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'Os produtos do Facebook prejudicam as crianças e enfraquecem nossa democracia', diz delatora em audiência no Senado dos EUA

Frances Haugen, ex-funcionária da empresa, revela detalhes a senadores sobre estratégias da gigante de tecnologia para aumentar seus ganhos
Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, revelou que empresa sabia que causava danos a usuários Foto: Reprodução/Comissão Federal de Comércio dos EUA
Frances Haugen, ex-funcionária do Facebook, revelou que empresa sabia que causava danos a usuários Foto: Reprodução/Comissão Federal de Comércio dos EUA

RIO e WASHINGTON - Um dia após o Facebook e seus aplicativos Instagram e WhatsApp ficarem quase seis horas fora do ar , desencadeando críticas contra seu domínio na comunicação digital, a companhia volta aos holofotes. Desta vez, está no alvo do Senado americano, onde sua ex-gerente de produto, Frances Haugen, participa nesta terça-feira de uma audiência.

Haugen foi quem vazou documentos internos da gigante de tecnologia para o Wall Street Journal, mostrando que a companhia sabia que postagens no Instagram causavam danos à saúde mental de adolescentes.

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Ela teve sua identidade revelada no domingo, quando, em entrevista ao programa 60 Minutes, da CBS, contou como a estratégia do Facebook visava a aumentar o engajamento dos usuários, alimentando divergências entre eles. Nesta terça, ela deu detalhes dessa estratégia e fez referência à pane das plataformas do grupo no dia anterior:

— Ontem (segunda), vimos o Facebook ser retirado da internet. Não sei por que caiu. Mas sei que por mais de cinco horas o Facebook não foi usado para aprofundar divisões, desestabilizar democracias e transformar meninas e mulheres que se sentem mal com seus corpos — afirmou Haugen aos congressistas, durante seu depoimento.

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E continuou:

— Os produtos do Facebook prejudicam as crianças, alimentam a divisão e enfraquecem nossa democracia.

Frances Haugen revela detalhes da rede social em depoimento a senadores
Frances Haugen revela detalhes da rede social em depoimento a senadores

O porta-voz do Facebook, Kevin McAlister, disse em um e-mail antes do ínicio da audiência que a empresa vê a proteção de sua comunidade como mais importante do que maximizar os lucros e disse que não era preciso que pesquisas internas divulgadas demonstrassem que o Instagram era "tóxico" para adolescentes.

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Mas Haugen disse durante seu depoimento que nenhum regulador tem um "menu de soluções" para consertar o Facebook, justamente porque a plataforma não queria que soubessem o suficiente sobre o que está causando os problemas. "Do contrário, não haveria necessidade de um denunciante", disse.

A delatora também destacou que a companhia de Mark Zuckerberg repetidamente identificou conflitos entre seus lucros e a segurança de usuários, e que consistentemente resolveu esses conflitos em favor de seus próprios ganhos.

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— O resultado tem sido mais divisão, mais dano, mais mentiras, mais ameaças e mais combate. Em alguns casos, isso levou à violência real — completou Haugen.

À senadora Cantwell, Haugen disse que Mark Zuckerberg foi informado de que havia mudanças que poderiam ser feitas na plataforma para prevenir que a rede ofertasse conteúdo nocivo e optou por não fazer nada porque teria um impacto nos lucros.

'Empresa oculta informações dos governos'

Ela destacou ainda casos de radicalização por meio das redes sociais, citando episódios de violência e genocídios em muitos países como Mianmar e Etiópia, além do ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA por apoiadores do então presidente Donald Trump - e disse que a empresa tem consciência dos efeitos de suas plataformas sobre as pessoas, especialmente sobre as crianças.

A ex-funcionária do Facebook também disse que a companhia impede pesquisadores de obter dados da plataforma.

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— Quase ninguém fora do Facebook sabe o que acontece dentro do Facebook. O Facebook dirá que privacidade significa que eles não podem fornecer dados. Isso não é verdade. A empresa intencionalmente oculta informações vitais do público, do governo dos Estados Unidos e de governos em todo o mundo.

'Facebook precisa admitir erro'

Haugen disse que ninguém na empresa responsabiliza Mark Zuckerberg pelas estratégias corporativas da empresa, mas que o estilo de gestão do CEO levou a um ciclo problemático.

— As métricas tomam a decisão. Infelizmente, isso em si é uma decisão e, no final, (Zuckerberg) é o CEO do Facebook, ele é responsável por essas decisões. (...) O Facebook tem lutado por muito tempo para recrutar e reter o número de funcionários que precisa para lidar com o grande escopo de projetos que escolheu assumir. Isso faz com que haja falta de pessoal nos projetos, o que causa escândalos, o que dificulta a contratação.

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Ela continua:

— É por isso que a empresa precisa vir e dizer: 'Fizemos algo errado. Fizemos algumas escolhas das quais nos arrependemos'. A única maneira de seguir em frente e curar o Facebook é primeiro ter que admitir a verdade.

Haugen entregou documentos internos da empresa para parlamentares, reguladores e meios de comunicação. As histórias publicadas pelo 'Wall Street Journal' mostraram que a empresa contribuiu para aumentar a polarização online ao fazer alterações em seu algoritmo de conteúdo; falhou em tomar medidas para reduzir a hesitação vacinal; e estava ciente de que o Instagram prejudicava a saúde mental de meninas adolescentes.

A audiência trata da proteção de crianças no ambiente digital, com foco no testemunho dela e deve elevar a pressão por mais regulação do Facebook e outras empresas do setor.

Processo contra o Facebook

A Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC na sigla em inglês), processou o Facebook, alegando que a empresa se envolveu em uma estratégia anticompetitiva de comprar empresas, incluindo o serviço de compartilhamento de fotos Instagram e a plataforma de mensagens WhatsApp, para neutralizá-las como potenciais concorrentes.

A FTC inicialmente aprovou ambos os acordos, mas agora diz que eles devem ser revogados.

Alexandria Ocasio-Cortez, congressista americana, criticou o poder "monopolista" do Facebook em seu perfil no Twitter.

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"Se o comportamento monopolista do Facebook fosse verificado quando deveria ter sido (talvez na época em que começou a adquirir concorrentes como o Instagram), pessoas que dependem do WhatsApp e Instagram para comunicação ou comércio estariam bem agora", tuitou Ocasio-Cortez.

Ela completou:

"É quase como se a missão monopolista do Facebook de possuir, copiar ou destruir qualquer plataforma concorrente tivesse efeitos incrivelmente destrutivos na sociedade livre e na democracia", escreveu Ocasio-Cortez.

"O WhatsApp não foi criado pelo Facebook. Foi um sucesso independente. FB ficou com medo e comprou."