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Economia Investimentos

Start-ups batem recorde em 2020 com US$ 3,1 bi em aportes e seguem na mira dos investidores

Pandemia acelera transformação digital da economia e beneficia empresas de tecnologia. Demanda deve seguir em alta e Marco Legal dará segurança jurídica em 2021
Hector Gusmão, diretor-executivo da aceleradora Fábrica de Startups, diz que o cenário econômico segue favorável à atração de investimentos pelos negócios de base tecnológica em 2021 Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo
Hector Gusmão, diretor-executivo da aceleradora Fábrica de Startups, diz que o cenário econômico segue favorável à atração de investimentos pelos negócios de base tecnológica em 2021 Foto: Adriana Lorete / Agência O Globo

RIO - A pandemia impôs desafios a diversos setores da economia, que foram forçados a se adaptar às pressas para lidar com uma nova realidade. Para as start-ups, o obstáculo virou oportunidade. Casas se tornaram escritórios, jantares foram possíveis com delivery, o digital se impôs como essencial. E as start-ups, negócios majoritariamente tecnológicos, surfaram a onda da crise.

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Segundo dados do Distrito, uma consultoria voltada para o setor, foram fechados 450 contratos de investimentos em start-ups em 2020, que somaram US$ 3,1 bilhões (cerca de R$ 16 milhões), um recorde histórico. Para este ano, a expectativa é de que o setor continue atraindo investidores.

A demanda por serviços digitais deve se manter em alta, e uma nova legislação promete dar mais segurança jurídica a empreendedores e a quem aposta no ecossistema.

Fintechs lideram aportes

Gustavo Gierun, cofundador do Distrito, diz que a expectativa no início do ano passado já era alta com a onda de unicórnios (start-ups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) de 2019: Loggi, Gympass, QuintoAndar, Ebanx e Wildlife. Em 2020, quatro que entraram para o clube Loft, Vtex, C6 Bank e Creditas.

— Como um todo, foi um ano incrível para as start-ups — resume Gierun.

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Por razões óbvias, as healthtechs , start-ups do segmento de saúde, destacaram-se no ano. De acordo com os dados do Distrito, em termos de volume investido, as fintechs (do setor financeiro) lideraram o ranking, com mais de US$ 1,5 bilhão em aportes, seguidas por retailtechs (varejo), supply chain (cadeia de suprimentos) e proptechs (imobiliário).

Mas em número de aportes, as healthtechs ficaram em segundo lugar, com 46 acordos de investimento, atrás só das fintechs , que fecharam 84. Esses dois setores são as principais apostas para 2021, diz Gierun:

— É um movimento natural. Os segmentos menores crescem com investimentos menores. Quando as start-ups amadurecem, os cheques ficam mais gordos.

Captação na crise. A Conexa Saúde viu seu setor, de telemedicina, acelerar em 2020 e foi atrás de capital: conseguiu R$ 40 milhões em rodada de investimentos em julho, diz o líder da empresa, Guilherme Weigert Foto: Divulgação
Captação na crise. A Conexa Saúde viu seu setor, de telemedicina, acelerar em 2020 e foi atrás de capital: conseguiu R$ 40 milhões em rodada de investimentos em julho, diz o líder da empresa, Guilherme Weigert Foto: Divulgação

Em meio às perspectivas de recuperação da economia, as fintechs voltadas para o crédito e as start-ups de logística, principalmente as que lidam com a “última milha”, a entrega na casa dos clientes, estão no alvo dos investidores.

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Empresas de comércio eletrônico, de educação e alimentação saudável também podem se aproveitar dos novos hábitos dos consumidores e se mostrarem bons negócios, prevê Camila Farani, sócia-fundadora da G2 Capital, referência no investimento anjo no país com mais de 40 start-ups no portfólio:

— O novo consumidor busca cada vez mais eficiência, comodidade, conveniência e adaptabilidade. Esses quatro elementos vão ditar o cenário dos negócios e a transformação digital, que se tornou compulsória.

Foi essa aceleração da transformação digital — imposta pela pandemia — que impulsionou muitas start-ups que já ofereciam soluções para a migração de negócios para o on-line. No entanto, Pedro Melzer, cofundador da Igah Ventures, lembra que 2020 não foi só euforia, e nem todos os segmentos podem comemorar.

