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Economia

Saiba o que é o Plano Marshall e como ele recuperou a Europa após a Segunda Guerra Mundial

Injeção de recursos dos EUA foi crucial à reestruturação europeia. Para especialistas, cenário atual demanda ação semelhante
George Marshall, seccretário de Estado americano responsável pelo plano de reconstrução da Europa Foto: Arquivo
George Marshall, seccretário de Estado americano responsável pelo plano de reconstrução da Europa Foto: Arquivo

RIO - Frente aos impactos econômicos e sociais provocados pela pandemia do coronavírus , a  Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico ( OCDE ) conclamou as principais economias globais a adotarem ações coordenadas, ao estilo de um Plano Marshall . No Brasil, empresários também aderiram à ideia de unir esforços para recuperar a economia do país .

A pandemia, avaliam analistas, terá impactos econômicos semelhantes aos de uma grande guerra. A alusão ao Plano Marshall, que resgatou a Europa após a Segunda Guerra Mundial, ressalta a urgência de unir esforços internacionais, tanto de governos como de empresas, para lidar com a pandemia da Covid-19.

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O Plano Marshall foi uma medida de apoio dos Estados Unidos aos países europeus que haviam sido destruídos durante a Segunda Guerra Mundial. As nações necessitavam de um grande volume de recursos para reconstruir sua infraestrutura e retomar sua produção industrial, já que a maior parte das fábricas havia sido bombardeada.

Dezesseis nações, incluindo Alemanha, França, Inglaterra e Itália, tornaram-se parte do programa e moldaram a assistência necessária, com suporte administrativo e técnico da Administração de Cooperação Econômica (ECA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos.

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No primeiro ano, os países europeus receberam quase US$ 13 bilhões em ajuda, o que se traduziu na compra de alimentos, artigos básicos, combustível e máquinas dos EUA e, posteriormente, permitiu investimentos em capacidade industrial na Europa.

Entre 1948 e 1952, foram aportados US$ 17 bilhões, o equivalente a 4,6% do PIB americano na época, para a reconstrução da infraestrutura europeia.  No valor presente, esse montante representaria cerca de US$ 180 bilhões, bem abaixo do que a parcela de 4,6% representa hoje do PIB americano. Essa fatia corresponde atualmente a algo em torno de US$ 1 trilhão.

Segundo o professor do Instituto de Economia da UFRJ Luiz Carlos Prado, o período pós-guerra registrou o maior crescimento da História, tendo ficado conhecido como “anos dourados”:

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— Quando a economia estava caindo, eles responderam com aumento de gastos, não com cortes, como era a ortodoxia até então. O resultado foi muito positivo. Os países começaram a se estruturar e importar produtos dos Estados Unidos, demonstrando os retornos sociais e econômicos do plano.

Para o especialista em política territorial Leandro Almeida, o Plano Marshall se inspirou, em parte, no New Deal, que tirou os EUA da Grande Depressão, nos anos 1930, por meio de políticas de incentivo estatal à geração de empregos.

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— Com a economia quebrada e o setor privado sem condições de se recuperar, o governo americano resolveu colocar em prática medidas que passariam a ser chamadas de “keynesianas”, e que consistiam não apenas na injeção de recursos públicos na economia, mas na concessão de subsídios às empresas e na criação de uma estrutura de amparo social aos mais vulneráveis, no que podemos chamar de Estado de bem-estar social.

Batalha ideológica da Guerra Fria

Almeida lembra que, daquele momento em diante, muitos começaram a defender que o funcionamento do capitalismo seria melhor com um maior controle estatal sobre a economia, e essa corrente de pensamento foi hegemônica por muito tempo.

O Plano Marshall, porém, ainda teve um componente ideológico. Segundo Almeida, já começava a se consolidar uma Guerra Fria entre EUA e União Soviética.

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— Essa tensão política fez com que muitos países europeus acabassem deixando de aderir ao pacote de ajuda americano, pois, caso o fizessem, precisariam romper seus vínculos com os soviéticos. Ao mesmo tempo, os soviéticos criaram o seu próprio Plano Marshall para auxiliar os países europeus que se mantiveram como seus aliados: o Comecon (Conselho para Assistência Econômica Mútua).

Já Prado ressalta que, apesar das disputas ideológicas do período, havia um contexto de busca por cooperação e solidariedade.

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—  Um homem de 50 anos tinha vivido desde os 20 em um cenário de guerra ou de inflação. Ou seja, eles queriam um mundo melhor, mais solidário. Havia disputa no plano do mundo ocidental e os desafios da União Soviética.

Corte de gastos 'é suicídio'

Após a Segunda Guerra, a Rússia deixou de ser um país isolado, em decorrência do seu grande sucesso militar e de uma participação grande do Partido Comunista na resistência francesa, nos partisans italianos, por exemplo, recorda Prado.

No contexto atual, o apelo de empresários e organismos multilaterais por um novo Plano Marshall mostra o desejo de esforços coordenados e amparo à sociedade como um todo.

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— A lição é que a ideia de cortar gastos nesta época é suicida. A experiência mostra que seguir por esse caminho seria um desastre nacional. Isso tem sido unânime em todos os governos, independentemente de serem de direita ou de esquerda. Até Estados Unidos e Inglaterra, que têm governos particularmente conservadores, decidiram fazer um volume de gastos sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial — afirma Prado.