Exclusivo para Assinantes
Economia Tecnologia

Google enfrenta fuga de cérebros e futuro incerto: o império está começando a ruir?

Segundo executivos, estilo de liderança do CEO Sundar Pichai tornou as decisões lentas e levou a uma estagnação na gigante de buscas
Sundar Pichai, CEO do Google: lentidão nas decisões é criticada Foto: Tsering Topgyal / AP
Sundar Pichai, CEO do Google: lentidão nas decisões é criticada Foto: Tsering Topgyal / AP

OAKLAND, Califórnia - As sementes da queda de uma empresa, costuma-se dizer no mundo dos negócios, são plantadas quando tudo está indo muito bem.

É difícil argumentar que as coisas não estão indo bem para o Google. A receita e os lucros atingem novos máximos a cada três meses. A empresa controladora do Google, a Alphabet, vale US$ 1,6 trilhão. O Google se enraizou cada vez mais profundamente na vida das pessoas.

Mas executivos inquietos da gigante de buscas temem que a empresa esteja começando, aos poucos, a ruir.

Veja: 'Fui despedido por um robô': como a Amazon deixa máquinas decidirem o destino dos trabalhadores

Eles dizem que a força de trabalho do Google está botando, cada vez mais, a boca no trombone. Problemas de pessoal estão se espalhando para o público. Liderança decisiva e grandes ideias deram lugar à aversão ao risco. E alguns desses executivos estão saindo da empresa e deixando todos saberem exatamente o porquê.

“Eu continuo sendo questionado: por que eu fui embora agora? Acho que a melhor pergunta é: por que fiquei tanto tempo?”, escreveu num blog Noam Bardin, que ingressou no Google em 2013, quando a empresa adquiriu o serviço de mapeamento Waze, duas semanas depois de se demitir em fevereiro.

“Os desafios da inovação”, acrescentou ele, “só vão piorar à medida que a tolerância ao risco diminuir”.

Viés de inação

Muitos dos problemas do Google, disseram executivos atuais e ex-funcionários, derivam do estilo de liderança de Sundar Pichai, o afável e discreto CEO da empresa.

Quinze executivos atuais e ex-executivos do Google, falando sob condição de anonimato, disseram ao The New York Times que o Google estava sofrendo com muitas das armadilhas que surgem numa grande empresa em desenvolvimento : uma burocracia paralisante, um viés de inação e uma preocupação constante com a percepção da empresa pelo público.

Briga: E-mail, o novo front na guerra da Apple contra Google e Facebook

Os executivos, alguns dos quais interagiam regularmente com Pichai, disseram que o Google não agiu rapidamente nas principais movimentações de negócios e pessoal porque ele ruminou as decisões e atrasou a ação.

Eles disseram que o Google continuou a ser abalado por brigas culturais no local de trabalho e que as tentativas de Pichai de baixar a temperatura tiveram o efeito oposto, permitindo que os problemas piorassem, ao evitar posições difíceis e às vezes impopulares.

Um porta-voz do Google disse que pesquisas internas sobre a liderança de Pichai foram positivas. A empresa se  recusou a disponibilizar Pichai, 49, para comentar, mas conseguiu entrevistas com nove executivos atuais e ex-executivos para oferecer uma perspectiva diferente sobre sua liderança.

Por dentro da Amazon: O trabalho na gigante do e-commerce é um ambiente selvagem

— Eu ficaria mais feliz se ele tomasse decisões mais rápido? Sim — disse Caesar Sengupta, um ex-vice-presidente que trabalhou de perto com Pichai durante seus 15 anos no Google. Ele saiu em março. — Mas estou feliz por ele acertar em quase todas as suas decisões? Sim.

Desafios regulatóirios

O Google está enfrentando um momento perigoso. Ele está lutando contra os desafios regulatórios em casa e no exterior. Políticos de esquerda e direita estão unidos em sua desconfiança na empresa, tornando Pichai uma presença constante nas audiências do Congresso americano.