O primeiro movimento, conta Melzer, foi de preocupação. Quando a crise estourou, houve um freio nos investimentos e o foco se voltou para a proteção dos portfólios. Cada start-up da Igah foi avaliada para a identificação de demandas específicas. Com o cenário de incertezas, a recomendação era segurar dinheiro no caixa e agir com cautela.

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— Demos suporte para as empresas do nosso portfólio passarem pela crise. Entendemos a situação de cada uma, como estava o caixa, quais negócios seriam impactados — diz Melzer. — Mas a maior parte mostrou que seus negócios estavam descolados da macroeconomia.

Passada a preocupação, os olhos se voltaram para as novas oportunidades. Durante a crise, a Igah fez seis aportes que somaram US$ 25 milhões. A Conexa Saúde foi uma das investidas. A start-up, que oferece uma plataforma de telemedicina para conectar médicos e pacientes, começou 2020 com a expectativa de o governo regular o serviço no fim do ano, mas a pandemia acelerou esse processo.

— Recebemos um aporte de R$ 5 milhões em dezembro de 2019. E o nosso planejamento mirava os marcos regulatórios para o fim de 2020, mas a pandemia veio e acelerou muito — diz Guilherme Weigert, diretor executivo da Conexa. — O capital que tínhamos era para o cenário sem pandemia. Com ela, fizemos uma nova rodada em julho e levantamos outros R$ 40 milhões.

Os números refletem o impacto da pandemia. Em 2019, a plataforma fez cerca de 7 mil teleatendimentos. Em 2020, foram 2 milhões.

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Para este ano, existe ainda a expectativa de aprovação do Marco Legal das Start-ups, que já passou pela Câmara dos Deputados. Para a advogada Fabiana Topini, sócia do Rennó Penteado Sampaio Advogados, o ponto principal será a segurança jurídica para empreendedores e investidores:

— Dá tranquilidade a quem está dentro do ecossistema .

Ajustes no marco

Para Camila Farani, o texto precisa de ajustes no Senado, como a inclusão da flexibilização da legislação trabalhista facilitando a contratação pelas start-ups, que foi removida pela Câmara.

A empresária também questiona a tributação de opções de ações oferecidas como remuneração aos funcionários, mesmo quando não exercidas, e o modelo de taxação sobre os ganhos dos investidores, que assumem riscos e perdem dinheiro na maior parte da carteira.

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Embora as start-ups estejam em alta, nem tudo são flores. Enquanto alguns segmentos se destacaram com serviços que se adequaram ao momento da pandemia, outros foram torpedeados pela crise.

Negócios baseados na interação com o público, como os de entretenimento, tiveram que suspender as operações ou redesenhar modelos de atuação.

— Muitas start-ups sobreviveram por causa dos investidores que ajudaram, mas a gente ainda não sabe o tamanho desse buraco — diz Hector Gusmão, diretor-executivo da aceleradora Fábrica de Startups. — E esse movimento muito acelerado de inovação terá muitos erros. Corporações vão perceber que fizeram coisas erradas por causa da pressa.

Risco de ‘bolha’

Existe ainda a preocupação com a “bolha” da pandemia, empresas que inflaram resultados por serviços específicos que podem desidratar com o retorno a uma certa normalidade após a vacinação.

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— É difícil generalizar, mas é óbvio que algumas empresas tiveram crescimento com certo esteroide por causa da Covid-19 — ressalta Melzer, da Igah Ventures. — Mas muitos empreendedores criaram produtos, adicionaram novas fontes de receita que não existiam antes da pandemia.

Mesmo assim, o cenário para o ecossistema de start-ups para 2021 é favorável. As corporações e o esforço para aprovação do Marco Legal das Start-ups parecem indicar o reconhecimento da importância da transformação digital nos negócios. Questões macroeconômicas, como juros baixos, também favorecem a atração de investidores dispostos a correr mais riscos financiando o crescimento de negócios inovadores. E o dólar alto facilita a captação de recursos estrangeiros.

— Temos pela frente uma tempestade perfeita, e os bons empreendedores vão saber tirar proveito dela — prevê Gusmão.