Economia

Receita argumenta que pobres não compram livros para justificar proposta que volta a cobrar impostos de editoras

Fisco cita dados do IBGE para sustentar que famílias com renda de até 2 salários mínimos não consomem edições não didáticas e e defender fim de isenção na reforma tributária
Livraria no Centro do Rio: imposto sobre livros é tema do debate de reforma tributária Foto: Custódio Coimbra/19-9-2019 / Agência O Globo
Livraria no Centro do Rio: imposto sobre livros é tema do debate de reforma tributária Foto: Custódio Coimbra/19-9-2019 / Agência O Globo

BRASÍLIA — A Receita Federal apontou o baixo índice de leitura por famílias de baixa renda para justificar o fim da isenção sobre livros, prevista na proposta de reforma tributária do governo. Segundo o Fisco, a desoneração conquistada pelo setor em 2004 não trouxe como benefício a redução do preço e aumento do consumo.

As justificativas estão no documento “Perguntas e respostas” sobre a Contribuição de Bens e Serviços (CBS), tributo elaborado pela equipe econômica resultado da fusão entre PIS e Cofins, cuja alíquota será de 12%. O projeto está parado no Congresso.

Sem crise no topo: Número de bilionários bate recorde em nova lista da Forbes; Bezos mantém liderança e 20 brasileiros entram

A Receita cita dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019, que mostram que famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumido pelas famílias com renda superior a dez salários mínimos.

Receita Federal divulga regras para preencher declaração do Imposto de Renda Foto: Agência O Globo
Receita Federal divulga regras para preencher declaração do Imposto de Renda Foto: Agência O Globo

Os dados da pesquisa, divulgada pelo IBGE com base em dados do IBGE, domicílios com rendimento de até dois pisos nacionais gastavam, em média, R$ 0,81 por mês com livros, o equivalente a 0,1% do total de gastos da família. Entre os que ganham mais de dez salários, o valor absoluto sobe para R$ 14,95, mas representa 0,2% do total das despesas nessa faixa de renda.

Taxação: FMI e Europa apoiam adoção de um imposto global mínimo sobre lucros corporativos

Até 2014, a venda de livros e do papel destinado à sua impressão eram imunes à cobrança de impostos, mas o benefício fiscal não se estendia às contribuições para a seguridade social. Naquele ano a isenção legal foi concedida para o PIS/Pasep e a Cofins. O Fisco afirma ainda que não há indícios de que a medida é eficiente.

“Não existem avaliações sobre que indiquem que houve redução do preço dos livros após a concessão da isenção da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins. Não foi identificada nem correlação entre uma coisa e outra, tampouco relação de causalidade entre a redução das contribuições e eventual redução do preço dos livros”, diz um trecho do documento.

De acordo com a Receita, na elaboração da CBS, é verificado se há benefício para a sociedade, como redução dos preços e estímulo ao consumo. Mas também ganha importância qual a camada da população que estaria sendo contemplada.

“Na CBS, todos os benefícios fiscais e tratamentos diferenciados foram revistos com o objetivo de avaliar sua efetividade”, afirma o órgão.

LG: Empresa vai parar de fabricar celulares no mundo, e decisão afeta fábrica da marca em Taubaté

'Profecia autorrealizável', diz representante de editoras

O presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Marcos da Veiga Pereira, rebateu os argumentos apresentados pela Receita no documento.

Ele citou a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, que apontou uma queda no preço médio dos livros de 40% entre 2004 e 2019, como reflexo da isenção de PIS/Cofins.

Com relação ao argumento de que só os ricos compram livros, Pereira ressaltou que, segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, do IBGE) de 2017-2018, o consumo de livros não didáticos é dividido 50% entre as famílias com renda acima e abaixo de 10 salários mínimos:

- Mas a tese da Receita confirma a profecia autorrealizável, de que o livro no Brasil é para os ricos.

Sobre a previsão de que os recursos obtidos com a tributação dos livros serão usados em políticas focalizadas, o presidente do Snel foi taxativo:

– Não acredito nesta promessa. O Brasil nunca investiu efetivamente em cultura e educação, o resultado está refletido nas posições vergonhosas que ocupamos no IDH e no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa).

Guedes: pobres estão preocupados em 'sobreviver'

No ano passado, durante audiência sobre a reforma tributária , o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a avaliação de que a isenção aos livros era pouco eficiente e afirmou que fazia mais sentido doar obras aos mais pobres, mas não apresentou uma proposta para isso.

Na ocasião, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) criticou o aumento do PIS-Cofins (CBS) sobre livros. Guedes então respondeu:

— O deputado (que questionou) seguramente não quer ser isentado quando ele compra um livro. Ele tem salário suficientemente alto para comprar e pagar imposto, como todo mundo. Ele está preocupado, naturalmente, com as classes mais baixas. Essas, se nós aumentarmos o Bolsa Família, atenderemos também. Agora, eu acredito que eles, num primeiro momento, quando fizeram o auxílio emergencial, estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos.