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Economia Tecnologia

Redes sociais fazem competição implacável pela nossa atenção, diz ex-funcionário do Google

James Williams diz que tempo gasto não é só distração cotidiana, mas coloca em risco nosso propósito moral e futuro
James Williams, ex-funcionário do Google e autor de Liberdade e resistência na economia da atenção Foto: Divulgação
James Williams, ex-funcionário do Google e autor de Liberdade e resistência na economia da atenção Foto: Divulgação

RIO — Quantas vezes você já se pegou assistindo vídeos no YouTube em looping sem rumo? Ou passando o feed do Instagram de madrugada até pegar no sono? Na “era da atenção”, em que o tempo gasto nas redes sociais vale ouro para as empresas, a sua atenção também tem um preço — e pode custar caro sem que você perceba.

Essa é uma das provocações trazidas por James Williams no livro “Stand Out of Our Light”, publicado em 2018 e que acaba de ser traduzido com o título “Liberdade e resistência na economia da atenção”, pela editora Arquipélago.

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Ex-funcionário do Google, Williams viu de perto a lógica das engrenagens da big tech . E se o ato de entregarmos nossos hábitos às plataformas pode parecer ter pouco efeito sobre as nossas vidas, o pesquisador afirma que a atração constante da nossa atenção por meio dos algoritmos não resulta só em mera distração cotidiana: ela coloca em risco nosso propósito moral e nosso futuro.

Em 2016, Williams deixou o Vale do Silício para conduzir uma pesquisa de doutorado em Oxford sobre a ética no design — estudo que lhe rendeu o prêmio Nine Dots em 2017 e no qual se baseou seu livro, lançado no ano seguinte. Três anos depois, o autor afirma que a economia da atenção continua arraigada e é preciso que coloquemos essas “máquinas de persuasão” sob nosso controle.

Veja a seguir os principais trechos da conversa dele com O GLOBO.

Na disputa pela atenção, usuário é produto

“No contexto digital, a economia da atenção refere-se ao ambiente de competição implacável pela nossa atenção por parte dos serviços digitais que utilizamos todos os dias. Essa captura e exploração de nossa atenção é o objetivo principal do design da maioria dos serviços digitais — especialmente aqueles que chamamos erroneamente de grátis, mas onde, como costuma ser dito, o usuário é o produto. Isso resultou, de maneira geral, no projeto mais poderoso de controle comportamental e atitudinal humano da história.”

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“Para fazer qualquer coisa que importe, seja individualmente ou em colaboração com outras pessoas, primeiro temos que ser capazes de dar atenção às coisas que importam. Nosso mundo é assolado por um grande número de desafios, sendo a crise climática o principal deles".

"Mas não podemos enfrentar nenhum desses desafios, a menos que possamos dar o tipo certo de atenção a eles. A atenção é, portanto, uma preocupação de primeira ordem. Não podemos escolher para onde dirigir o carro se o para-brisa estiver coberto de lama — temos que limpá-lo primeiro. Não podemos criar nossas vidas ou sociedades de maneira significativa, a menos que tenhamos controle sobre nossa atenção.”

Ameaça não se resume ao conteúdo

“A consciência dessas questões é maior do que era em 2017 (quando o livro foi escrito), mas não estamos mais perto de navegar para sair delas. As discussões que começam em termos de atenção inevitavelmente são reformuladas em termos informativos. Debates sobre manipulação rapidamente se transformam em debates sobre ‘desinformação’, ‘notícias falsas’ e assim por diante."

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"Em outras palavras, as preocupações com os efeitos tornam-se preocupações com o conteúdo. Isso evita que soluções significativas sejam propostas e, em última análise, ajuda a consolidar ainda mais o poder das plataformas dominantes. Nada mudou na estrutura fundamental da economia da atenção. A economia da atenção continua arraigada como sempre.”

“Os vilões são, em última análise, os incentivos para a captura e exploração da atenção humana. Um dos maiores incentivos, embora não o único, é o modelo de negócios da publicidade. A publicidade surgiu em um mundo com escassez de informações, mas agora que as informações são abundantes, não está claro qual é o propósito social, se houver, a que a publicidade serve. Existe até uma questão importante sobre o que agora conta como publicidade.”

Solução é também política e cultural

“A solução tem muitas dimensões e discuto várias. Não acho que rejeitar a tecnologia seja viável ou desejável. Em um nível superior, temos de reconhecer a crise de atenção como problema político e cultural que existe e colocar esses sistemas sob nosso controle.”

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“Certamente as autoridades têm um papel nisso. Reformar a economia da atenção deve ser a principal prioridade de todo líder político.”

"Fico relutante em prescrever dicas práticas, em parte porque há tão poucas e em parte porque o problema é sistêmico por natureza. Mas aqui estão duas: primeiro, instale um bloqueador de anúncios em todos os lugares que puder. E segundo, pare de usar o termo “mídia social”. Costumo chamar de ‘exercícios de atenção’ ou ‘máquinas de persuasão’.”