Tecnologia
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Por — Rio

Considerar a inteligência artificial (IA) generativa, como a do ChatGPT, como uma tecnologia que eliminará postos de trabalho é um erro, avalia o economista sueco-alemão Carl-Benedikt Frey, professor da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Ao ajudar os trabalhadores numa série de tarefas, as ferramentas de IA poderão facilitar o acesso a empregos mais qualificados e aumentar a produtividade, afirma ele. Por outro lado, devem reduzir os salários médios, o que terá efeitos positivos e negativos.

— Sou otimista quanto ao potencial da mudança tecnológica para impulsionar a produtividade e aumentar os padrões de vida, em média, mas, além disso, a mudança tecnológica tem efeitos redistributivos — diz Frey ao GLOBO.

Frey e o engenheiro Michael Osborne, também professor de Oxford, são autores de um dos mais citados trabalhos acadêmicos sobre os impactos da automação no mercado de trabalho, publicado em 2013. O estudo estimava que 47% dos trabalhadores nos Estados Unidos estavam em vagas que poderiam ser eliminadas em até duas décadas.

Naquela época, o burburinho da tecnologia girava em torno dos carros autônomos, e motoristas profissionais estavam entre os mais ameaçados.

Se hoje essa projeção parece exagerada, o sucesso do ChatGPT a partir do fim de 2022 voltou a colocar o futuro do trabalho sob os holofotes.

Em março do ano passado, um estudo o banco Goldman Sachs estimou que 300 milhões de empregos, no mundo todo, poderiam ser automatizados com a IA generativa. Em junho, a consultoria McKinsey estimou, em relatório, que os benefícios da IA generativa poderiam ter impacto de US$ 4,4 trilhões na economia mundial, mas atingiriam, principalmente, profissionais que trabalham com o conhecimento.

Agora, os pesquisadores de Oxford voltaram ao tema, em artigo recém-publicado em uma revista acadêmica da Universidade Brown, nos EUA. Para eles, o ChatGPT e seus pares não deverão mudar muito as perspectivas, porque simplesmente recombinam conteúdos já produzidos pela Humanidade. Mais do que substituir, ajudam os trabalhadores.

Maior concorrência

Segundo Frey, na última década o foco dos avanços tecnológicos passou da “capacidade de realizar atividades rotineiras baseadas em regras, tecnicamente especificadas em código de computador”, para a “capacidade de permitir que profissionais mais qualificados se tornem mais produtivos e exportem suas ideias e serviços mais facilmente.”

— A IA generativa, na sua forma atual, está essencialmente baixando as barreiras de entrada em diferentes atividades. Se você é um grande escritor, não vai se beneficiar muito dela, mas, se você não é tão bom, a ferramenta pode fazer de você um escritor médio — argumenta Frey.

Essa ajuda poderá ser positiva, ao permitir que trabalhadores menos qualificados se tornem aptos a assumir empregos antes fora de seu alcance. Esse ponto positivo já foi ressaltado pelo economista americano David Autor, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que sugere, em trabalho recente, que a IA generativa poderá ajudar profissionais de classe média.

Por outro lado, o maior número de trabalhadores capazes de assumir determinado emprego qualificado tenderá a reduzir o salário médio da ocupação em questão — quanto maior oferta de mão de obra, menores os salários. Os profissionais que já atuam nos empregos atingidos sairão perdendo.

No artigo, Frey e Osborne fazem uma comparação com a criação do Uber. A maior concorrência fez com que os rendimentos por hora de taxistas caíssem, em média, 10% nas cidades em que o app passou a atuar, apontam.

— Com Uber e Google Maps, qualquer um com carteira de motorista pode se tornar taxista e nem precisa saber o nome de cada rua em São Paulo ou no Rio. Isso significa mais gente dirigindo, pois mais pessoas podem ganhar a vida dessa forma, mas também significa mais competição — diz Frey.

Para ele, o mesmo pode ocorrer com a IA generativa, embora o efeito sobre os salários médios dependa da demanda por mão de obra. A qualidade dos recursos de tradução da tecnologia e a ajuda que ela dá em algumas tarefas, como escrever códigos de programação, poderá permitir que trabalhadores de países emergentes conquistem empregos em empresas de países desenvolvidos.

Trabalho sem fronteiras

Carl-Benedikt Frey: “A IA generativa, na sua forma   atual, está essencialmente baixando as barreiras de entrada em diferentes atividades” — Foto: Divulgação
Carl-Benedikt Frey: “A IA generativa, na sua forma atual, está essencialmente baixando as barreiras de entrada em diferentes atividades” — Foto: Divulgação

No setor de tecnologia da informação (TI) isso já é uma realidade, intensificada pelo aumento do trabalho remoto na pandemia. Programadores que moram em São Francisco, nos EUA, cidade com um dos maiores custos de moradia no mundo, poderão perder seus empregos para profissionais do Brasil, que talvez aceitem ganhar menos.

