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Economia

‘SuperVia chegou ao limite’, diz presidente da empresa de trens do Rio sobre pedido de recuperação judicial

Após pedir recuperação judicial com dívida de R$ 1,2 bilhão, Antonio Carlos Sanches afirma que companhia tem perto de R$ 430 milhões a receber do governo fluminense
Antonio Carlos Sanches , presidente da SuperVia, diz que empresa chegou ao limite Foto: Silvia Costanti / Agência O Globo
Antonio Carlos Sanches , presidente da SuperVia, diz que empresa chegou ao limite Foto: Silvia Costanti / Agência O Globo

RIO - Com caixa esvaziado pela queda de receita na pandemia, somado a problemas de falta de planejamento em mobilidade urbana no Rio e da própria companhia, a Supervia chegou ao limite, diz o presidente Antônio Carlos Sanches.

Pedir proteção judicial foi o caminho encontrado para ter fôlego e reestruturar a operação. No curto prazo, afirma o executivo, recursos que a Supervia tem a receber do Governo do Estado são fundamentais para manter as atividades.

A empresa continua operando, mas, se o pedido for aceito pela Justiça, terá mais tempo para renegociar as dívidas, que somam R$ 1,2 bilhão.  Leia a seguir a entrevista de Sanches ao GLOBO.

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O que levou à recuperação Judicial?

O transporte público no Rio de Janeiro sofre há tempos com uma série de questões não resolvidas e que vão se agravando ano a ano. O maior problema é a falta de integração dos modos de transporte e na Região Metropolitana como um todo.

Deveria haver uma inteligência que olhasse isso de forma integrada, projetando para o futuro, olhando as necessidades de crescimento da metrópole. Isso não é feito. Então, cada modo (de transporte) trabalha de forma isolada. A pandemia colocou tudo isso na mesa.

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Hoje, temos todas as empresas sofrendo com baixa demanda. Vai haver vacinação, a pandemia vai arrefecer, a economia vai melhorar com o tempo, mas não vai voltar a ser igual.

É preciso trabalho de curto prazo, porque as empresas precisam de caixa para passar por esse período; de médio prazo, para, no máximo em um ano, ter estabelecido uma nova forma de trabalhar com mobilidade. O Brasil inteiro sofre com isso. Só que no Rio de Janeiro, as concessões todas dependem exclusivamente da tarifa.

Antonio Carlos Sanches afirma que companhia tem perto de R$ 430 milhões a receber do governo fluminense Foto: Silvia Costanti / Agência O Globo
Antonio Carlos Sanches afirma que companhia tem perto de R$ 430 milhões a receber do governo fluminense Foto: Silvia Costanti / Agência O Globo

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É um problema dos contratos?

O contrato da Supervia tem mais de 20 anos. E não há modernização desse contrato que olhe, por exemplo, para uma faixa de demanda, para que se o concessionário for afetado ele tenha uma compensação e possa manter a prestação de serviço num bom nível.

Seria bom para os dois lados. O reequilíbrio extraordinário, em função da pandemia, deveria ter sido resolvido rapidamente. A Agetransp fez uma análise e recomentou que a Supervia tem direito a receber um reequilíbrio extraordinário, do período de março do ano passado até fevereiro deste ano, equivalente a R$ 216 milhões.

Com isso, pagaríamos nossas contas, sem incluir as dívidas. Mas você não consegue receber isso do Estado, que entrou com um embargo contra essa decisão. O governo sabe dos problemas, conhece a gravidade, há diálogo.

O problema é a celeridade e a tomada de decisão. Existe caminho? Sim, tem de se construir. Mas se demorar para começar, pode ser que não se tenha o paciente vivo. Numa analogia com a Covid-19, se você demorar para procurar tratamento, pode ser tarde demais.

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Virá uma revisão de contratos?

