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Economia

Saneamento: mais de mil cidades terão de licitar serviços de água e esgoto

Com veto do presidente a artigo do marco do setor que permitia renovar contratos, parte dos municípios terá que antecipar a concessão
Atraso histórico - Esgoto a céu aberto na Rocinha, no Rio: nova legislação busca atrair investimentos privados ao setor Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Atraso histórico - Esgoto a céu aberto na Rocinha, no Rio: nova legislação busca atrair investimentos privados ao setor Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

RIO e BRASÍLIA — O veto do presidente Jair Bolsonaro ao artigo 16 do marco do saneamento , que previa que os contratos atuais com empresas do setor poderiam ser renovados por um prazo máximo de 30 anos até 31 de março de 2022, pode acelerar o processo de licitação dos serviços de água e esgoto em mais de mil municípios do país. É que o artigo permitia também formalizar e prorrogar contratos em situação irregular, que agora perderão a validade.

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O Brasil tem hoje 1.519 municípios com contratos de coleta de esgoto irregulares, vencidos, precários ou em que não há a prestação do serviço, segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A situação se repete em distribuição de água com 1.058 municípios.

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— A transição de modelo estava acertada. Agora, a empresa estatal não só não poderá mais renovar seu contrato por 30 anos como também vai perder os contratos irregulares em sua área de atuação — diz Edison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil.

O artigo vetado foi incluído no texto como parte de um acordo fechado para facilitar a aprovação do projeto na Câmara e no Senado, principalmente para convencer parlamentares do Nordeste e ligados a governadores que comandam essas estatais. Não há, contudo, data para o veto do presidente entrar na pauta do Congresso

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Na quinta-feira, em transmissão ao vivo, Bolsonaro pediu que o Congresso mantenha o veto :

— Espero que o Congresso mantenha o veto, porque permite às estatais, sem licitação, ficar por até 30 anos nessa área. Eu não vou generalizar. A gente sabe que essa área é problemática em muitos estados e municípios, então a iniciativa privada é muito bem-vinda. Agora, se estivesse dando certo o setor público nessa área, não teríamos cem milhões de pessoas no Brasil sem esgoto e 35 milhões sem água potável.

Por ora, ainda que os contratos irregulares percam a validade, isso não significará uma mudança súbita nos serviços de água e esgoto, explica Ana Cândida de Mello Carvalho, advogada e sócia da área de Infraestrutura do BMA:

— Do ponto de vista jurídico, esses municípios teriam de licitar esses serviços. Mas isso também pede uma transição, porque a estruturação do projeto leva em média um ano e meio. Como é serviço essencial, não pode ser paralisado.

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Governadores temem que a não renovação dos contratos desvalorize as estatais do setor antes de elas serem vendidas.

— Com menos contratos válidos, as estatais que não têm todos os seus contratos regulares vão perder ativos, isso derruba o valor da companhia — diz a advogada.

Percy Soares Neto, diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), destaca que o texto final do marco é “muito positivo pra o setor privado”. Mas pede atenção à transição:

— O fim dos contratos irregulares pode acelerar o investimento privado, mas há um processo que não pode ser abreviado. E vai haver judicialização num momento em que devemos olhar para frente, e não para trás.

O governo avalia que o marco vai trazer segurança jurídica ao setor, podendo atrair R$ 700 bilhões em investimento.

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— A judicialização já era esperada e preocupa. A realidade vai se impor. A empresa privada ou estatal terá de cumprir as metas. A estatal que não cumprir o pactuado até 31 de março de 2022 perde o contrato — diz Carlos, do Trata Brasil.

O que pode ocorrer é a antecipação da corrida à Justiça.

— Todas as discussões potenciais, as dificuldades que iriam surgir na transição estão antecipadas. Isso pode acelerar o debate e as soluções — avalia Ana Cândida.

A Aesbe, que reúne as empresas estaduais de saneamento, diz em nota que o veto ao artigo 16 gera “forte insegurança jurídica, com estagnação imediata de ações de projetos em andamento”.

Relator do projeto do Saneamento na Câmara, o deputado Geninho Zuliani (DEM-SP) diz que o governo poderia resolver a questão dos contratos irregulares dando um prazo para que se adequem. O BNDES afirma que todos os processos de concessão modelados pelo banco seguem sem alteração, incluindo o da Cedae.

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— O marco vai ajudar o país a avançar. E só ajuda nos projetos que estamos modelando. Mantemos a previsão de licitar a Cedae este ano — diz Fábio Abrahão, diretor de Infraestrutura do banco.