Rachel Maia
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RESUMO

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GERADO EM: 24/06/2024 - 04:00

Desafios de inclusão no mercado de trabalho para imigrantes no Brasil

Imigrantes no Brasil enfrentam desafios de inclusão no mercado de trabalho, destacando a luta contra o white privilege e as dificuldades de reconhecimento profissional. Profissionais qualificados como Anicet Okinga compartilham suas experiências e apontam a necessidade de promover a diversidade e equidade no ambiente corporativo.

O Brasil é sem dúvidas um país de todos os povos, e a diversidade de culturas é algo que nos enriquece. Somos múltiplos e a soma de descendentes de refugiados, imigrantes e pessoas escravizadas que representam a luta de um passado ainda presente que configura resiliência, perseverança e resistência.

Emigrar de seu país de origem não é tarefa fácil. Eu mesma já o fiz em busca de conhecimento e oportunidades, e ainda assim tive que enfrentar adversidades para alcançar meus objetivos. Ter o privilégio de fazer um intercâmbio, aprender outro idioma e trabalhar em multinacionais me trouxeram até aqui.

Em conversa com o amigo Gustavo Niskier, em minha última passagem pelo Rio de Janeiro, sobre imigração, e após ler seu artigo, compartilho aqui reflexões necessárias no processo de inclusão de imigrantes e de pessoas negras no mercado de trabalho.

Gustavo Niskier é descendente de imigrantes judeus poloneses (2ª geração) por parte de pai e judeus russos e ucranianos (3ª geração) por parte de mãe. Nascido e criado no Rio de Janeiro, é graduado em Direito, mestre em Engenharia Ambiental pela PUC-Rio, especialista em Direitos Humanos pela Washington College of Law e atua como Diretor de Assuntos Internacionais na Vale.

Em seu artigo intitulado: "Lutando contra o white privilege no ambiente de trabalho", ele faz uma passagem pela trajetória de sua família, que chegou ao Brasil sem formação e recursos e teve a oportunidade de ascensão social e de carreira e, compara com as pessoas negras que seguem lutando mas, sem os mesmos acessos.

Niskier tem consciência de seus privilégios e se junta a nós para impulsionar a prática de diversidade nas empresas promovendo equidade e incentivo do uso de ferramentas tecnológicas no processo de contratação de novos talentos, e de debates para impulsionar o acesso ao letramento racial.

“O White Privilege – o privilégio branco, não se trata de achar que sua vida não foi dura, que você não teve seus próprios desafios e que o que você conquistou não foi merecido ou resultado de esforço e entrega legítima, sincera e ética. Ao entender o privilégio branco, passamos a assumir uma obrigação moral de usarmos todos os meios possíveis e éticos para garantir que ninguém terá sua vida profissional prejudicada em razão da cor de sua pele. Buscar inclusão afirmativa, com processos de contratação inclusivos intencionais", diz ele.

Gustavo Niskier, descendente de imigrantes judeus poloneses, russos e ucranianos, e diretor de Assuntos Internacionais da Vale, reconhece diferenças na inclusão no mercado de tralho no país. — Foto: Divulgação
Gustavo Niskier, descendente de imigrantes judeus poloneses, russos e ucranianos, e diretor de Assuntos Internacionais da Vale, reconhece diferenças na inclusão no mercado de tralho no país. — Foto: Divulgação

"Olhando a história dos meus avós e de outros imigrantes judeus com história similar, me obrigo a questionar o porquê de famílias imigrantes brancas terem prosperado econômica e profissionalmente em duas gerações no Brasil, e por que famílias de descendentes de negros, ex-escravizados, têm tanta dificuldade para alcançar a mesma independência financeira com 6, 7, 10 gerações desde a abolição. "A conclusão perversa é apenas uma: racismo", ressalta Niskier.

