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Economia

Veja o peso dos servidores nas contas de governos municipais, estaduais e da União

Nos estados, funcionários públicos tiveram ganho real de 80% entre 2004 e 2018. Municípios comprometem mais de 40% da receita com salários
Senado derrubou veto de Bolsonaro a reajuste de servidores Foto: Arquivo
Senado derrubou veto de Bolsonaro a reajuste de servidores Foto: Arquivo

RIO - A Câmara dos Deputados manteve, nesta quinta-feira, o veto do presidente Jair Bolsonaro que impede reajustes de salários de servidores públicos no país até o fim de 2021. A votação reverteu decisão contrária do Senado na véspera, que havia derrubado o veto.

O impacto fiscal de possíveis reajustes de salários poderia chegar a R$ 132 bilhões no cálculo da equipe econômica. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), costurou um acordo na Casa nesta quinta-feira pela manutenção do veto, alegando que é uma questão de responsabilidade com o país .

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Por trás do tom grave de Maia estão números que mostram o peso crescente das folhas de pagamento nas contas de prefeituras, governos estaduais e da União, que tem feito especialistas ressaltarem inclusive a necessidade de uma reforma administrativa para frear o crescimento dessas despesas.

Estudos mostram que, nos últimos anos, os entes subnacionais aumentaram o grau de comprometimento do orçamento com o pagamento de servidores. E, diante da queda de arrecadação, e de uma lenta recuperação da economia, o peso do funcionalismo tende a ser maior nas contas públicas.

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O peso do funcionalismo nas contas públicas

11,4 milhões de servidores

Dados do Atlas do Estado Brasileiro , elaborado pelo Ipea, mostram o país tinha, em 2017, 11,4 milhões de servidores público na esfera federal, municipal e estadual. Destes, 6,5 milhões estavam nas cidades. Outros 3,6 milhões trabalham nos estados, enquanto 1,2 milhão são ligados ao governo federal.

Editoria de Arte Foto: .
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Impacto de R$ 132 bilhões

O congelamento dos salários de servidores foi uma contrapartida ao socorro de R$ 60 bilhões aos governos regionais, cujos cofres foram abalados pela pandemia, que chega a R$ 125 bilhões com reestruturação de dívidas.

O Ministério da Economia calcula que a derrubada comprometeria  uma economia de R$ 132 bilhões. Isso corresponde a quatro vezes o que o governo federal gasta com o Bolsa Família (R$ 32 bilhões). Ou duas vezes o que a pasta estima destinar para o Renda Brasil, programa que irá substituir diversos programa sociais.

Editoria de Arte Foto: .
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Aumento real no salário

Os salários dos servidores estaduais tiveram aumento médio real, ou seja, já descontada a inflação, de 80% entre 2004 e 2018. Os dados são da pesquisa Indicadores da política salarial das administrações públicas estaduais brasileiras , feita pelo Ipea.

Mesmo na crise, período marcado por forte crise fiscal, o movimento de aumentos acima da inflação prosseguiu. O estudo mostra que esse movimento foi liderado fundamentalmente pelos vencimentos de militares e professores da educação básica.

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Na avaliação de Cláudio Hamilton dos Santos, um dos autores do estudo, a pandemia irá agravar ainda mais a situação orçamentária dos estados.

As projeções disponíveis antes da eclosão da pandemia já apontavam a continuidade desse processo, com significativo crescimento dos gastos com pessoal total, liderado pelo crescimento dos inativos.

Editoria de Arte Foto: .
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Remuneração na pandemia

Durante a pandemia, diferentemente dos trabalhadores do setor privado, os servidores não tiveram redução salarial. Levantamento feito pelo economista Daniel Duque para o Centro de Liderança Pública (CLP), com base em dados da Pnad Covid, aponta que os funcionários da iniciativa privada receberam em junho 21% a menos do que ganhavam antes da pandemia (e trabalharam 25% menos horas).

