Exclusivo para Assinantes
Economia

Vencedor do Nobel propõe testagem em massa contra coronavírus: ‘Mais barato do que destruir a economia’

Para o economista americano Paul Romer, que recebeu o prêmio em 2018, essa é a única saída para retomar a atividade e evitar o colapso
Paul Romer, em foto tirada no Rio no fim do ano passado: “Eu não diria que estão desperdiçando dinheiro. Eu diria apenas que estão oferecendo cuidados paliativos” Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo
Paul Romer, em foto tirada no Rio no fim do ano passado: “Eu não diria que estão desperdiçando dinheiro. Eu diria apenas que estão oferecendo cuidados paliativos” Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo

RIO - O Nobel de economia Paul Romer tem um plano de combate à crise do coronavírus que não tem nada a ver com pacotes de estímulo financeiro . Em vez de planos trilionários de socorro, o professor da Universidade de Nova York defende um investimento concentrado na produção em larga escala de testes para o vírus e equipamentos de proteção.

Em artigo publicado semana passada no New York Times, ele e o reitor da Universidade Harvard, Alan Garber , defenderam que é preciso achar uma alternativa à quarentena total, porque ela levará à “morte da economia”. O artigo “Will our economy die from coronavirus?” foi citado pelos críticos à quarentena como argumento para defender a abertura da economia.

Analistas: Recuperação econômica terá que passar por investimento em saúde, obras e renda mínima

Segundo os autores, o desligamento econômico por algumas semanas é necessário, pois ajudará a salvar muitas vidas, mas é preciso ter melhores opções dentro de um mês, já que a economia não poderá ficar fechada por um ano, um ano e meio.

A solução, dizem eles, é expandir maciçamente a capacidade de testagem da Covid-19, para que seja possível examinar parte importante da população a cada uma ou duas semanas. Seria a única maneira de permitir a retomada segura da economia, sem uma explosão de casos.

Investimentos: Pandemia do coronavírus deixa 80% dos fundos do tipo multimercado no vermelho

Em artigo publicado no New York Times, o sr. defende uma abordagem diferente do isolamento total para a contenção do coronavírus. Quais são as principais propostas?

Nossa ideia é que a única maneira segura de permitir que as pessoas voltem ao trabalho é promover testes em escala maciça e fornecer equipamentos de proteção em grandes quantidades à população. Se fizermos isso, não enfrentaremos a escolha terrível que enfrentamos agora, que é ou matar pessoas ou matar a economia. Isso levará algum tempo, um mês ou dois para conseguirmos mais testes e equipamentos, mas significa que precisamos investir urgentemente nessas duas soluções.

Leia mais: 'Modelo de negócio de gigantes da internet é perigoso’, alerta Nobel de Economia

Mas deve-se manter o bloqueio até que tenhamos testes suficientes?

Há um consenso de que podemos sobreviver a um desligamento econômico por algumas semanas e que isso ajudará a salvar muitas vidas. Então, essa é a coisa certa a se fazer por enquanto. Mas precisamos ter melhores opções dentro de um mês, porque não podemos manter a economia fechada por um ano, um ano e meio.

Gustavo Franco: O Corona e a economia

Em um país como os Estados Unidos, quantos testes seriam necessários, quanto isso custaria e em quanto tempo seria eficaz?

Devemos ter o objetivo de testar as pessoas com muita frequência, talvez até toda a população a cada duas ou mesmo uma semana. Quanto isso vai custar? Não sabemos, porque seria um novo investimento. Mas o que sabemos é que custaria muito, muitíssimo menos do que vamos gastar lidando com o desligamento econômico. Porque, se gastássemos US$ 50 bilhões ou US $ 100 bilhões redimensionando os recursos para testar todo mundo a cada semana ou duas e ter equipamentos de proteção amplamente disponíveis, não estaríamos enfrentando esse custo multitrilionário de danos à economia.

Coronavírus: Economistas defendem maior gasto público como solução para a crise

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também recomenda testes em larga escala. Mas muitos governos simplesmente alegam que não há testes suficientes. Se decidirem adotar seu plano, como poderiam resolver a falta de kits? Falta foco nisso?

É irracional. Levará algum tempo para termos testes e equipamentos de proteção suficientes. Mas se gastarmos US$ 100 bilhões nisso hoje, poderemos ter o suficiente dentro de alguns meses. Mas os governos seguem apenas dizendo que não há kits para testar todo mundo. Isso é simplesmente absurdo. Eles precisam pensar:  "Ok, se não temos agora e precisamos disso, o que devemos fazer para obtê-los?"

E o que eles deveriam fazer? Converter grande parte da indústria em fábricas de testes e equipamentos de proteção?

Precisamos aumentar drasticamente a produção de kits de testes e equipamentos de proteção. E, sim, isso envolverá a conversão da capacidade produtiva existente para esse objetivo. Não será barato nem fácil, mas será muito mais barato do que deixarmos nossas economias entrarem em colapso.

Retomada das atividades : Empresariado discute o prazo certo para reabrir negócios

O sr. está discutindo esse modelo com as autoridades? Elas são receptivas a ele?

