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Economia Investimentos

Quero ser 'tech': empresas brasileiras fazem fila para ingressar na Nasdaq

Negócios dos mais variados segmentos, como educação e gestão de recursos, buscam ser listadas na Bolsa americana como companhias de tecnologia, o que lhes garante acesso a um universo de investidores muito maior que o brasileiro
Vista exterior da bolsa de Nasdaq no bairro de Manhattan, em Nova York. Empresas brasileiras miram ofertar ações no exterior. Foto: Shannon Stapleton / REUTERS
Vista exterior da bolsa de Nasdaq no bairro de Manhattan, em Nova York. Empresas brasileiras miram ofertar ações no exterior. Foto: Shannon Stapleton / REUTERS

SÃO PAULO — É crescente nos últimos anos o número de empresas brasileiras que abrem seu capital na Bolsa de Valores — foram 28 só no ano passado e 24 este ano —, mas uma parcela dessas companhias está indo além da B3, em São Paulo.

Muitas companhias brasileiras estão ofertando ações na Bolsa americana Nasdaq, a segunda maior do mundo em volume e onde estão ações de gigantes da tecnologia como Apple, Amazon e Google.

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Negócios de segmentos tão variados como educação e gestão de recursos financeiros têm, em comum, a busca por listagem como empresas de tecnologia, o que lhes garante acesso a um universo de investidores muito maior que o brasileiro. Em nome dessa oportunidade, todos querem ser tech nos EUA.

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A Nasdaq movimenta, por dia, US$ 262 bilhões em ações de quase 3 mil companhias. Na Bolsa de São Paulo, a B3, o movimento diário é de cerca de R$ 31 bilhões (ou US$ 6 bilhões), e estão listadas em torno de 400 empresas.

A tendência entre as brasileiras começou em 2017 e vem ganhando força. Pelo menos onze empresas daqui foram para a Nasdaq desde então, entre elas a XP Inc., as fintechs Stone e PagSeguro e a Afya Educacional. Juntas, elas levantaram US$ 8,46 bilhões na Bolsa americana.

— A quantidade de investidores nos EUA é a maior do mundo, e eles já têm a visão de longo prazo. É esse universo que as companhias brasileiras que abrem seu capital nos EUA buscam acessar — diz Guilherme Zanin, estrategista da Avenue Securities, corretora de valores com sede em Miami.

A última empresa a indicar que vai buscar o mesmo caminho foi a Lojas Americanas. Há duas semanas, ao anunciar a incorporação da rede pela até então controlada B2W , dona dos sites de vendas Submarino e Shoptime, o grupo apresentou o plano de criar uma empresa controladora que será listada na Nasdaq ou na Bolsa de Nova York (Nyse).

Também estão nessa fila duas empresas de educação, Eleva e Maple Bear, e o PicPay, de meios de pagamento . Essas ofertas inicias de ações (IPO, na sigla em inglês) devem acontecer entre 2021 e 2022.

Investidores dispostos a arriscar (e pagar) mais

Com investidores especializados em tecnologia e dispostos a tomar risco em suas carteiras de investimentos para ter um retorno melhor do que o dos juros dos títulos americanos (que estão entre zero e 0,25% ao ano), o mercado acionário dos EUA tende a avaliar melhor as empresas brasileiras que levam sua tese de negócio para lá, explica Max Bohm, analista da Empiricus Research.

— Os IPOs feitos nos EUA ampliam a possibilidade de a empresa aumentar seu valor de mercado — diz Bohm.

Em média, as companhias tendem a ser avaliadas na Nasdaq por um valor entre 20 e 30 vezes seu Ebitda (que é o lucro antes de impostos, amortizações e depreciações), calculam os especialistas. Isso porque a aposta dos investidores especializados em empresas de tecnologia é no longo prazo.

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No Brasil, onde predominam as companhias ligadas a commodities e bancos no pregão, e muito poucas empresas de tecnologia, a avaliação costuma ser mais conservadora: fica em torno de dez vezes o Ebitda.

— Nossa captação inicial chegou a US$ 300 milhões, superando a meta inicial, que era de US$ 269 milhões. A precificação inicial atingiu U$ 19 dólares por ação, um dólar acima do valor máximo estimado — conta Luis Blanco, diretor financeiro da Afya Educacional, que abriu seu capital na Nasdaq em 2019.

Mãozinha na estratégia global

A Afya é uma companhia que atua no segmento médico, desde a formação até a oferta de ferramentas digitais para o profissional gerenciar o consultório, ajudar na realização de diagnósticos e na virtualização de imagens de anatomia e radiologia. Foi avaliada em US$ 1,6 bilhão no IPO e atualmente vale US$ 2,03 bilhões na Nasdaq. A ação é negociada atualmente a US$ 21,55.