— Após a pandemia, mais pessoas estão trabalhando remotamente. Isso significa que o trabalho pode ser feito de qualquer lugar. E temos grandes diferenças no custo de mão de obra, conforme a localidade — explica Frey.

Nesse ponto, a IA generativa pode ser “uma tecnologia equalizadora”, ao elevar a produtividade de trabalhadores nas parcelas mais baixas de renda, principalmente em países emergentes.

— Haverá um incentivo muito poderoso para as firmas terceirizarem no exterior mais tarefas, empregos e atividades. Aí a empresa pode contratar alguém em Manila (nas Filipinas), no Cairo (no Egito) ou em Bangalore (na Índia). Isso pode ser realmente positivo para países em desenvolvimento com uma infraestrutura de TI altamente desenvolvida e com uma população razoavelmente educada — afirma o professor de Oxford.

Nesse cenário, explica Frey, a geração de empregos em países emergentes ocorrerá “às custas dos trabalhadores nas economias avançadas.” Ou seja, há o potencial de nivelar rendimentos de trabalhadores na comparação de um país com outro, mas não necessariamente dentro de cada mercado de trabalho nacional.

O economista Leonardo Monasterio, pesquisador do Ipea e professor do IDP, avalia, no entanto, que o impacto poderá ser maior do que preveem Frey e Osborne.

Primeiro, porque a tecnologia está em seus primórdios — problemas como a “alucinação” devem ser resolvidos.

Monasterio também discorda da avaliação de que a IA generativa serve apenas para ajudar ou aumentar a produtividade. A recombinação de conteúdos já produzidos faz parte da atividade humana, e as ferramentas poderão fazer isso mais rápido e melhor.

Por fim, ressalta o economista, as possibilidades de aplicação da tecnologia deverão aumentar.

Investir em educação

Mas, seja o impacto da IA generativa na eliminação de empregos maior ou menor, para que trabalhadores de países emergentes se beneficiem será preciso melhorar a educação básica, lembra Frey.

Monasterio chama a atenção para outro aspecto relacionado a educação e formação profissional: o aumento na produtividade decorrente da ajuda das ferramentas de IA na execução de uma série de tarefas será o mesmo se o profissional não souber fazer o trabalho?

— O profissional pode começar a ter o relatório já gerado, bonitinho, sem ter sentado e feito o relatório sozinho. Isso pode tirar dele uma habilidade. É uma ferramenta que, em certa medida, não vai desenvolver habilidades que são importantes. Para desenhar muito bem usando a IA, talvez o profissional tenha que ter um período de aprendizado desenhando sem IA — diz o professor do IDP.

A baixa qualificação dos trabalhadores é frequentemente citada como uma particularidade das economias emergentes quando o assunto é substituição de empregos por tecnologias de automação.

Trabalhadores vulneráveis

Países como o Brasil tendem a ter mais trabalhadores vulneráveis, em vagas com potencial de serem eliminadas. Segundo a mesma metodologia do estudo de 2013 de Frey e Osborne, em 2022 58,4% dos brasileiros trabalhavam em vagas ameaçadas de extinção, acima dos 47% para os EUA.

A estimativa para o Brasil é da economista Ana Tereza Santos, da consultoria IDados. Ela e o economista Bruno Ottoni, hoje pesquisador da FGV, aplicaram a metodologia para o mercado de trabalho brasileiro em um estudo de 2019, com dados de 2017. O trabalho foi publicado em revista acadêmica em 2022.

Operadores de telemarketing, motoristas de automóveis, táxis e caminhões, cobradores, balconistas dos serviços de alimentação, garçons, assistentes administrativos e auxiliares de escritório estão entre os empregos mais ameaçados pela automatização, conforme a classificação de Frey e Osborne.

Pesquisadores das universidades de Princeton e de Nova York, nos EUA, incluíram professores universitários, de diversas áreas, no rol das profissões mais expostas, ao atualizarem em março do ano passado, por causa do advento do ChatGPT, um índice de exposição de empregos à IA.

Segundo o economista Bruno Ottoni, pesquisador da FGV, a velocidade dos atuais avanços tecnológicos, com base na IA, somada às desigualdades na qualificação dos trabalhadores, poderá ter impactos negativos no Brasil se não houver avanços na educação e no treinamento profissional. O risco é os trabalhadores menos escolarizados enfrentarem um desemprego estrutural, enquanto haverá escassez de mão de obra nas atividades mais tecnológicas.

— Os entrantes no mercado de trabalho não serão suficientes para preencher as vagas mais qualificadas que vão abrir. De alguma maneira, será necessário pegar quem perdeu o emprego e requalificar — afirma Ottoni.

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