Para servidores públicos, a redução salarial foi de apenas 3% — e a carga de trabalho, 29% menor.

O peso do funcionalismo
Países com maior gasto com funcionários públicos sobre PIB* (%)
16,4
Arábia Saudita
15,3
Dinamarca
15,1
Jordânia
14,6
África do Sul
14,3
Noruega
14,1
Islândia
13,4
Brasil
13
Costa Rica
12,7
Suécia
12,4
Samoa
EFEITO COVID
Antes da pandemia
Em junho
Queda no número de horas trabalhadas em 24 setores de atividade no Brasil
Queda na remuneração média de 24 setores de atividade no Brasil
SERVIDOR PÚBLICO
SERVIDOR PÚBLICO
Queda de 29%
Queda de 3%
R$ 3.633
38
27
R$ 3.520
NÃO-SERVIDOR
NÃO-SERVIDOR
Queda de 21%
Queda de 25%
R$ 2.107
40
30
R$ 1.666
*2018
Fontes: FMI / PNAD-Covid 19 / Daniel Duque (Centro de Liderança Pública)
O peso do funcionalismo
Países com maior gasto com funcionários públicos sobre PIB* (%)
16,4
Arábia Saudita
15,3
Dinamarca
15,1
Jordânia
14,6
África do Sul
14,3
Noruega
14,1
Islândia
13,4
Brasil
13
Costa Rica
12,7
Suécia
12,4
Samoa
EFEITO COVID
Antes da pandemia
Em junho
Queda na remuneração média de 24 setores de atividade no Brasil
SERVIDOR PÚBLICO
Queda de 3%
R$ 3.633
R$ 3.520
NÃO-SERVIDOR
Queda de 21%
R$ 2.107
R$ 1.666
Queda no número de horas trabalhadas em 24 setores de atividade no Brasil
SERVIDOR PÚBLICO
Queda de 29%
38
27
NÃO-SERVIDOR
Queda de 25%
40
30
*2018
Fontes: FMI / PNAD-Covid 19 / Daniel Duque (Centro de Liderança Pública)

Gasto acima do limite legal

Outro estudo feito pelo Centro de Liderança Pública mostra que 25 dos 27 estados devem comprometer mais de 60% da receita corrente líquida (RCL) com folha de pagamento por causa do efeito da pandemia na arrecadação este ano.

O estudo já considera o peso do repasse de R$ 120 bilhões do pacote de socorro ao estados, considerando o que foi suspenso do pagamento da dívida dentro da legislação sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. O estudo mostra que a dificuldade hoje está em equilibrar as contas, com a queda de arrecadação.

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Segundo parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal, no caso desse patamar ultrapassar 95%, aumentos de despesa com gasto com pessoal devem ser proibidos de conceder aumentos, segundo a legislação. Na lista estão Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Tocantins.

Municípios comprometem mais com folha

Dados do Atlas do Estado Brasileiro , elaborado pelo Ipea, mostram que a despesa com servidores ativos municipais cresceu nos últimos anos, passando de R$ 149 bilhões, em 2006, para R$ 268 bilhões, em 2017, um incremento de 78%. Como percentual da Receita Corrente Líquida, a despesa passou de 40,3% para 46,2% no período.

Com uma economia fragilizada, a arrecadação de impostos é menor. E com um gasto engessado dos servidores, o comprometimento tende a aumentar em anos de crise.

Segundo o estudo, além do aumento da remuneração média - de R$ 2 mil para R$ 3 mil, houve crescimento no total de servidores públicos no nível local.

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Em 2017, 57% do total de vínculos no setor público brasileiro eram ligados aos municípios, principal provedor de serviços que integram o núcleo do Estado de bem-estar, como educação, saúde e assistência.

Uma das razões é o crescimento do número de municípios do país; de 1985 a 2003 foram criados 1.456 novos municípios, o que representa expansão de 35%. Atualmente, quatro em cada dez servidores municipais são professores, médicos ou enfermeiros.