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Economia

'Vai ser muito difícil corrigir esse Orçamento’, diz Ana Paula Vescovi

Para a economista-chefe do Santander, tal como está, deve causar a paralisação temporária de áreas do governo ao longo do ano
Para a economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi, vai ser muito difícil corrigir o texto do Orçamento Foto: Andre Coelho / Agência O Globo
Para a economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi, vai ser muito difícil corrigir o texto do Orçamento Foto: Andre Coelho / Agência O Globo

SÃO PAULO — O Orçamento aprovado pelo Congresso tem sérios problemas e, tal como está, deve causar a paralisação temporária de áreas do governo ao longo do ano, segundo a economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi.

Segundo ela, as concessões feitas para emendas parlamentares no texto aprovado vão comprometer temporariamente a condução de políticas públicas se forem mantidas, devido à escassez de recursos públicos disponíveis para a execução do previsto.

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Para a economista, a decisão do STF de anular condenações do ex-presidente Lula antecipou a corrida eleitoral e, somadas ao quadro fiscal e à crise sanitária, soterram a possibilidade da aprovação das reformas administrativa e tributária neste ano.

Apesar disso e do atual estágio da pandemia no Brasil, com um número de mortes próximo de 4.000 por dia, o país deve crescer em ritmo mais acelerado a partir de julho, segundo as previsões do Santander.

Em entrevista ao GLOBO, Vescovi, diz que o número de doses de vacinas contra o coronavírus aplicadas por dia no país deve saltar de 700 mil para 1,5 milhão na segunda metade deste ano.

O banco revisou de 2,9% para 3% sua projeção para o crescimento do PIB deste ano. Se o nível de atividade econômica do fim de 2020 fosse mantido, a alta seria de 3,6%.
Para 2022, o ajuste na estimativa do banco foi para baixo, de 2,3% para 2%.

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O Orçamento aprovado pelo Congresso é irreal em face às despesas obrigatórias. Qual o impacto disso nas contas públicas?

O texto que saiu dessa aprovação do Orçamento é muito preocupante, acirra essa percepção de risco sobre o cenário fiscal e alcança um limite muito perigoso sem um contexto de reformas.

Temos uma dificuldade clara para este ano, vai ser muito difícil corrigir esse Orçamento. Temos uma insuficiência importante de recursos e uma pressão por emendas parlamentares, com a aplicação de recursos em infraestrutura que não são compatíveis com o momento grave de pandemia que estamos vivendo.

Como isso deve evoluir até 2022, que é um ano eleitoral?

Teremos um acirramento de incertezas e riscos e uma atuação no limite das possibilidades da política econômica como um todo. O Orçamento, tal como está, implica um ano de 2021 com escassez de recursos em áreas do governo e políticas públicas.

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Isso traz riscos de shutdowns localizados, temporários, e um acirramento do ambiente político em si. É difícil lidar com escassez de recursos, e isso é um complicador para discussão de quaisquer reformas ou medidas que possam ser percebidas como duras.

O banco revisou ligeiramente para cima a projeção do PIB para este ano, de 2,9% para 3%. Atualmente, temos a pandemia no seu pior estágio no Brasil e medidas restritivas nos estados. Qual o impacto disso na economia?

Há o agravamento de contágios, com aumento do número de mortes e a rede hospitalar chegando ao limite mais recentemente, o que levou às restrições de mobilidade. Isso já impacta o final do primeiro trimestre, em março.

Dado o fechamento positivo da economia no último trimestre, temos um carregamento estatístico muito positivo para o início do ano, e tivemos dados positivos em janeiro e moderados em fevereiro. O do trimestre deve crescer 0,2%. Por outro lado, com o agravamento da pandemia, ficaremos com um PIB mais negativo no segundo trimestre, com queda de 0,6% no segundo trimestre.

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Em abril, vamos sentir o auge dessas restrições de circulação e, a partir de maio, a gente vai começar a ver um processo de distensão, com uma expectativa de normalização mais no fim do ano.

A média desses indicadores de mobilidade, porém, quando comparamos ao auge da pandemia em 2020, vemos que as restrições são a metade das do passado. Nós consideramos isso para acreditar que o maior impacto sobre a atividade econômica será no segundo trimestre de 2021.

E o ritmo de vacinação, quando deve melhorar?

Nós temos o nosso cenário de vacinação chegando a 700 mil doses diárias até o final do primeiro semestre e a partir do segundo semestre uma aceleração para 1,5 milhão de média diária de doses aplicadas.

Como deve se comportar o desemprego ao longo do ano nesse cenário?

