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Países do G7 fecham acordo histórico para taxar multinacionais, o que inclui gigantes de tecnologia

Imposto corporativo será de no mínimo 15% e põe fim a divergências entre UE e EUA. Iniciativa abre caminho para pacto global
Ministros das Finanças de países membros do G7 durante reunião em Lancaster House, em Londres. Foto: HENRY NICHOLLS / AFP
Ministros das Finanças de países membros do G7 durante reunião em Lancaster House, em Londres. Foto: HENRY NICHOLLS / AFP

LONDRES — Os ministros das Finanças do G-7 concordaram  com o esboço de um acordo global sobre tributação que poderia dar aos governos maiores possibilidades de tributar empresas multinacionais, com destaque para as gigantes da tecnologia dos Estados Unidos, e estabelecer um piso para as taxas corporativas em todo o mundo.

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As medidas têm como objetivos evitar que essas empresas busquem paraísos fiscais e que paguem mais tributos  nos países onde operam, além de adaptar o sistema existente  para lidar com o comércio de bens intangíveis, como dados e informações.

Os ministros descreveram o pacto como um momento histórico que pode remodelar o comércio global e solidificar as finanças públicas que foram corroídas depois de mais de um ano de combate à pandemia do coronavírus.

O acordo vem após vários anos de negociações tensas e, se promulgado, reverterá uma corrida para o fundo das taxas de impostos internacionais. Também encerraria uma disputa entre os EUA e a Europa sobre como tributar as grandes empresas de tecnologia.

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Além dos Estados Unidos, fazem parte do G-7, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão. O anúncio de hoje abre o caminho para um acordo mais amplo do G-20 já no próximo mês.

“Esse imposto mínimo global acabaria com a corrida para o fundo da tributação das empresas e garantiria justiça para a classe média e os trabalhadores nos EUA e em todo o mundo”, disse a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, em um comunicado após as negociações.

Pelo menos 15%

Os países concordaram em apoiar uma nova alíquota tributária mínima global de pelo menos 15% que as empresas teriam de pagar independentemente de onde instalassem suas sedes.

O acordo também imporia um imposto adicional sobre algumas das maiores empresas multinacionais, forçando gigantes da tecnologia como Amazon, Facebook e Google a pagar impostos aos países com base em onde os bens ou serviços são vendidos, independentemente de terem uma presença física naquele país.

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O ministro das Finanças britâncio,  Rishi Sunak, disse que as empresas globais com margens de lucro de pelo menos 10% enfrentariam o imposto e que 20% de qualquer lucro acima dessa margem seria realocado e então sujeito a impostos nos países onde realizam vendas.

— É um acordo histórico para reformar o sistema tributário global, para torná-lo adequado para a era digital global e, fundamentalmente, para garantir que seja justo, para que as empresas certas paguem os impostos certos nos lugares certos —  ressaltou Sunak.

Embora o acordo seja um grande passo, muitos desafios permanecem. No mês que vem, os países do G-7 vão buscar o apoio das nações do G-20, que se reunirão em Veneza, na Itália.

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Em caso de sucesso, as autoridades esperam que um acordo final possa ser assinado pelos líderes do G-20 quando eles se reunirem novamente em outubro.

— Pela primeira vez em vários anos, os membros do G-7 são capazes de definir regras para o sistema internacional do século 21. Há quatro anos lutamos em todos os fóruns europeus e internacionais, aqui no G-7 e no G-20, por uma tributação justa dos gigantes digitais e por um imposto corporativo mínimo — afirmou o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire.

Embora muitos detalhes técnicos ainda precisem ser decididos nas próximas semanas, o G-7, na sexta-feira, sinalizou um avanço na questão de como dividir os despojos de taxar empresas de tecnologia.

Isso sempre se provou complicado,  já que os EUA recusaram qualquer restrição a empresas digitais nas novas regras. Mesmo assim, os europeus, sob pressão política dos eleitores para fazer as empresas de tecnologia pagarem mais, sempre quiseram visar explicitamente o digital em qualquer nova iniciativa.

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O tema é um dos dois pilares de uma discussão que dura anos na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O outro objetivava estabelecer um imposto mínimo global para que os países possam cobrar os lucros que suas empresas registram em jurisdições com baixa tributação.

— As mudanças propostas em nossas regras tributárias internacionais estabelecerão uma nova estrutura por muitas décadas. Os países e as empresas precisam pensar profundamente sobre as mudanças com uma visão de longo prazo —  disse Melissa Geiger, chefe de política tributária da KPMG.

Enquanto outros setores da economia global sofreram perdas, as empresas de tecnologia turbinaram seus ganhos durante a pandemia. No primeiro trimestre, a Amazon registrou seu maior lucro de todos os tempos , totalizando US$ 8,1 bilhões.

A Alphabet, empresa controladora do Google, anunciou que receita aumentou para US$ 55,31 bilhões no primeiro trimestre, contra US$ 41,16 bilhões um ano antes. Já a Microsoft  teve um faturamento  de US$ 41,7 bilhões.

O Facebook também se beneficiou da continuidade da alta demanda por conectividade em meio à pandemia no início deste ano. O lucro no primeiro trimestre foi de US$ 9,5 bilhões.

Mudança de postura

Durante a presidência de Donald Trump, a divisão global de questões digitais se transformou em uma batalha de medidas unilaterais e ameaças de sanções comerciais, que embora suspensas, ainda estão em vigor.

Yellen manteve a posição da era Trump de se opor à seleção de empresas digitais americanas, como Amazon e Facebook, embora ela oferecesse uma solução para tributar as multinacionais de forma mais ampla.

A antipatia era maior entre Paris e Washington, já que a França foi o primeiro país a contornar o lento processo da OCDE sobre como tributar os lucros, optando por uma cobrança polêmica exclusivamente sobre as receitas digitais de grandes empresas em operação.

A chegada de Joe Biden à Casa Branca mudou drasticamente a situação. Sua administração eliminou o complexo sistema de definição de qual tipo de negócio se enquadraria no escopo das novas regras e o substituiu por uma abordagem simplificada.

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O acordo do G-7 sugere que os EUA e a Europa encontraram uma forma de estabelecer um escopo. Mas não houve detalhes sobre como exatamente estabelecer os limites, o que precisará ser resolvido nas negociações na OCDE que se reunirão no final de junho.

Veneza marca outra oportunidade de progresso. Embora possa resultar em um amplo acordo político, alguns países precisarão primeiro aprovar a legislação nacional. A OCDE afirmou que um acordo final não deve ser atingido antes de outubro

— As chances de um acordo global aumentaram significativamente. Agora devemos dar o último passo para expandir este consenso a todos os membros do G20 e todos os países envolvidos na estrutura inclusiva da OCDE —  disse o comissário de Economia da União Europeia, Paolo Gentiloni.

Reações

Em comunicado, o Google disse apoiar o trabalho que está sendo feito para atualizar as regras tributárias internacionais.

"Esperamos que os países continuem trabalhando juntos para garantir que um acordo equilibrado e duradouro seja finalizado em breve", disse o porta-voz do Google, José Castañeda, em um comunicado por e-mail.

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O chefe de assuntos globais do Facebook, Nick Clegg, saudou o acordo em uma rede social.

"O Facebook há muito pede uma reforma das regras tributárias globais e saudamos o importante progresso feito no G7", disse Clegg no Twitter.