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Economia

Risco para aves, tartarugas e até a economia do Rio: veja as controvérsias que cercam a concessão do Santos Dumont

Parecer da Secretaria do Meio Ambiente mostra que ampliação do terminal colocaria biodiversidade em risco
Saguão do aeroporto Santos Dumont Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Saguão do aeroporto Santos Dumont Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO - Além das críticas ao modelo de concessão do Santos Dumont, um outro fator pode aumentar a polêmica em torno do leilão: o impacto ambiental. Parecer técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente do Rio, publicado em outubro de 2021, aponta que na região do entorno marítimo do aeroporto Santos Dumont são observadas tartarugas marinhas ameaçadas de extinção.

Além disso, o aumento da poluição sonora produzido com o maior fluxo de aeronaves e a chegada de aviões de maior porte teria efeitos negativos sobre as aves.

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O documento, elaborado pelo biólogo Jorge Antônio Lourenço Pontes, aponta que “uma ampliação do Aeroporto Santos Dumont, que fica localizado entre áreas naturais protegidas e junto de uma área urbana com inúmeras residências, irá ampliar em grande escala os impactos ambientais sobre as UC (unidades de conservação), espécies nativas, moradores e frequentadores locais, afetando diversos bairros como Centro, Botafogo e Urca”.

O relatório Áreas Sensíveis de Espécies Ameaçadas de Extinção Relacionadas a Aeroportos, divulgado em 2016 pelo ICMBio, órgão ambiental do governo federal, apontou a região do Santos Dumont como área “extremamente sensível” para a biodiversidade.

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O documento mostra que a região tem grau máximo de ocorrência de espécies ameaçadas da fauna e da flora, negativamente afetadas pela implantação e operação de aeroportos.

Em entrevista ao GLOBO, o secretário municipal do Meio Ambiente, Eduardo Cavaliere, destacou que qualquer tipo de intervenção “numa área como essa vai precisar de estudos de impacto ambiental no mais alto grau”:

— A gente está indo na contramão do mundo, deixando de ouvir os cientistas e liberando a construção de um aeroporto de grande porte em uma região populosa. Vai pousar A380 no meio da Enseada de Botafogo. Em todos os lugares do mundo os maiores aeroportos ficam em pontos mais afastados da cidade.

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Em dezembro, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) derrubou a licença emitida pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) para ampliar as pistas de pouso e decolagem do Santos Dumont.

Na ocasião, o deputado André Ceciliano (PT), autor do projeto que cancelou a licença, argumentou que a autorização era ilegal porque previa que a ampliação da pista seria feita com a instalação de estacas, com o aterramento parcial do espelho d’água da Baía de Guanabara.

Segundo um técnico do governo, caso o prefeito do Rio, Eduardo Paes, entre na Justiça por questões ambientais para barrar a concessão, o governo vai recorrer.

O argumento é que o tema foi colocado em consulta pública, e o governo federal ampliou de três para cinco anos o prazo para obras que ampliam as operações.

O governador do Rio, Cláudio Castro, afirmou na noite desta sexta-feira em rede social que o edital de leilão do Aeroporto Santos Dumont é "uma ameaça" ao Rio de Janeiro e que vai pedir a ajuda do presidente Jair Bolsonaro.

"Vamos criar uma frente de defesa com a Prefeitura do Rio e outros Poderes. Se for necessário, vamos judicializar a causa. A medida é necessária após inumeras tentativas de diálogo com o Ministério da Infraestrutura", escreveu o governador.

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Na sexta-feira, Paes levantou dúvidas em uma postagem em rede social sobre o modelo de licitação do Aeroporto Santos Dumont.

Crítico do modelo elaborado pelo governo, que, segundo analistas, poderia reduzir o número de voos no Galeão , Paes questionou o fato de o edital prever a concessão do terminal localizado no Centro do Rio em bloco, junto com aeroportos de Minas Gerais.