A relação entre mobilidade, reabertura do setor de serviços e geração de empregos é direta. É o setor de serviços que vai liderar a recuperação de empregos. As taxas de desemprego devem aumentar principalmente no segundo trimestre. O desemprego deve se aproximar dos 17% antes de começar a cair. No fim do ano deve chegar a 15%.

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A melhora na geração de empregos deve ocorrer a partir do terceiro trimestre, quando teremos um cenário de melhora nas restrições de mobilidade e um maior ritmo de vacinação.

E quanto aos juros, qual deve ser o comportamento?

Observamos o BC antecipar o viés de alta da Selic recentemente (com alta de 0,75 ponto percentual na taxa). Há poucos países fazendo isso em meio ao agravamento da pandemia, mas foi necessário diante da consistência do choque inflacionário que que tivemos desde o fim do ano passado. O BC sinalizou (que fará) uma alta da Selic mais forte, no início do processo de aperto monetário, embora também sinalize uma normalização parcial. Nossa previsão para o fim do ano passou de 4% para 5,5%.

A polarização política fomentada pelo presidente Bolsonaro e acirrada com o retorno do ex-presidente Lula ao cenário político tem impactos no risco país?

A gente já esperava um início precoce da corrida eleitoral (antes da anulação das condenações de Lula). A previsão era de ter um ano curto, com a pandemia estava demorando para se equilibrar. Agora, a pandemia se agravou e vemos o início das discussões eleitorais já acontecendo em função das decisões do Supremo, o que fecha ainda mais a janela de reformas que a gente esperava para o ano.

É possível algum tipo de discussão de reformas até 2022, seja a reforma administrativa ou tributária?

Nosso cenário-base é não contar com a aprovação de nenhuma reforma, até porque as duas aprovações mais recentes, a da PEC Emergencial e a do Orçamento, mostraram as dificuldades que a gente tem neste momento de endereçar medidas de ajuste fiscal em particular.

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Recentemente, o presidente mudou o comando das Forças Armadas em um movimento que evidenciou mais uma crise institucional. Como os investidores observam isso?

O cenário institucional é importante e observado. A diretriz foi muito clara no comando das Forças Armadas de um compromisso constitucional com a institucionalidade democrática no Brasil, o que é um sinal muito importante, mas a estabilidade político-institucional é o primeiro item de uma lista que os investidores estrangeiros fazem para avaliar o ambiente de negócios de investimentos de longo prazo no país.

O que os investidores têm levado mais em conta na análise do quadro econômico no Brasil?

Hoje, o contexto da pandemia e a sua evolução é a principal observação que existe, até porque a gente está aqui com uma variante do vírus com altíssimo contágio e com um quadro de piora da pandemia enquanto muitos países estão com quadro de melhora. O Brasil não é o único que está piorando, temos dificuldades de vacinação na Europa, e um quadro de restrição global de vacinas.

O país já tem hoje um cenário possível de contratação de 550 milhões de doses, mas isso vai ficar mais seguro no segundo semestre na nossa previsão.

O contraponto é que essa pauta da pandemia é prioritária, e tira espaço para que a gente possa avançar na pauta de reformas.

Como o país tem sido visto pelo investidor de longo prazo?

O Brasil é um país relevante para o investidor estrangeiro, que tem observado com muito cuidado os avanços que temos tido na infraestrutura e nos marcos regulatórios, como a venda de ativos da Petrobras, a nova lei de saneamento, a nova lei do gás, o leilão do 5G. O Brasil tem tido um esforço para modernizar os marcos regulatórios e isso chama a atenção do estrangeiro que olha para o país interessado em investimento de longo prazo.

Temos questões importantes que influenciam no longo prazo, como a eventual entrada do Brasil na OCDE. Temos que fazer nossa lição de casa e os investidores observam nossos próximos passos. Eles vêem ainda possibilidades no Brasil, mas aguardam o desfecho de passos que são importantes para que eles possam elaborar suas estratégias.

A previsão do banco é de um câmbio desvalorizado por um longo período ainda. Por quê?

A gente perdeu a janela de apreciação relativa do câmbio de países emergentes, que ficou aberta até o início deste ano porque a gente abandonou temporariamente a agenda de reformas e deixou de dar uma sinalização mais contundente sobre a trajetória do ajuste fiscal.

Agora, o que a gente vê é uma janela ainda mais restrita para reformas e, no câmbio, o risco elevado que tende ao longo do ano que vem sofrer ainda mais com a disputa eleitoral em 2022. A eleição deve ser acirrada e isso compõe o quadro. Não vamos colher todos os benefícios que o país poderia ter com a alta de commodities internacionais. Esse ciclo, ainda que seja relativamente pequeno, de até três anos, traria uma chance de valorização do real.