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‘5G pode ser a tecnologia da 4ª revolução industrial’, diz diretor da GSMA, que reúne teles globais

Para Lucas Gallitto, veterano na indústria de telecomunicações, quinta geração de telefonia vai favorecer a invenção de novas aplicações
Uma nova revolução tecnológica está prestes a começar e o Brasil vai liderar esse movimento na América Latina. Esta é a análise de Lucas Gallitto Foto: Divulgação
Uma nova revolução tecnológica está prestes a começar e o Brasil vai liderar esse movimento na América Latina. Esta é a análise de Lucas Gallitto Foto: Divulgação

RIO — Uma nova revolução tecnológica está prestes a começar, e o Brasil vai liderar esse movimento na América Latina. Essa é a análise de Lucas Gallitto, um veterano na indústria de telecomunicações, sobre o início da implantação de redes 5G na região.

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Baseado em Buenos Aires, o engenheiro argentino dedica-se aos mercados latino-americanos como diretor da GSMA, associação que reúne as maiores empresas globais do setor. Em entrevista ao GLOBO, ele diz que, com o leilão do 5G realizado no Brasil em novembro , o país finalmente abriu as portas para o futuro das conexões em altíssima velocidade e das aplicações que vão acelerar a transformação digital da economia.

Porém, alerta o especialista, políticas públicas são necessárias para derrubar barreiras ao avanço das redes e incentivar a adoção de soluções tecnológicas pelas empresas, sob risco de o país não aproveitar todo o potencial econômico e social da nova geração da telefonia.

Quais são as principais características do 5G?

Citaria três. A primeira é a velocidade ultrarrápida. Isso vai permitir a oferta de banda larga residencial com características similares às conexões por fibra óptica. A segunda é a ampliação das conexões máquina a máquina. As antenas de quinta geração podem conectar mais dispositivos ao mesmo tempo, então, a Internet das Coisas será massificada. Por fim, a nova tecnologia traz conexões confiáveis, com baixa latência, um fator essencial para aplicações que exigem resposta instantânea, como carros autônomos e cirurgias a distância.

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Para o usuário final, que tem um smartphone, qual será a diferença?

O 5G tem mais velocidade e menor latência. Isso vai permitir novos aplicativos que ainda nem foram inventados. Quando o 4G chegou, serviços de streaming como o Netflix, por exemplo, não existiam. É o dilema de quem surge primeiro: o aplicativo ou a rede.

Em geral, é preciso que a rede surja antes. Então, acho que o consumidor terá novas aplicações, vai poder fazer o download de um filme em um segundo. Mas o maior impacto do 5G será nas empresas e indústrias, que poderão usar essa nova tecnologia para acelerar a transformação digital.

O senhor imagina quais aplicações podem surgir para o consumidor?

Se eu soubesse, não contaria para você! Eu seria o próximo Elon Musk (fundador da montadora de carros elétricos Tesla). Mas acho que teremos muitas novidades com realidade virtual e realidade aumentada. Muitos games também. E temos o metaverso, a aposta do Facebook.

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Como experiência de mundo virtual, tivemos o Second Life, que não deu certo. Muitos apontam que a tecnologia de conexão da época não estava pronta. O 5G pode abrir as portas para metaverso?

Essa ideia de metaverso apareceu agora porque já temos dois anos de rede 5G. Não sou especialista nisso, e acho que ninguém sabe realmente o que é o Metaverso, nem mesmo o Mark Zuckerberg (fundador e CEO da Meta, dona do Facebook). Mas sabemos que terá aplicações de realidade virtual, ações em tempo real, e o 5G funciona muito bem para aplicações com essas exigências. Se vai dar certo, não sei, mas o 5G certamente vai impulsionar o metaverso.

E a Internet das Coisas? Viveremos num mundo de coisas conectadas com o 5G?

Nós já temos muitos dispositivos conectados. Em casa, no carro, no trabalho, passamos boa parte do dia ligados na internet. Mas, com o 5G, teremos ainda mais coisas conectadas porque a tecnologia foi projetada para receber mais conexões que as redes atuais.

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No mundo, as primeiras redes 5G começaram a operar em 2019. O Brasil e a América Latina estão atrasados?

Não diria que estamos atrasados. Comparando com os líderes naturais — EUA, China, Europa, Japão e Coreia do Sul —, o tempo para implantar o 5G é menor do que aconteceu com tecnologias anteriores, como o 4G e o 3G. A América Latina sempre foi uma “seguidora”, e o Brasil cumpre papel de pioneiro na região. Aconteceu com o 3G, com o 4G e está acontecendo agora. Por isso, muitos países estavam observando de perto o leilão do mês passado. O Brasil é sempre uma referência para a região.