Interior da Google Store, em Nova York Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP
Interior da Google Store, em Nova York Foto: TIMOTHY A. CLARY / AFP

Mesmo seus críticos dizem que até agora ele conseguiu navegar nessas audiências sem irritar os legisladores ou fornecer mais munição para os inimigos de sua empresa.

Os executivos do Google que reclamam da liderança de Pichai reconhecem isso e dizem que ele é um líder atencioso. Eles reconhecem que o Google é mais disciplinado e organizado hoje em dia, uma empresa maior e gerida de forma mais profissional do que a que Pichai herdou há seis anos.

Durante seu tempo à frente do Google, ele dobrou sua força de trabalho para cerca de 140 mil pessoas, e o valor da Alphabet triplicou.

Você é o produto: Veja como seus dados pessoais são coletados e usados pelas 'big techs'

Não é incomum que uma empresa que cresceu tanto pareça lenta ou relutante em arriscar o que a tornou tão rica. Mas Pichai tomou algumas medidas para se opor a isso. Em 2019, por exemplo, ele reorganizou o Google e criou novos órgãos de tomada de decisão para que menos decisões precisassem de sua aprovação.

Mesmo assim, o Google, fundado em 1998, é perseguido pela percepção de que seus melhores dias ficaram para trás.

36 executivos deixaram a empresa

No Vale do Silício, onde o recrutamento e a retenção de talentos servem como referendo sobre as perspectivas de uma empresa, executivos de outras companhias de tecnologia disseram que nunca foi tão fácil persuadir um executivo do Google a abrir mão de um salário estável de sete dígitos por uma oportunidade em outro lugar.

Pichai, um ex-consultor da McKinsey, ingressou no Google em 2004 e rapidamente demonstrou um talento especial para navegar em uma empresa repleta de grandes egos.

Linha do tempo: Google está na mira da Justiça americana e europeia há mais de dez anos. Veja todos os processos

Em 2015, quando o Google passou a fazer parte da Alphabet, Pichai assumiu como CEO da gigante de buscas. Ele foi promovido novamente para supervisionar a empresa controladora quando Larry Page, um cofundador do Google, deixou o cargo de chefe da Alphabet quatro anos depois.

Em 2018, mais de doze vice-presidentes do Google tentaram avisar Pichai em um e-mail que a empresa estava passando por dificuldades de crescimento.

Eletrocardiograma em relógio inteligente da Fitbit: decisão sobre aquisição levou um ano Foto: MICHELE TANTUSSI / REUTERS
Eletrocardiograma em relógio inteligente da Fitbit: decisão sobre aquisição levou um ano Foto: MICHELE TANTUSSI / REUTERS

Eles disseram que havia problemas para coordenar as decisões técnicas e que o feedback dos vice-presidentes muitas vezes era desconsiderado.

Pressão: Monopólio de Google, Facebook, Apple e Amazon é alvo de novas leis aprovadas em comissão da Câmara dos EUA

Os executivos, muitos dos quais passaram mais de uma década na empresa, escreveram que o Google demorava muito a tomar grandes decisões, tornando difícil fazer qualquer coisa, de acordo com cinco pessoas com conhecimento do e-mail. A mensagem era clara: o Google precisava de uma liderança mais decisiva no topo.

Desde então, vários dos executivos que assinaram o e-mail pediram demissão para aceitar empregos em outro lugar. Pelo menos 36 vice-presidentes do Google deixaram a empresa desde o ano passado, de acordo com perfis do LinkedIn.

Fuga de cérebros

É uma fuga significativa de cérebros, que totalizam cerca de 400 gerentes e atuam como a espinha dorsal da liderança em toda a empresa.

O Google disse que está confortável com as taxas de desgaste de seu vice-presidentes, que têm permanecido estáveis nos últimos cinco anos.

