Economia

Saiba por que a saída da quarentena exige atenção para não exagerar no consumo na reabertura das lojas

Quem mantém a renda pode se sentir tentado a compensar as frustrações da quarentena nas compras, alertam estudiosas do comportamento do consumidor
Impulso. Carro leva compras de supermercado: consumidor pode gastar demais na volta do comércio não essencial Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Impulso. Carro leva compras de supermercado: consumidor pode gastar demais na volta do comércio não essencial Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

SÃO PAULO - Quem atravessa a quarentena imposta pelo coronavírus sem perda substancial na renda deve atentar para outro risco trazido pela pandemia: o impulso de descontar as frustrações do isolamento dos que podem ficar em casa no consumo por meio do comércio eletrônico e, principalmente, na hora em que as lojas começarem a reabrir.

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É o que alertam economistas que estudam o comportamento de consumidores. Embora a crise econômica gerada pelo coronavírus tenha afetado a renda de uma parcela muito grande da população, quem tenta antecipar tendências espera que a suspensão da quarentena traga alta repentina e temporária do consumo.

Principalmente entre os brasileiros das classes mais altas, que são mais protegidos do impacto no mercado de trabalho. As compras pela internet já subiram mais de 30% desde o início da pandemia .

A hipótese parte de duas premissas: a demanda reprimida durante os meses de comércio não essencial fechado e o sentimento de privação no período.

Doutora em Psicologia Social pela PUC-SP e professora de Psicologia Econômica, Vera Rita de Mello Ferreira lembra que muitas compras foram adiadas na pandemia. Ela aponta que a frustração e a irritação dos últimos meses podem gerar comportamentos de compra que tentem aliviar esses sentimentos. E aí, muita gente pode exagerar.

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— Essa condição psíquica vai esgotando nosso autocontrole. Isso pode empurrar as pessoas a gastar mais, inclusive para além do que poderiam. Chamamos isso de tunelamento da escassez — explica.

Estímulo ‘informacional’

A professora aposentada da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, Ana Maria Bianchi, concorda que o consumo pode crescer no primeiro momento de abertura, mas diz que tende a se reequilibrar logo:

— O efeito perda é muito importante nas decisões individuais, como a economia comportamental mostra. Então penso que no começo até haverá um consumo desenfreado de alguma coisa, mas depois disso acho que volta ao ponto de equilíbrio.

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A economista Carol Franceschini, doutora em psicologia experimental pela USP que atua como cientista comportamental na Banking Standards Board, na Inglaterra, explica que os estudos em comportamento do consumidor apontam uma variedade de motivos para as decisões de consumo.

Entre eles, a pesquisadora destaca as chamadas “consequências informacionais”, que são, por exemplo, a experiência de comprar, ver vitrines, procurar preços ou ainda a interação social conectada às compras, como encontrar pessoas e exibir o poder de consumo.

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Com a quarentena, diz a especialista, o poder “informacional” do consumo foi bastante limitado. De nada adianta comprar um carro ou uma roupa nova, por exemplo, e não ter onde ir para ser visto. Já o caráter “utilitário” de alimentos ou de itens para a casa foi menos afetado. Por isso, Carol prevê uma corrida ao comércio menos essencial quando o isolamento for relaxado:

— Aqueles que conseguiram manter sua renda intacta durante a quarentena e ainda tiveram menos gastos, como com transporte, poderão sair com um dinheirinho extra para gastar. Uma parte disso pode fluir para um consumo adicional imediato, uma forma de voltar a vivenciar o aspecto “informacional” do consumo, mas não antecipo que esse efeito seja forte ou duradouro.

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Apesar de apontarem a tendência de alta no consumo da parcela que conseguiu manter renda, as especialistas ressaltam que boa parte da população vai sair empobrecida da crise, com perda de emprego e renda, mesmo nas classes média e alta.

A desigualdade vai aumentar. Vera Rita lembra que o Brasil mal tinha se recuperado da crise econômica de 2015 quando o coronavírus chegou e diz que o momento exige nova postura:

— É quase como se a realidade estivesse impondo um enorme curso de reeducação financeira.