As autoridades de todo o mundo estão muito distraídas, quase em pânico. É muito difícil fazer com que elas parem e pensem em um plano que possa funcionar nos próximos três meses. Estou fazendo o melhor que eu posso, mas é difícil ser ouvido. É bom pensar em três horizontes temporais. Hoje, os governos estão tão preocupados com o que fazer nas próximas duas semanas que não conseguem pensar no que fazer nos próximos três meses. Do lado econômico, miram nos próximos 18 meses e gastam trilhões. Mas ninguém está pensando no que é preciso investir para, daqui a três meses, não estarmos na mesma situação de hoje, tendo que decidir entre duas opções terríveis.

Viu isso? ‘Fomos atingidos por um meteoro’, diz Paulo Guedes sobre pandemia do coronavírus

No seu artigo, o sr. afirma que, se mantivermos a estratégia atual de distanciamento social extremo por 12 a 18 meses, quem morrerá será a economia. Muitos especialistas, porém, afirmam que uma quarentena total ocorrerá apenas por alguns meses, o suficiente para achatar a curva do vírus. Nesse caso, não é mais simples manter a estratégia do isolamento?

Aí é que está o problema. Usando a quarentena total, seja por duas semanas ou dois meses, quando a retiramos, o vírus volta a se espalhar rapidamente.

Então o sr. acha que a quarentena não resolverá o problema?

Não há nenhuma evidência que sugira que um isolamento de semanas ou meses  seguirá funcionado depois que for relaxado. Os modelos sugerem que, quando relaxamos o isolamento, a epidemia volta a se desenvolver. O que o sr. Garber e eu propomos é algo que pode ser feito ao longo de 12, 18 ou 24 meses. Porque a realidade é que não podemos seguir de quarentena por um ano e tampouco podemos impor um isolamento total e depois simplesmente relaxá-lo, porque o vírus volta. Mas você pode fazer o que estamos propondo, investindo durante dois ou três meses. Mas as pessoas não estão pensando seriamente sobre esse horizonte de tempo, estão muito preocupadas apenas com o que fazer nas próximas duas semanas.

Guilherme Benchimol: ‘O governo não vai resolver tudo sozinho. É ele e a sociedade’

O sr. acha que deveria haver um esforço global de testagem?

É impossível coordenar qualquer coisa nesse sentido agora.

Seu artigo foi escrito tendo os EUA em mente. Mas o modelo que o sr. defende também seria adequado em um país como o Brasil, com milhões de pessoas vivendo em favelas e sistema de saúde precário?

Totalmente. Pode ser aplicado em qualquer lugar. Minha mensagem é: para conter o vírus, você precisa testar as pessoas com frequência e, em seguida, isolar aquelas contaminadas por algumas semanas. Mas isso significa que você só precisa isolar as pessoas que dão positivo. O restante das pessoas poderá trabalhar, seguir suas vidas.

Mas testar grande parte da população com regularidade é factível em um país como a Índia, que tem 1,3 bilhão de pessoas hoje em quarentena?

Sim, com certeza. É mais barato fazer isso do que destruir a economia e manter as pessoas em casa.

Presidente do Itaú: 'Falta ao governo um administrador da crise'

Como o sr. avalia as medidas econômicas anunciadas até agora, como o pacote de estímulo de US$ 2 trilhões aprovado nos EUA. O governo está desperdiçando dinheiro em vez de concentrar esforços na produção de testes e equipamentos de proteção?

Eu não diria que estão desperdiçando dinheiro. Eu diria apenas que estão oferecendo cuidados paliativos. Quando alguém está doente, você gasta dinheiro apenas para que ela se sinta melhor. Logo, cuidados paliativos são úteis. Mas as autoridades deveriam estar gastando também em uma forma de curar o doente. Infelizmente, não estão fazendo isso. Essa atitude é uma tolice.

Argentina: País é elogiado por sacrificar economia no combate ao vírus

O sr. acha que conseguirá convencer as autoridades a mudar o foco? Está otimista?

Não depende do que eu digo. Mas a realidade é que não é sustentável fechar as economias. Então, as únicas alternativas são: ou começam a adotar uma estratégia de isolamento desenhada com base nos resultados dos testes, o que permitiria manter a economia saudável e o vírus sob controle; ou simplesmente desistem e deixam o vírus correr desenfreado e muitas pessoas vão  morrer. Acho que alguns países descobrirão que isolar com base nos resultados dos testes é perfeitamente viável. Outros países, não. E isso é mais uma evidência de que um isolamento prolongado não tem como funcionar.

Coronavírus: ' O que foi anunciado até aqui é pífio', diz especialista sobre injeção de recursos

Por quê?

Imagine que a quarentena do Brasil extermine completamente o vírus. Mas quando pessoas vindas de países que não adotaram essa estratégia entrarem no Brasil, os brasileiros voltarão a ser infectados. Logo, a melhor forma é isolar com base em testes recorrentes. E, a propósito, você não precisa rastrear as pessoas, violar sua privacidade, para isso. Basta garantir que aqueles que foram diagnosticados com a doença fiquem em confinamento por um tempo.

Seu trabalho como economista concentra-se nos vínculos entre conhecimento, produtividade e crescimento. Hoje, as empresas passam por um experimento em escala global de home office. O sr. acha que essa crise tem o potencial de deixar algum legado positivo em termos de eficiência e digitalização dos negócios?

Qualquer efeito positivo dessa crise será minúsculo diante dos danos à economia, ao nosso sistema político e ao nosso tecido social. Não devemos nos enganar. Estamos enfrentando prejuízos extraordinários. Podemos minimizá-los e limitá-los se investirmos nos próximos três meses. Caso contrário, sofreremos todos uma enorme redução na nossa qualidade de vida.