“Parece licitação dirigida”, escreveu o prefeito e acrescentou: “Será que isso não é um facilitador para quem já tem a concessão de aeroportos em Minas, especialmente de Confins?” Na mesma publicação, Paes pede “apuração com lupa” pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público.

Desde que começaram as discussões sobre a licitação do terminal, a Prefeitura do Rio argumenta que é preciso restringir o aumento da capacidade do Santos Dumont para evitar o esvaziamento do Galeão. No ano passado, os terminais cariocas transportaram cerca de 13 milhões de passageiros, dos quais nove milhões viajaram pelo aeroporto no Centro da cidade.

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O governo, porém, não incluiu no edital as restrições solicitadas. E especialistas avaliam que isso afetará a economia da cidade futuramente, pois reduzirá a atração de voos internacionais, diminuirá a conectividade ( por fatores geográficos o Santos Dumont não pode absorver integralmente a demanda, transferindo voos a outros estados) e afetará a indústria, que usa o aeroporto internacional para transporte de carga.

Avião na pista do Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio Foto: Marcelo Régua/22-8-2019 / Agência O Globo
Avião na pista do Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio Foto: Marcelo Régua/22-8-2019 / Agência O Globo

Para Delmo Pinho, ex-secretário de Transportes do Rio e assessor da presidência da Fecomércio, a ampliação do Santos Dumont acentua o desequilíbrio entre os terminais e impede a criação de um hub, um centro de distribuição de voos no estado. Ele ressalta que essa atuação integrada se transforma em vantagem econômica e atrai investimentos e empregos:

— Nossos dois aeroportos no Rio estão trabalhando sem sincronia. O Rio vai virar um destino secundário se deixar de ter voo direto. As pessoas vão preferir visitar outros lugares.

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O edital da licitação está sob análise do TCU, e a expectativa do governo é que o leilão ocorra no segundo trimestre, em maio. Apesar de o modelo já ter sido criticado por especialistas, as queixas do prefeito sobre a venda em blocos dos terminais foram refutadas pelo governo e por analistas do setor aéreo.

As licitações de aeroportos no país seguem uma lógica clara: reunir em um mesmo bloco aeroportos centrais, de maior interesse para operadores aeroportuários, e terminais menores, considerados menos atraentes. Dessa forma, seria possível evitar que a iniciativa privada assumisse apenas o “filé mignon” do setor.

No caso do Santos Dumont, ele seria licitado junto com os terminais de Uberlândia, Uberaba e Montes Claros, em Minas Gerais, além do Aeroporto de Jacarepaguá, no Rio. O governo espera que o lance chegue a R$ 1 bilhão ou até supere esse patamar.

— Imagine colocar para concessão um bloco só com aeroportos relevantes. Todo mundo ia brigar por estes terminais e ninguém ia querer investir em aeroportos menores — afirmou o advogado Felipe Bonsenso, sócio do Bonsenso Advogados e especialista em direito aeronáutico, destacando que o modelo atende ao interesse público de desenvolvimento de terminais menores.

O aeroporto de Confins é administrado pela CCR, em consórcio com a operadora suíça Flughafen Zürich. A CCR arrematou a concessão de 15 aeroportos no país e já sinalizou interesse por Santos Dumont e Congonhas. Procurada ontem, disse que não comentaria a publicação de Paes.

O TCU informou que o tribunal só se manifesta por meio de acórdão e que o assunto não entrou na pauta.

O Ministério da Infraestrutura defendeu em nota a qualidade da modelagem da 7ª rodada de concessões, que inclui o Santos Dumont e mais 15 aeroportos do país.

“Causa perplexidade a postura de autoridades locais do Rio de Janeiro ao ameaçar judicializar o projeto de concessão à iniciativa privada do Aeroporto Santos Dumont. Qualquer tentativa de inviabilizar o certame pode apenas afugentar investidores, trazer insegurança jurídica e contrariar o interesse da população”, diz o texto.