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Economia

Reciclagem dá vez a embalagens retornáveis e cascos, galões e frascos voltam à cena

Pressão de consumidores leva gigantes como Coca-Cola, Ambev e Unilever a mudarem de estratégia
Em janeiro, multinacionais lançaram uma iniciativa global para venderem seus produtos em embalagens retornáveis Foto: Pixabay/Divulgação
Em janeiro, multinacionais lançaram uma iniciativa global para venderem seus produtos em embalagens retornáveis Foto: Pixabay/Divulgação

RIO — Não basta mais só reciclar. A cobrança de governos, consumidores e investidores por atitudes ambientalmente responsáveis está levando multinacionais a darem um passo atrás para preservar o futuro. Os antigos cascos de refrigerante, galões de leite e todo tipo de embalagem retornável estão, aos poucos, substituindo os plásticos nas prateleiras de supermercados e na dispensa dos consumidores.

Em janeiro, gigantes do consumo de massa, como Coca-Cola, Nestlé, PepsiCo, Unilever, Danone, Procter & Gamble, entre outras, num total de quase 30 empresas, lançaram uma iniciativa global para venderem seus produtos em embalagens retornáveis. Por meio de uma plataforma chamada “Loop”, elas começaram a oferecer em algumas cidades dos EUA um sistema de logística reversa, com caminhões para entrega de produtos e recolhimento das embalagens pós-uso.

Saiba mais: No Dia Mundial do Meio Ambiente, saiba quanto cada marca produz de plástico

O sistema, que permite também compras on-line, não tem previsão de chegar ao Brasil. Mas, por aqui, o consumidor já começa a ver nas gôndolas do varejo várias opções de produtos do dia-a-dia em embalagens retornáveis.

No Brasil, um quinto das vendas do refrigerante Coca-Cola já é feito em embalagens retornáveis, seja em garrafas de vidro ou em RefPet, um tipo de PET mais resistente e que pode ser utilizado até 25 vezes. Há cinco anos, essa fatia era de só 5%. A meta da empresa para o Brasil é que esse tipo de embalagem chegue a 30% em 2020.

No âmbito global, a Coca-Cola tem como meta coletar e reciclar o equivalente a cada garrafa ou lata que vende até 2030.

— A Coca-Cola começou há 130 anos com uma garrafa retornável. Na América Latina, países como Brasil, Chile, México e Argentina já trabalham bastante com esse tipo de embalagem. Historicamente, países emergentes nunca descontinuaram a operação de retornáveis, porque é uma embalagem financeiramente acessível, cerca de 30% mais barata que a de plástico pet descartável — explica Andréa Mota, diretora de Sustentabilidade da Coca-Cola Brasil.

Para incentivar o uso de retornáveis, algumas empresas facilitam a entrega da embalagem pelo consumidor. A linha de águas Bonafont, da Danone, por exemplo, utiliza há oito anos galões retornáveis de 10 litros e 20 litros. Através do aplicativo de celular Bonafont em Casa, o consumidor aciona a equipe de distribuição, que vai à casa do cliente recolher a embalagem vazia e entregar um galão novo cheio.

— Hoje, os retornáveis representam 50% das nossas vendas de água. Além disso, também investimos em reciclagem: coletamos 78% das embalagens que produzimos em 2018 para reciclá-las — explica Lígia Camargo, diretora de Sustentabilidade e Comunicação da Danone.

Por ano, o Brasil produz mais de 78,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos, dos quais 13,5% — o equivalente a 10,5 milhões de toneladas — são de plástico. Se o total desse montante de plástico fosse reciclado, seria possível retornar cerca de R$ 5,7 bilhões para a economia, segundo levantamento do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb).

Não somente embalagens de RefPET, um tipo de pet reutilizável, fazem parte do escopo de embalagens retornáveis. A cervejaria Ambev, por exemplo, oferece garrafas de vidro retornáveis que demoram mais para se tornar resíduo.

— Desde 2014, investimos para ampliar a presença de garrafas de vidro retornáveis no mercado. Ampliamos o portfólio com o lançamento das garrafas de vidro retornáveis de 300ml de Skol, Brahma e Antarctica e, para facilitar a troca das embalagens minirretornáveis, investimos na instalação de mais de mil máquinas de coleta em todo o país — informa Mariana Bazzoni, especialista de Sustentabilidade da Cervejaria Ambev.

A Pepsi, cuja logística de  envase e a distribuição é feita pela Ambev, também oferece aos consumidores a opção de garrafas de vidro retornável, em embalagens de 1 litro e de 284 ml.

Para especialistas, a tendência das empresas em apostar em iniciativas a favor do meio ambiente, como o uso de retornáveis, vem de uma mudança de comportamento do consumidor, que passou a ter uma maior consciência ambiental e a exigir essa postura das empresas das quais é cliente.

— Antes achávamos que os recursos que eram intermináveis. Hoje em dia existe uma postura muito grande do consumidor em procurar saber das empresas para onde vai o que é produzido por elas. Não só o cuidado com a embalagem, mas entender todo o ciclo dos produtos feitos por essas empresas — destaca Cristina Souza, diretora-executiva da GS&Libbra, empresa especializada em foodservice do Grupo GS&Gouvêa de Souza.

A Unilever vem investindo em reciclagem nos últimos anos, lançando, por exemplo, a marca Love, beauty and planet, cujas embalagens são feitas a partir de 100% de plástico reciclado. A partir desta quarta-feira, Dia Mundial do Meio Ambiente, a empresa vai lançar uma parceria com a startup Molécoola para recolher frascos vazios da marca OMO levados por clientes a pontos de coleta. Em troca, o consumidor receberá pontuações, que poderão ser trocadas por brindes e descontos em outros produtos.

— Através de um aplicativo de celular, o cliente busca a loja mais próxima e entrega o material reciclável. Embalagens plásticas de OMO valerão mil pontos. O frasco devolvido será triturado e transformado em resina reaproveitável para novas embalagens. É uma forma de recompensar o cliente e estimular a consciência ambiental. Nossa meta é ter 100% de embalagens recicláveis, reutilizáveis e compostáveis até 2025 — explica Antonio Calcagnotto, diretor de Sustentabilidade e Assuntos corporativos da Unilever Brasil.

Segundo pesquisa realizada no último ano pelo Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), associação dedicada à promoção dessa prática, apenas 22% dos municípios brasileiros possuem programas de coleta seletiva.

A coleta seletiva é considerada uma das etapas principais para bom gerenciamento de resíduos e está prevista na Política Nacional Resíduos Sólidos, em vigor desde 2010. É apontada como fundamental para viabilizar a logística reversa, em que resíduos sólidos são restituídos ao setor empresarial, que pode reaproveitá-los.

— A logística reversa se torna interessante para as empresas por causa do retorno do material. O que seria resíduo pode virar produto de novo e com valor considerável. Participar de iniciativas de logística reversa agrega valor à reputação da empresa — ressalta Tatiana Araújo, assessora sênior de projetos institucionais do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CBDES).