No Brasil, os imigrantes somam aproximadamente 1,5 milhão da população, muitos já chegam formados e com experiências de trabalho. No entanto, se deparam com a necessidade de revalidação dos seus certificados e diplomas escolares. Essa barreira, somada com a dificuldade de falar uma nova língua, leva muitas vezes a um processo árduo e moroso para poder acessar o mercado de trabalho no Brasil.

Anicet Okinga é imigrante vindo do Gabão (país localizado na costa do Atlântico da África Central), naturalizado brasileiro e residente no Rio de Janeiro. Formou-se em Odontologia e Farmácia na Universidade Gama Filho. Okinga é doutor em Ciências — Fisiopatologia Clínica e Experimental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Estudante de Direito (7º período), na Universidade Cândido Mendes, é servidor público federal concursado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), onde ocupa o cargo de Pesquisador em Propriedade Industrial (Examinador de Patentes), na Divisão de Farmácia, e integra o grupo de Diversidade & Inclusão, sendo também ativista e colaborador da comissão de igualdade federal da OAB -RJ.

A pesquisa realizada pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), "A Inserção do Imigrante Qualificado no Mercado Formal de Trabalho Brasileiro 2010 a 2019", mostra que em 2019, no mercado formal, imigrantes altamente qualificados advindos da África correspondiam a 648, já os advindos da Europa eram 7.451. Okinga sentiu na pele essa diferença, e comenta como foi sua trajetória acadêmica e profissional, como imigrante no Brasil, em graduações e especializações contínuas. Como não foi reconhecido como cirurgião-dentista, teve que ingressar na academia, onde foi reconhecido como professor.

“Cheguei ao Brasil em 1996, como estudante do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) para cursar a faculdade de Odontologia. Recebia uma bolsa de estudo do meu país (Gabão), o que me ajudava nas despesas aqui no Brasil. Formado, minha primeira dificuldade foi poder trabalhar como cirurgião-dentista em clínicas odontológicas: não tinha RG (carteira de identidade nacional). O único documento que tinha era um registro de estrangeiro que renovava quase a cada seis meses (na verdade era só um protocolo de renovação), já que o meu visto era de estudante. Mas, ao término da minha faculdade, eu não tinha mais como comprovar o vínculo estudantil com a universidade", relata.

“Mediante essa dificuldade, eu enveredei pelo caminho acadêmico. A academia, apesar de suas escolhas seletivas quanto à raça, aceitou-me com mais facilidade do que o mercado de trabalho. Eu obtive mestrado e doutorado. Depois da obtenção do mestrado, consegui ser aceito como professor de Farmacologia na extinta Universidade Gama Filho. Obviamente foi uma indicação do meu orientador de mestrado. Então, podemos perceber que para um imigrante negro o caminho percorrido até o emprego não é o mesmo de um brasileiro", destaca ele.

“É de bom alvitre salientar um fato: sou negro africano e, na época, estrangeiro. E como tal, pude perceber em diversas ocasiões em que levava o meu currículo para conseguir um emprego certo descaso com minha demanda. Quando eu me formei também farmacêutico, ao buscar emprego em várias farmácias, não tinha nenhum retorno quanto a minha demanda. Obviamente, qualquer leitor pode dizer que isso é algo corriqueiro no RH das empresas. Porém, é preciso rememorar a história não muito longínqua, quando imigrantes europeus que vieram principalmente à Região Sul do país recebiam mais auxílio do Governo Federal que os próprios moradores do Brasil. Enquanto isso, o povo negro ex-escravizado foi marginalizado e, a ele, negado emprego. Ou seja, o mercado de trabalho não o aceitou como mão de obra pagável ou interessante para receber auxílio do governo também.”

É importante observamos que estamos falando de profissionais qualificados, mas que um, em detrimento ao outro, tem sua carreira pautada por desigualdades e preconceito. Para além dos dados atuais e do cenário que ainda é tão desigual, ressalto aqui profissionais que representam a pluralidade do Brasil, engajados em criar novas possibilidades e oportunidades.

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