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Economia

'Sensação é que não há ninguém no leme, o país está meio à deriva’, diz Elena Landau

Ex-executiva da Eletrobras, economista avalia que governo demorou a agir, e país enfrenta risco de apagões
Elena Landau é economista e advogada Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo
Elena Landau é economista e advogada Foto: Gustavo Miranda / Agência O Globo

RIO - Elena Landau, economista que foi presidente do Conselho de Administração da Eletrobras e diretora de privatizações do BNDES no governo Fernando Henrique, diz que o país está muito atrasado nas ações para lidar com a crise hídrica e há risco de apagões.

Ela considerou “muito graves”, as últimas declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o “devo não nego e pago como puder” , em relação aos precatórios (dívidas da União que não podem ser contestadas). Para ela, parece que o país “está meio à deriva”.

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Como vê a economia daqui para frente?

Você tem uma crise política gerada e alimentada pelo presidente da República de forma cotidiana que, evidentemente, vai se refletindo em tudo.

Esse cenário pessimista se junta a uma inflação que vai chegando a dois dígitos, que atinge especialmente a baixa renda, porque pega feijão, energia, alimentos e reduz o poder de compra.

Temos taxa de juros mais elevada que se junta a uma crise institucional, é natural que as previsões de PIB sejam revistas para 2022. A mais otimista agora é de 2%.

não possa exceder a 8% dos encargos totais com folha de pagamento.

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A que se deve essa piora em Bolsa, dólar, juros e risco-país?

Quem vai investir num país onde o presidente ameaça dar um golpe contra a democracia? Politicamente, talvez seja o pior momento desde a redemocratização.

Mas não acho que vai ter ruptura institucional, porque a sociedade está bastante atenta, tem uma adesão maior a manifestos do setor produtivo, mesmo com o recuo absolutamente esperado da Fiesp, porque o Skaf nunca foi oposição na vida, não iria começar hoje.

Mas teve o manifesto do pessoal da agricultura, os bancos privados não recuaram, já tinha havido dois manifestos de empresários insatisfeitos. A sociedade está se colocando.

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Tem uma atuação muito firme do Supremo, e o presidente do Senado vem declarando que não vai admitir qualquer tipo de estresse nas instituições democráticas.

Bolsonaro joga o tempo todo com a crise. É como se ele quisesse provocar uma ruptura o tempo todo.

Isso cria um ambiente de incerteza, que aliado a inflação e juros elevados, tem reflexo no câmbio. Os analistas consideram que o câmbio está mais desvalorizado do que estaria em uma circunstância de normalidade institucional.

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O que a senhora achou das soluções propostas pelo governo para os precatórios?

A questão dos precatórios foi muito grave. Deu uma dimensão de quanto o ministro está completamente alheio à realidade.

Ninguém é pego de surpresa com aumento de precatórios, não existe isso. Tem que ter acompanhamento, saber o que está acontecendo no STF (Supremo Tribunal Federal). Há uma falta de controle sobre as coisas, não adianta chamar de meteoro, não é meteoro.

E tem um discurso de um governo que se disse liberal e tem uma ruptura clara, exibindo o mesmo discurso do governo anterior, com contabilidade criativa com precatórios, dizendo que não estavam preparados para isso, que os bancos são os culpados, são fundos que compraram precatórios, que estão na mão de malvados. Um discurso todo antimercado.

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A realidade se mostra cada vez mais difícil, e o ministro fica dizendo que estamos decolando, que inflação de 8% não é problema, está no jogo, que energia cara não tem problema, que, quanto aos precatórios, diz "devo não nego". Quando um ministro da Economia diz isso, é muito grave.

Vê risco de racionamento ?

Corremos risco de apagão mesmo, o que é gravíssimo. Estamos com estresse em todo o sistema elétrico, trabalhando no limite.

Em 2001, houve uma racionalidade na forma de administrar a crise hídrica, uma redução voluntária, bônus, agora não.

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De novo, o governo chegou muito atrasado, entrou muito tarde com as políticas de demanda. Todo mundo que acompanha o setor elétrico estava avisando.

Se tivesse gerenciamento adequado, em vez de fazer um discurso apelando para sociedade parar de tomar banho dois meses atrás, deveria ter implantado as políticas de demanda.

O cidadão que, como eu, economizou, não vai ganhar bônus . Já cortou o que podia e, agora, o perdulário vai ganhar bônus. Pagar mais pela energia por questão climática, tudo bem, mas por incompetência, não.

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O medo de falar do controle de energia, o medo de impactar, de um lado, a perspectiva de retomada de crescimento e, de outro, a inflação, vai adiando a decisão à espera de um milagre.

E o milagre não vem, pelo contrário: estamos cada vez piores na dimensão hidrológica. Essa situação vai deixar rastro até no ano que vem, porque o impacto sobre as tarifas de energia é alto.

Há temor de descontrole fiscal, com as eleições no ano que vem e a pressão por mais gastos, com ameaça ao teto de gastos (crescimento das despesas limitado à inflação)?

Isso é a grande discussão, se para entrar na eleição com mais poder de fogo vai começar ainda mais o populismo descarado.

É só ver a atuação da Caixa. Administração mais populista impossível, abrindo agência quando não devia, jogando fora todo o ajuste de governança que foi feito no governo Temer (Michel Temer).

O monopólio da Caixa no auxílio emergencial foi prejudicial aos brasileiros, que tiveram a obrigação de abrir conta. A sensação que se tem é que, no desespero da busca pela reeleição, vai se dar força a esse lado populista.

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Eu acho que ainda tem um respeito muito grande ao teto de gastos. Tem essa noção de que o teto é um divisor de águas. Abandonar isso pode piorar o cenário econômico, com problema de dominância fiscal (quando aumentar juros para conter a inflação não funciona mais) e entra numa crise muito maior.

A pergunta é: tem o ministro Guedes hoje o prestigio e o poder de segurar o presidente? A sensação que você tem é que não há ninguém segurando o leme, que está meio à deriva.

É o momento de aprovar as reformas administrativa e tributária?

Eu sou completamente contra. Não é hora de fazer nenhuma grande reforma, porque vai ter que ceder, é um governo muito fraco. É só ver o que aconteceu com a privatização da Eletrobras, o que saiu dali.

Governo completamente sem controle sobre uma privatização dessa importância. E o cenário para o ano que vem, com inflação de 9%, podendo chegar a dois dígitos, cria uma coisa no imaginário pró-indexação, para demanda por aumento salarial.