Google: Negócio de publicidade on-line é alvo de investigação da União Europeia

Uma crítica comum entre atuais e ex-executivos é que as lentas deliberações de Pichai muitas vezes parecem uma maneira de seguir o caminho mais seguro e chegar a um "não".

Os executivos do Google propuseram a ideia de adquirir o Shopify como uma forma de desafiar a Amazon no comércio on-line há alguns anos. Pichai rejeitou a ideia porque achava que o Shopify era muito caro, disseram duas pessoas familiarizadas com as discussões.

Um ex-executivo disse que a aversão ao risco da empresa foi incorporada pela divisão de pesquisa e desenvolvimento, que só publica um novo produto se a concorrência aparecer com algo similar antes.

Leia: Em revés para Big Techs, Corte Europeia determina que órgãos nacionais do bloco têm competência para multá-las

Pichai também costuma ir devagar nas decisões sobre pessoal. Quando o Google promoveu Kent Walker a vice-presidente sênior de assuntos globais em 2018, a empresa demorou mais de um ano para selecionar Halimah DeLaine Prado para substituío. DeLaine já trabalhava há muito tempo na equipe jurídica da empresa.

Problemas de diversidade

A relutância de Pichai em tomar medidas decisivas sobre a volátil força de trabalho do Google tem sido notável.

Em dezembro, Timnit Gebru, uma de suas funcionárias negras mais conhecidas, foi demitida após criticar a abordagem do Google para a contratação de minorias e escrever um artigo de pesquisa destacando os preconceitos embutidos em sua tecnologia de inteligência artificial.

Inicialmente, Pichai ficou fora da briga.

Timnit Gebru foi demitida após enviar email a grupo de funcionários questionando 'silenciamento de vozes marginalizadas' Foto: Kimberly White / By TechCrunch
Timnit Gebru foi demitida após enviar email a grupo de funcionários questionando 'silenciamento de vozes marginalizadas' Foto: Kimberly White / By TechCrunch

Depois que dois mil funcionários assinaram uma petição protestando contra a demissão, Pichai enviou um e-mail prometendo restaurar a confiança perdida, enquanto continuava a promover a visão do Google de que Gebru não fora demitida. Mas isso ficou aquém de um pedido de desculpas, disse ela.

David Baker, ex-diretor de engenharia da divisão de confiança e segurança do Google que se demitiu em protesto contra a demissão de Gebru, disse que a  empresa deveria admitir que cometeu um erro em vez de tentar salvar as aparências.

— A falta de coragem do Google com seu problema de diversidade é, em última análise, o que fez evaporar minha paixão pelo trabalho — disse Baker, que atuou na empresa por 16 anos. — Quanto mais seguro o Google se torna financeiramente, mais avesso ao risco ele se torna.

Concentração de mercado: Entenda por que os EUA querem limitar o domínio das ‘big techs’

Algumas críticas a Pichai podem ser atribuídas ao desafio de manter a cultura aberta do Google numa força de trabalho muito maior do que antes, disseram os executivos do Google que a empresa indicou para falar ao New York Times.

— Não acho que ninguém mais poderia gerenciar esses problemas tão bem quanto Sundar — disse Luiz Barroso, um dos executivos técnicos mais sêniores da empresa.

Pichai fez questão de não agir como um “messias” de escritório - um chefe autocrático e grandioso que é frequentemente romantizado na indústria de tecnologia, mas pode tornar um local de trabalho tóxico, disse Aparna Chennapragada, ex-vice-presidente do Google.

As discussões para adquirir a empresa de rastreamento de atividades físicas Fitbit, que foram concluídas em janeiro, levaram cerca de um ano. Sameer Samat, um vice-presidente do Google, disse que Pichai identificou problemas potenciais no negócio que ele não havia considerado a princípio.

— Eu pude ver como essas múltiplas discussões podem fazer alguém sentir que somos lentos para tomar decisões — disse Samat. — A realidade é que essas são decisões muito grandes.