Quando decidiu abrir um espaço de meditação no Leblon, na Zona Sul do Rio, há três meses, a terapeuta Livia França quis aproveitar a popularidade em torno do 5G para abolir a internet fixa. Contratou um pacote para transmitir aulas pela internet, mas o entusiasmo dela e dos alunos das aulas on-line durou pouco.
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Não só não conseguiu estabilidade na nova rede, como teve de aderir a uma franquia de fibra óptica tradicional.
— Precisei colocar internet a cabo porque a rede 5G no Leblon travava o meu Zoom, e as pessoas não conseguiam meditar. Estavam todos ficando estressados em vez de relaxados. Vejo que a nova tecnologia ainda está em processo de desenvolvimento e isso vai acabar levando tempo — diz Livia, que se queixa da oscilação no trajeto de casa, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, ao Leblon, período em que fica no 4G a maior parte do tempo.
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O chamado 5G puro chegou ao Brasil há pouco mais de um ano com a promessa de internet ultraveloz, mas a tecnologia de quinta geração segue concentrada e com cobertura que frustra as expectativas de boa parte dos usuários.
Os investimentos das operadoras estão dentro do cronograma previsto pela Agência Nacional de Telecomunicações, mas os resultados ainda estão aquém das expectativas de quem contava migrar em caráter permanente para o 5G.
5G requer mais antenas
Segundo dados da Anatel, São Paulo, Rio e Distrito Federal concentram 54% das 13.500 antenas de 5G no país. Nas capitais, o 5G conta com uma antena para cada 50 mil habitantes. Embora esteja dentro da meta estipulada pelo governo, é essa proporção que traz a sensação de estar “fora da área de cobertura” ao passar de um bairro a outro ou simplesmente atravessar uma rua e enfrentar o “rebaixamento” para o 4G ou até 3G.
O número de torres instaladas no país para a tecnologia anterior, 4G, chega a 90.869. Isso significa proporção de uma antena para cada dez mil pessoas. A mesma correlação só será alcançada no 5G, de acordo com o edital, em 2025.
Para se ter uma ideia do tamanho do desafio, na China, a nova rede de quinta geração conta com uma antena para cada mil habitantes.
Segundo especialistas, a quinta geração opera em uma frequência que precisa de maior quantidade de antenas que as gerações anteriores. Estima-se que cada antena 5G custe de R$ 500 mil a R$ 600 mil.
Nos cálculos de Andre Gildin, da RKKG Consultoria, a quinta geração precisa de ao menos cinco vezes o número de antenas do 4G para ter a qualidade adequada em ambientes fechados e áreas externas. Nos grandes centros, a estimativa é que seria preciso incrementar em 20% a 25% o número de torres em relação ao total de antenas de 4G.
O que o 4G levou dois a três anos para conquistar, o 5G fez em um ano. A previsão é que, no ano que vem, já tenhamos uma antena 5G para cada 30 mil habitantes. Moisés Queiroz, conselheiro da Anatel
Moisés Queiroz, conselheiro da Anatel e presidente do Gaispi, grupo responsável por acompanhar a instalação da nova rede 5G, reforça que as teles estão implantando a rede acima do previsto no edital do leilão:
— O que o 4G levou dois a três anos para conquistar, o 5G fez em um ano. A previsão é que, no ano que vem, já tenhamos uma antena 5G para cada 30 mil habitantes. E devemos chegar a uma antena para dez mil habitantes em 2025.
Apenas 4,5% das linhas
A infraestrutura não é o único desafio para fazer a internet ultraveloz virar parte da rotina. Apesar de uma forte estratégia de marketing das operadoras, com ampliação do portfólio de produtos e redução no preço dos aparelhos, o país tem pouco mais de 11 milhões de linhas habilitadas para o 5G, o equivalente a 4,5% do total. Os celulares da quinta geração já somam mais de 60% dos modelos à venda.
O cenário macroeconômico também serve de freio ao apetite do consumidor. Os juros ainda estão em dois dígitos, o que limita o interesse por longos parcelamentos. Ainda assim, segundo o IDC, as vendas de aparelhos 5G cresceram 31% no primeiro trimestre em relação a igual período do ano passado, enquanto as vendas totais de smartphones recuaram 11%.
Os modelos de quinta geração respondem por 33,7% do total comercializado. Andréia Chopra, da IDC, estima que o preço médio do aparelho 5G vai cair cerca de 30% até o fim do ano.
O empresário Matheus Garcia tem uma pizzaria em Copacabana, na Zona Sul, e trabalha em uma construtora e diz não ter percebido grandes diferenças na rotina com 5G:
— Ainda é bem instável. Efetivamente, acho o ganho imperceptível. A sensação que tenho é que só mudaram o símbolo na tela do aparelho. Falta uma estrutura melhor para a rede, pois na Tijuca e em Vila Isabel percebo muita oscilação. Com o 5G, eu esperava algo revolucionário, mas segue basicamente igual.
Segundo Helio Akira Oyama, diretor de Gerenciamento de Produtos da Qualcomm para América Latina, uma dos maiores fabricantes de processador do mundo, os preços dos aparelhos 5G estão em queda por conta da maior escala. Segundo ele, a estratégia dos fabricantes é buscar popularizar os modelos de forma mais intensa. Ele cita os esforços da companhia em levar componentes 5G até então presentes nos modelos mais premium para smartphones de gama intermediária.
- Quando olhamos o mercado, notamos que no geral há queda, mas o 5G cresce, pois quem compra é um público de maior renda e mais imune aos desafios macroeconômicos. Conforme os preços baixem mais e a cobertura aumente, vamos ver a ampliação da base - afirma Oyama.
Novas funcionalidades
Segundo especialistas, as teles estão com apetite moderado em relação à ampliação da nova rede no interior. A Anatel já liberou a implantação em 1.712 cidades, tornando a tecnologia disponível para quase 70% da população.
Estamos vendo os celulares ficando cada vez mais baratos e isso ajuda na troca do smartphone. Com mais demanda, haverá mais oferta de rede, diz Marcos Ferrari, presidente executivo da Conexis
As empresas, porém, lançaram suas redes de forma comercial em 224 locais. Até dezembro, o órgão regulador pretende chegar a um total de dois mil municípios aptos até dezembro.
Marcos Ferrari, presidente executivo da Conexis, que reúne empresas de telecomunicações, diz que as empresas investiram R$ 38,1 bilhões no ano passado em infraestrutura. Ele destaca que o edital previa que o 5G teria que estar disponível em locais com mais de 500 mil habitantes até 2025, o que já foi feito:
— Há um anseio da população por velocidade, mas a densidade leva tempo. Estamos vendo os celulares ficando cada vez mais baratos e isso ajuda na troca do smartphone. Com mais demanda, haverá mais oferta de rede.
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Para Rodrigo Vidigal, diretor executivo de Vendas da Motorola, a migração mais intensa só vai ocorrer quando novas aplicações surgirem. O modelo mais barato da empresa passou de R$ 2 mil para R$ 1.299. Ele lembra que o 4G trouxe aplicativos inéditos de transporte e alimentação:
— Só a velocidade não é suficiente para acelerar a migração. Isso vai mudar quando houver senso de urgência, com iniciativas de latência zero (tempo de resposta) em carros inteligentes, entretenimento e games.