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Economia

Bolsonaro afasta investidor por ter 'os piores instintos na questão climática, na economia e na saúde', diz Scheinkman

Para professor da Universidade de Columbia, situação está 'difícil' para quem quer aplicar seus recursos no Brasil
José Alexandre Scheinkman, professor de Economia na Universidade de Columbia, diz que ‘situação é difícil para quem está pensando em investir no país’ Foto: Luís Ushirobira / Agência O Globo
José Alexandre Scheinkman, professor de Economia na Universidade de Columbia, diz que ‘situação é difícil para quem está pensando em investir no país’ Foto: Luís Ushirobira / Agência O Globo

RIO - Os discursos do presidente Jair Bolsonaro contra a democracia e a harmonia dos Poderes, como os desta terça-feira, vêm causando cada vez mais mal-estar entre os investidores internacionais, já preocupados com o descaso ambiental do governo.

José Alexandre Scheinkman, professor de Universidade de Columbia, em Nova York, e emérito da Faculdade de Economia de Princeton, diz que quanto mais poder as pessoas acharem que o presidente terá menos vão querer investir aqui. Em entrevista ao GLOBO, ele ressaltou que o “Brasil é um país que precisa importar capital”.

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Qual é a sua leitura da participação do presidente Jair Bolsonaro nos atos do Sete de Setembro? Qual o impacto disso na economia?

Bolsonaro tem os piores instintos na questão climática, na economia e na saúde. Por um tempo havia um discurso da equipe econômica que era um pouco mais racional. Mas, nas últimas semanas, o discurso da equipe econômica demonstra que tudo que eles querem é agradar a Bolsonaro. É uma situação muito difícil para o Brasil e para qualquer pessoa pensando em investir no Brasil.

Qualquer sinal de que Bolsonaro terá mais poder do que já tem indica uma má política econômica, climática e de saúde. E, consequentemente, isso não interessa ao investidor de fora.

Essa sucessão de crises pode ter impacto no ingresso de investimentos estrangeiros?

Há dois tipos de investimento. Há o direto, que é feito por empresas. E há o investimento com a compra de títulos do Tesouro, de ações e títulos de empresas brasileiras. Esse investimento vem, principalmente, do que chamamos nos EUA de delegated money. São recursos de pessoas que são investidos por fundos de pensão, por exemplo.

Nos Estados Unidos e na Europa, a força do investidor é muito grande. E essas pessoas não querem que esses fundos façam investimentos que piorem a situação climática. Então, não adianta dizer que é uma conspiração entre os agricultores. Não é nada disso. O Brasil, sob esse ponto de vista, dado o discurso do governo Bolsonaro, quanto mais poder as pessoas acharem que esse governo vai ter, no caso de um golpe, ou maior a chance de um evento desse tipo, elas vão querer investir menos.

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É possível avançar com a agenda de reformas com esse tensionamento constante entre os Poderes?

Exceto pela reforma da Previdência, que já havia sido encaminhada no governo Michel Temer, a verdade é que a agenda de reformas proposta está seguindo muito pouco. Essa reforma tributária, que agora está entre a Câmara e o Senado, só vai piorar a economia brasileira, pois haverá aumento das distorções causadas pelo aumento de impostos pagos pelas empresas grandes junto com a manutenção ou mesmo redução de impostos para as firmas sob o regime de lucro presumido. Essa reforma, é melhor esquecê-la do que passá-la.

Obviamente esse tensionamento é muito ruim para a economia. Mas se, de alguma forma, Bolsonaro conseguisse convencer o Congresso a passar as reformas que o governo está propondo, não acho que a economia iria melhorar. A confusão no governo é tão grande que você nem sabe onde estão as outras reformas, em suas diversas questões.

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De que forma a turbulência política afeta o ambiente de negócios no país?

O Brasil é um país que precisa importar capital. E toda vez que os investidores potenciais se sentem desconfortáveis, isso piora a situação do país. O investidor estrangeiro é uma força muito importante para o Brasil. E há outras forças que podem causar um efeito negativo na economia.

E o que vai acontecer no detalhe da economia vai depender de outras medidas, como as do Banco Central para controlar a inflação. Tudo isso é complexo para todo mundo, mas a questão do investimento estrangeiro é bastante clara.

O senhor citou a questão do clima. Essa é a principal preocupação?

O clima tem diversas ligações com a economia. A situação do Brasil, por causa do governo Bolsonaro, afetou negativamente a visão que as pessoas têm do país. Há empresas brasileiras que, quando estão levantando fundos aqui fora, elas, de certa maneira, têm de se explicar demais e estão sempre à sombra da última maluquice que Bolsonaro falou. Isso é um problema. Há um esforço das companhias de mostrar que estão tentando colaborar para o clima.

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Como os investidores americanos comparam o ocorrido em janeiro nos EUA, quando houve a invasão ao Capitólio, após discurso do presidente Donald Trump, com o Sete de Setembro no Brasil?

Há conversas sobre isso. O ataque do Trump ao Colégio Eleitoral, que estava no Congresso reunido para reafirmar os votos dos eleitores americanos, foi muito ruim. Mas há uma diferença entre EUA e Brasil. De certa maneira, a economia privada americana marcha na própria velocidade e ritmo. A consequência econômica daquela atitude de Trump foi pouca nos Estados Unidos, mas não quer dizer que no Brasil vai ter pouco efeito. O Brasil é um país muito mais complicado.