagar um pagamento de títulos em moeda estrangeira.

Impacto econômico

O drama do mercado de títulos está se desenrolando em um cenário econômico distorcido. Por um lado, a economia está entrando em profunda recessão . Por outro lado, os controles de capital sustentaram uma recuperação extraordinária do rublo que permitiu que o banco central reduzisse as taxas em 3 ponto percentual esta semana em um movimento surpreendente.

Mesmo enquanto as nações ocidentais correm para reduzir sua dependência das commodities russas, o país ainda está arrecadando bilhões de dólares com as exportações de petróleo e gás.

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Diante desses fluxos, o governo diz que tem recursos para pagar os credores. Atribuiu os problemas de pagamento ao congelamento de ativos do BC e ao turbilhão de incertezas que o acompanhou.

De acordo com Tim Ash, estrategista de mercados emergentes da Bluebay Asset Management, não haverá solução rápida para a Rússia porque as sanções devem permanecer e ninguém vai querer fazer negócios lá.

— A Rússia ficará inadimplente por talvez uma década. Isso significa que não há acesso aos mercados de capitais internacionais, custos muito altos de empréstimos até mesmo dos chineses, nenhum investimento, nenhum crescimento, baixos padrões de vida. É uma perspectiva terrível para a Rússia e para os russos.