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Da ficção para a realidade, metaverso atrai investimentos milionários de 'big techs' e fundos globais

Já há 90 start-ups nesse mercado, que deve movimentar US$ 800 bilhões até 2024. Brasil tem potencial de crescer com jogadores de games
Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, mudou o nome da holding do grupo para Meta, para refletir sua aposta no metaverso Foto: Michael Nagle / Bloomberg
Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, mudou o nome da holding do grupo para Meta, para refletir sua aposta no metaverso Foto: Michael Nagle / Bloomberg

RIO - Imagine um mundo onde não há mais fronteiras entre espaço físico e digital. Nas ruas, pessoas poderão usar óculos que executam comandos para filmagem ou projeção de encontros com amigos que estão a quilômetros de distância.

Minutos depois, entram no escritório, onde as reuniões não são mais remotas ou presenciais — são um misto dos dois formatos, numa experiência imersiva. Na hora do almoço, dá para curtir um evento musical sem que o espaço físico limite o tamanho do público no local. Bem-vindos ao metaverso.

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Parte desse mundo, que pertencia aos filmes de ficção científica, já começa a se tornar realidade — e é a nova fixação das big techs , levando a uma onda de investimentos milionários em start-ups.

Na semana passada, o Facebook anunciou que seu nome corporativo será Meta — a rede social e suas outras marcas, como Instagram e Whatsapp, seguirão chamadas pelo seu nome atual.

A empresa já anunciou que vai investir US$ 50 milhões no metaverso e lançou o aplicativo Horizon Workrooms, para reuniões corporativas. E não está sozinha.

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Outras gigantes da tecnologia, como Microsoft, Tencent e Nvidia, têm investido pesado em soluções tecnológicas para essa nova realidade digital de experiência imersiva.

Mercado bilionário

Segundo projeções da Bloomberg Intelligence Unit, o metaverso deve movimentar US$ 800 bilhões até 2024.

Surgido no mundo dos games, essa realidade digital entrou no mundo corporativo, atraiu marcas e celebridades e fisgou consumidores ávidos por novidades, ainda que só virtuais. A Gucci já vendeu uma bolsa Dionysus, que só existe neste universo paralelo, na plataforma de games Roblox pelo equivalente a R$ 21,8 mil (ou 350 mil Robux, a “moeda local”).

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E uma live do avatar do cantor Travis Scott no game Fortnite atraiu nada menos do que 12 milhões de pessoas simultaneamente.

— A próxima onda da internet vai estar ligada ao metaverso. As empresas já entenderam que estar nos games é necessário para que elas vendam seus produtos. A atenção dos consumidores, assim como hoje está nas redes sociais, vai estar nesse ambiente. E, naturalmente, as empresas vão precisar estar lá — diz André Micelli, coordenador do MBA de Marketing e Negócios Digitais da FGV.

No metaverso, eventos poderão mesclar corpos físicos com virtuais Foto: Reprodução/Facebook
No metaverso, eventos poderão mesclar corpos físicos com virtuais Foto: Reprodução/Facebook

5G e ‘gadgets’ para imersão

O potencial desse novo ambiente alimenta uma onda de financiamentos a start-ups dispostas a ajudar a construir as bases para que o metaverso se incorpore ao cotidiano de bilhões de pessoas, do lazer ao mercado de trabalho. São vários os exemplos.

A Magic Leap, “unicórnio” que produz óculos de realidade aumentada, captou US$ 500 milhões para a criação de um fone de ouvido. O SoftBank, gigante que é um dos principais financiadores globais para start-ups, criou um fundo que investirá US$ 170 milhões na plataforma de metaverso Naver Z Corp.

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De acordo com dados do CB Insights, há pelo menos 90 start-ups empenhadas em construir o metaverso.

Essa indústria abrange desde equipamentos ( hardware ), passando pelos wearables (dispositivos eletrônicos, como óculos de realidade virtual), softwares de computação 3D e processos computacionais como NFTs (sigla para tokens não-fungíveis, uma espécie de selo virtual de autenticidade de objetos virtuais) e o blockchain (sistema que garante a segurança da operação).

