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Economia

Seca, alta do frete e do dólar levam a um recorde no preço do café e safra de 2022 deve ser afetada

Consumidor já encontra o produto mais caro nas prateleiras
Clima adverso: Plantações de café no país sofreram com as secas e depois com a geadas, em um ano já desfavorável Foto: Roosevelt Cassio / Reuters
Clima adverso: Plantações de café no país sofreram com as secas e depois com a geadas, em um ano já desfavorável Foto: Roosevelt Cassio / Reuters

RIO - As geadas que atingiram algumas regiões do Brasil em julho foram a cereja de um bolo amargo para o setor cafeeiro. As condições climáticas adversas se juntaram a dificuldades logísticas e à expectativa de uma safra menor. Notícia ruim principalmente para o consumidor, que já vê o produto mais caro nas prateleiras.

O frio intenso veio logo após a seca que começou no ano passado e atingiu as plantações em importantes estados produtores, como Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

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O café costuma ser colhido no meio do ano e, após a colheita, quando se iniciam as chuvas de verão, surgem as flores que dão origem aos frutos. Mas as lavouras mais atingidas pelo frio perderam as folhas. Isso quando as plantas não morreram.

Além disso, há problemas externos, como o aumento dos preços do frete, por falta de contêineres, atrasos nos embarques e obstáculos na produção de países produtores como Colômbia e Vietnã.

O valor do café arábica, negociado na Bolsa de Nova York, é o maior desde 2014, e o preço de julho supera em 44% o de outubro de 2020, início da safra mundial, aponta a Organização Internacional do Café.

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— O Brasil tem um grande impacto no balanço global de oferta e demanda de café. Isso foi claramente evidenciado pela reação do mercado após a geada: o preço do produto subiu 34% em uma semana devido às preocupações com as perdas — destaca o chefe de Pesquisa de Mercado de Commodities Agrícolas do Rabobank, Carlos Mera.

Safra bienal

Uma das características do cultivo da commodity é a bienalidade. Isto é, o fato de intercalar um ano de alta produtividade com outro de safra menor, que é o caso de 2021. Mas a intensidade da seca seguida pelas geadas obrigou o setor a reduzir ainda mais suas projeções este ano.

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De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra atual não deve ultrapassar 48,8 milhões de sacas de 60 kg de grãos, previsão feita antes das geadas. Se atingida, esta marca será 22,6% menor que a da temporada anterior.

O café foi um dos responsáveis pelo recuo do setor agropecuário no Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, divulgado na semana passada pelo IBGE.

O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), Celírio Inácio, explica que as altas da demanda internacional e dos custos de insumos ajudam a aumentar o preço no mercado doméstico:

— Ainda não se sabe o impacto da geada. Fala-se em 200 mil hectares. Se tiver sido menos e se houver chuvas, os preços tendem a se equilibrar com um impacto de 40% nas prateleiras, o que já é muito.

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Impacto na torrefação

É difícil para os produtores repassarem todas as perdas nas lavouras. Parte da produção já pode estar comprometida com contratos futuros, a preço menor que o atual, algo natural para o setor.

O produtor Rodrigo Candinho, da cidade de Muzambinho (MG), viu 15% da plantação de sua fazenda atingida pelas geadas recentes, metade com impactos severos. Ele diz que as medidas para mitigar efeitos climáticos, como a irrigação, são muito caras para produtores descapitalizados, vindo de anos com o preço do café considerado baixo.

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— Com a seca, já tínhamos diminuído nossa expectativa de safra de dez mil para oito mil sacas ao ano. Com as geadas, baixamos para sete mil.

Cafeicultor há duas décadas, ele diz nunca ter visto condições tão adversas como as dos dois últimos anos. E destaca outros problemas, como o aumento dos preços do adubo, da energia e do diesel. Ele está orçando um sistema de energia solar para reduzir os gastos na fazenda.

Os prejuízos já chegam a outras partes da cadeia. Na torrefação Café Carneiro, em Itapeva (SP), segundo a sócia Luciane Carneiro, o preço da saca passou de R$ 400 em dezembro de 2020 para R$ 800 em julho deste ano, chegando a ultrapassar R$ 1 mil em alguns casos:

— Já tínhamos uma previsão de que a saca aumentaria, em razão da bienalidade do café, mas não imaginávamos que fosse subir tanto.

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Fornecedores sem grãos

A torrefação tem estoque garantido até novembro. A empresária não espera enfrentar problemas com abastecimento, ainda que dois dos seus cinco fornecedores tenham ficado sem grãos para vender.

A torrefação precisou repassar o aumento do custo para os clientes, a maior parte varejistas e supermercados, mas não registrou redução na demanda.

Para Renato Ribeiro, analista do mercado de café do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP, a possibilidade de os atuais problemas afetarem a próxima safra já se reflete nos preços:

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— O ano que vem, que seria de bienalidade alta e permitiria repor estoques e dar uma equilibrada no mercado, ao que parece será impactado negativamente.

Para ajudar os produtores, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou, no último dia 17, o congelamento de R$ 1,32 bilhão do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé). As condições de repasse dos recursos ainda serão definidas.