Nos “líderes naturais”, que já adotaram o 5G, como têm sido o uso da tecnologia?

Além da velocidade para o usuário final, temos boas experiências de aplicação na indústria. Um exemplo é o Porto de Roterdã, na Holanda, que usa sensores conectados a uma rede 5G para automatizar o transporte de cargas e gerenciar os navios. Uma fábrica da Mercedes, na Alemanha, instalou uma rede privada 5G para conectar os sistemas de produção com as máquinas, aumentando a eficiência e a precisão do processo produtivo.

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As cidades também estão se tornando inteligentes, com sensores capazes de aumentar a eficiência de equipamentos urbanos. Temos, por exemplo, os pontos de coleta de lixo inteligentes, capazes de informar quando estão no limite da capacidade. Dessa forma, é possível criar rotas diárias para os caminhões de coleta, reduzindo custos e poluição.

Para o Brasil e a América Latina, quais setores econômicos devem ser mais impactados pelo 5G?

A indústria em geral, os serviços e o agronegócio, que tem muita força em países como Brasil, Argentina e Uruguai. Talvez tenhamos drones conecta dos em redes 5G, com baixa latência, fazendo sobrevoos seguros sobre as propriedades, avaliando em tempo real as condições da plantação.

Isso vai aumentar a competitividade dos países da região, que terão no 5G uma ferramenta para aumentar a produtividade. Nosso agronegócio vai ser mais competitivo, nossa indústria vai ser mais competitiva, desde que existam políticas públicas que favoreçam a transformação digital, que removam as barreiras para a adoção de novas tecnologias.

Após leilão do 5G: Desafio é legislação. Só 28 cidades no país estão prontas para receber antenas

Visitantes de feira de eletrônicos em Las Vegas, nos EUA, experimentam equipamentos compatíveis com o 5G da Qualcomm: tecnologia já está em operação em vários países desde 2019, mas o Brasil deverá assumir Foto: Joe Buglewicz/NYT
Visitantes de feira de eletrônicos em Las Vegas, nos EUA, experimentam equipamentos compatíveis com o 5G da Qualcomm: tecnologia já está em operação em vários países desde 2019, mas o Brasil deverá assumir Foto: Joe Buglewicz/NYT

A GSMA tem projeções para o 5G na América Latina?

Para 2025, a estimativa da GSMA é que 20% das conexões no Brasil serão em 5G. Estamos falando de algo em torno de 50 milhões de conexões. Para a América Latina, a média esperada é de 12%. Prevemos que o Brasil será líder em conexões na região em 2025.

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No leilão do 5G no Brasil, foram oferecidas frequências de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz. Qual a diferença no uso dessas frequências para o 5G?

As frequências mais baixas oferecem maior alcance, e as mais altas, maior velocidade. O 5G precisa de diferentes faixas para diferentes usos. As faixas baixas, como o 700MHz, funcionam bem para a Internet das Coisas, conectando dispositivos em massa, que não precisam de velocidade. As faixas médias são para a banda larga e para aplicativos em geral. Mas algumas aplicações talvez exijam muita velocidade, que as bandas milimétricas podem oferecer.

Com a faixa de 700 MHz, que tem maior alcance, o 5G pode chegar à parcela da população que está excluída digitalmente em regiões pouco povoadas?

Acho que a implantação do 5G vai ser parecida com o que aconteceu com as gerações anteriores. Vai começar pelos centros urbanos, mas vai evoluir para as cidades menores. Para isso, as parcerias público-privadas serão importantes e barreiras terão que ser derrubadas. Hoje, o Brasil tem as taxas tributárias mais altas para o setor na América Latina. E há questões municipais. Agora, as frequências foram leiloadas, mas muitos municípios não são compatíveis com o 5G por causa da legislação para instalação de antenas. E o 5G vai precisar de mais antenas.

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Estamos à beira de uma revolução tecnológica?

Acho que sim. Tivemos saltos quando passamos do 2G para o 3G, do 3G para o 4G, mas agora não estamos falando apenas em um “G” a mais. Por isso tanto se fala na Quarta Revolução Industrial. Tivemos o vapor, a eletricidade e a computação. Agora, temos o 5G, que pode ser a tecnologia da Quarta Revolução Industrial.

Mas a tecnologia não basta, precisamos de políticas públicas para incentivar a demanda. Precisamos de investimento em educação para que as pessoas tenham mais habilidades tecnológicas, conheçam programação. O esforço deve ser não apenas para impulsionar a cobertura, instalar mais redes, ou vamos construir redes que não serão utilizadas em todo o seu potencial.