— Abrir o capital na Nasdaq é um caminho que facilita o crescimento global para quem aposta nesta estratégia — diz Maurício Pedrosa, gestor independente de fundos, lembrando que haverá ainda mais liquidez na economia americana com a aprovação do pacote de estímulo à economia de US$ 3 trilhões do presidente Joe Biden.

Grupo Educacional SEB, do empresário Chaim Zaher, comprou o controle da rede de escolas Maple Bear, de origem canadense, que fatura US$ 270 milhões em 30 países. Foto: Divulgação
Grupo Educacional SEB, do empresário Chaim Zaher, comprou o controle da rede de escolas Maple Bear, de origem canadense, que fatura US$ 270 milhões em 30 países. Foto: Divulgação

Em 2020, o grupo Educacional SEB, do empresário Chaim Zaher, comprou o controle da rede de escolas Maple Bear, de origem canadense, que fatura US$ 270 milhões em 30 países. De olho em ampliar sua atuação global, ele estabeleceu como foco o mercado americano e se prepara para buscar sócios na Nasdaq.

— Vamos abrir o capital da Maple Bear na Nasdaq possivelmente no segundo semestre de 2022. Lá eles pagam múltiplos mais altos e em dólares, nossa marca já é internacional e levamos junto a Conexia, nossa plataforma de tecnologia, que permite ensino à distância — conta Zaher, lembrando que o mercado de educação privada nos EUA também é o maior do mundo, o que acaba atraindo empresas do setor para a Bolsa.

Qualquer deslize pode custar caro

Apesar do interesse dos investidores em novidades, o mercado americano é seletivo, e qualquer deslize durante a oferta pode acabar mal. A Netshoes, de artigos esportivos, levantou US$ 149 milhões em seu IPO na Nasdaq, em 2017.

A empresa foi alvo de uma ação coletiva que a acusava de fraude por inflar sua receita na oferta inicial. A varejista on-line pagou US$ 8 milhões aos autores da ação. Em 2019, foi vendida ao Magazine Luiza , que comprou 100% das ações e tirou a Netshoes da Nasdaq.

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A carteira digital PicPay, controlada pelo grupo J&F (dono da JBS), registrou em abril seu pedido de IPO nos EUA. A Eleva Educação, que tem Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do país, como sócio, confirma sua intenção de fazer seu IPO na Nasdaq em 2022.

Oportunidade para as start-ups

Mas há empresas menores se candidatando. A fornecedora brasileira de software de atendimento e comunicação de empresas Zenvia quer levantar US$ 213 milhões na Nasdaq e já fez seu pedido de IPO.

O empresário Janguiê Diniz, fundador do grupo Ser Educacional, quer abrir lá o capital da start-up educacional Edulabzz, comprada recentemente. A empresa cresceu cerca de 445% desde o início da pandemia.

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— A Nasdaq é uma Bolsa que aceita empresas menores, até start-ups. Mas isso não significa que o mercado não esteja atento: os investidores são rigorosos — afirma o consultor de investimentos Paulo Bittencourt.

A B3 informou que também tem espaço para empresas de tecnologia abrirem seu capital no Brasil. Nos últimos 6 meses, foram nove IPOs de empresas de tecnologia ou companhias de alto crescimento, em um sinal de interesse dos investidores por negócios inovadores também por aqui.

Investidor brasileiro pode comprar papéis na B3

Quem está no Brasil pode investir em empresas listadas na Nasdaq. Uma forma é comprar os papéis da empresa listada lá diretamente em uma corretora que negocia esses papéis.

No ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado, passou a permitir que empresas americanas e brasileiras listadas nos EUA possam oferecer BDRs (recibos equivalentes a ações de empresas listadas nos EUA) na B3.

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— Para o iniciante que quer aplicar no exterior, mas não tem muito acesso a informação das empresas, o melhor caminho pode ser um ETF (Exchange Traded Fund, fundo que tem como referência um índice da Bolsa ou uma cesta de ações) — diz o consultor de investimentos Paulo Bittencourt.

Maurício Pedrosa, gestor de investimentos independente, lembra que há o risco cambial ao investir em papéis listados lá fora. O investidor paga em reais por um BDR.

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Já para adquirir uma ação de companhia estrangeira é preciso abrir conta em uma corretora no país em que ela está listada e enviar os recursos, que serão convertidos em dólar.

Segundo a B3, o BDR é uma forma muito mais simples de o investidor brasileiro buscar diversificação de riscos, de ativos e até geográfica.