A gente acredita que sim, porque o problema é real. Não da SuperVia, mas da mobilidade do Rio e do Brasil. Está afetando muito o setor. O PIB vem crescendo, tem uma euforia aí porque o PIB melhorou, só que está muito desequilibrado.

Em alguns setores, vai bem. Em outros, muito mal. Regionalmente, por setor e na questão social também. Como comparar o PIB da Baixada Fluminense com o da Zona Sul do Rio?

O nosso público é aquele mais carente, que mais sofre com a pandemia e com a economia. É impensável uma cidade como essa ficar sem a mobilidade. Essa discussão toda virá mais forte, com certeza.

Em paralelo, há um crédito de R$ 200 milhões junto ao Estado?

Temos dívidas de gratuidade (R$ 50 milhões), que conseguimos fechar um acordo com o Governo do Estado, faltando receber uma parcela de R$ 12,5 milhões. Mas tem os passivos que vêm de antes da privatização e não conseguimos receber esse montante (R$ 200 milhões).

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Há negociação com o BNDES, maior credor da Supervia?

A dívida com o BNDES (R$ 840 milhões) vem de empréstimos pagos regularmente. Na pandemia, o setor metroferroviário foi beneficiado por um acordo de suspensão desses pagamentos.

Deixamos de pagar R$ 200 milhões em dívida com BNDES. Ajuda? Sim, mas a empresa precisa de caixa. E, em função da situação da empresa, do comprometimento já com as dívidas, não conseguimos outros financiamentos para capital de giro.

E a gente fez durante esse período todo, esforço interno, ganho de eficiência, redução de jornada e de salário, negociação com fornecedores para parcelar pagamentos.

Estação da Supervia em Gramacho, na Baixada Fluminense: redução de trens agrava aglomeração Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Estação da Supervia em Gramacho, na Baixada Fluminense: redução de trens agrava aglomeração Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Conseguimos trazer a empresa até aqui, mas chegou a um limite. Não tem mais condições de prosseguir. Por isso a entrada em recuperação, para ganhar esse fôlego, que seja aí de dois anos e pouco (de reestruturação). Nesse meio tempo, acreditamos que a demanda deve voltar, a expectativa é 2023.

Com a crise hídrica, o custo de energia sobe. Como será?

A gente está no mercado livre. Nosso fornecedor é a Cemig. E a Light. É nessa dinâmica que vamos continuar. Se a crise se agravar muito e tiver possibilidade de racionamento, será uma outra questão, porque o trem não tem alternativa, é energia elétrica.

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O dinheiro do Estado do Rio reforçaria o caixa?

A participação do Estado é fundamental. Só a recuperação judicial não vai resolver o problema da Supervia. Quando eu falo de participação do Estado, além do reequilíbrio extraordinário, temos uma série de outras intercorrências que afetam muito o resultado da empresa e o serviço ao cliente.

Segurança pública. O número de furtos de cabo nos primeiros quatro meses deste ano foi o dobro do ano passado inteiro. Não são apenas cabos, mas peças e partes metálicas.

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O que estão furtando agora é um grampo que prende o trilho ao dormente. O valor número um é segurança, mas para a ferrovia, atrasa o trem, muda a grade horária.

E há os tiroteios. Tudo isso, a gente vem discutindo com o governo do Estado. Tem ações que tem ajudado, sim. Mas pela questão econômica, da pandemia, aumentou muito tudo isso. E não estamos conseguindo dar conta.

Cogitaram devolver a concessão?

Já discutimos várias questões, como fechar o ramal menos rentável, devolver tal trecho. Isso tem a dificuldade de afetar a questão social, que tem um peso enorme. Nós colocamos isso, sim, porque afeta a nossa operação.

Há trechos de extensão de ramal que dão prejuízo, mas mantemos a operação. É diferente de uma linha de ônibus. Não é uma permissão. É uma concessão, regulada. E cumprimos tudo. Discutimos com o Estado, mas não chegamos a um ponto em comum, a um consenso. A gente não pode parar a operação.