Roblox é um dos fenômenos da atual geração de gamers. O jogador pode comprar de roupa a penteado no universo virtual Foto: Phil Noble / Reuters
Roblox é um dos fenômenos da atual geração de gamers. O jogador pode comprar de roupa a penteado no universo virtual Foto: Phil Noble / Reuters

Tem ainda a infraestrutura de redes de telefonia móvel com o 5G, cuja velocidade de conexão será determinante para permitir a experiência final do ser humano como usuário e criador de conteúdo no metaverso.

Potencial brasileiro

O Brasil também está na mira. Como destaca José Gabriel Bernardes, analista da gestora Fuse Capital, o país tem uma grande vantagem nesse mercado: consumidores. De acordo com a consultoria Newzoo, há 94,7 milhões de gamers no país

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— É certo que o consumidor brasileiro vai aderir ao metaverso, da mesma forma que já tem enorme aderência às redes sociais, com tempo médio gasto nelas bem maior do que em outros países. E essa mudança de nome do Facebook é mais uma prova de que a digitalização e descentralização estão virando realidade — diz Bernardes.

Segundo Guilherme Zanin, estrategista da Avenue Securities, a abertura de capital da Roblox favorece a atração de capital para essa empreitada. A plataforma de games , com jogos que simulam o metaverso, já tem 48 milhões de usuários ativos por dia, mais do que a população inteira da Espanha ou Canadá.

No 'metaverso', mundo do trabalho será cada vez mais interativo Foto: Reprodução/Facebook
No 'metaverso', mundo do trabalho será cada vez mais interativo Foto: Reprodução/Facebook

A empresa chegou à Bolsa de Nova York em março deste ano, valendo US$ 38 bilhões. A mudança de nome do Facebook atraiu para o tema investidores que são clientes da Avenue, diz Zanin:

— Apresentamos a eles empresas como a Fastly, Roblox, Nvidia, AutoDesk e inclusive o Meta ETF (fundo negociado em Bolsa com cerca de US$ 100 milhões em ativos, que reúne especificamente as empresas ligadas ao metaverso). Ninguém quer ficar de fora do que pode ser o futuro.

Sem ‘deslogar’ o avatar

Apesar das discussões sobre a criação do metaverso estarem mais avançadas em países como Estados Unidos e China, há espaço para empresas brasileiras, avalia Renato Valente, sócio do Iporanga Ventures, gestora de venture capital :

— Para funcionar, o metaverso tem que ser algo construído não por alguns, mas por muitos. Se não, serão vários “silos” e isso não gera valor no longo prazo. As empresas do Brasil podem participar com a construção de soluções para o metaverso ou um espaço, uma realidade dele.

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Thiago Toshio , especialista em tecnologia criativa de GoVision e BoomReal, explica que o principal entrave para a consolidação do metaverso é a interoperabilidade. Esse novo espaço deve ser a união de vários ambientes, permitindo ao usuário transitar entre plataformas sem “deslogar” seu avatar.

Fortnite: jogo também aposta em imersão no metaverso Foto: Divulgação
Fortnite: jogo também aposta em imersão no metaverso Foto: Divulgação

— Tem também a questão do 5G e da computação. Quando falamos de mundo 3D, precisamos de uma renderização, que é o processamento de um objeto nesse ambiente, (que deve ser rápido) para se ter uma experiência em tempo real sem ruídos. Isso depende de ferramentas e padrões de intercâmbio. Quais padrões precisam estar acordados entre as big techs ou as primeiras frentes de metaverso serão construídas fragmentadas? Há muito a ser desenvolvido — diz Toshio.

Conrado Leister, diretor-geral do Facebook no Brasil, em entrevista recente, reconheceu que o desenvolvimento desse extenso mundo virtual não é tão simples quanto nos filmes de ficção científica:

— Vai levar alguns anos, infelizmente ainda tem muito para desenvolver. Mas acho que vai ser disruptivo e concordo com a visão de que vai ser o novo sistema operacional de verdade. (Colaborou Julia Noia)