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Economia

Você é o produto: Veja como seus dados pessoais são coletados e usados pelas 'big techs'

Entenda como apps como o do Facebook rastreiam informações no seu smartphone. A prática está no centro da disputa entre a Apple e redes sociais
O Globo Foto: Editoria de Arte
O Globo Foto: Editoria de Arte

RIO - O universo das big techs ficou ainda mais tenso em abril com a decisão da Apple de incluir na nova versão do iOS 14.5, o sistema operacional de iPhones e iPads, uma funcionalidade que permite ao usuário bloquear o rastreio de suas informações pessoais.

A função desencadeou mais uma batalha entre as gigantes de tecnologia do Vale do Silício, dessa vez em torno de um tema caro a cada um dos usuários de smartphones: a privacidade.

A nova função do sistema operacional da Apple inviabiliza a indústria dos anúncios direcionados, que são a principal fonte de receita de redes sociais como o Facebook.

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Pronto. Foi declarada mais uma guerra entre as big techs , que já vêm sofrendo uma crescente pressão de órgãos de defesa da concorrência nos EUA, na Europa e em outras regiões do mundo.

Afinal, é a partir do cruzamento das informações que os internautas deixam em sua navegação que Facebook, Instagram e outros vendem publicidade direcionada (veja quadro ao lado). Ou seja: os seus dados valem ouro para empresas como a liderada por Mark Zuckerberg.

Entenda como suas informações são capturadas no seu celular e usadas pelas big techs :

Dispositivos bisbilhotam o que você faz

. Foto: Editoria de Arte
. Foto: Editoria de Arte

O usuário entra na internet, por computador, tablet ou smartphone, e acessa diferentes sites, como redes sociais, faz compras on-line, executa buscas por assuntos diversos, interage no e-mail e serviços de mensagens, vê fotos, filmes e assim por diante.

Em cada uma dessas atividades, deixa rastros, em especial se estiver conectado ao e-mail ou ao webmail e a redes sociais, ou mesmo em sites de compra.

Desde quando a pessoa acorda e pega o celular, os dispositivos começam a informar o que chamamos de "conteúdo localizado".  Dados de produtos, serviços ou ofertas de acordo com sua localização via GPS e preferências pessoais.

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Dados de diferentes acessos são cruzados

. Foto: Editoria de Arte
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Uma das primeiras coisas que as big techs já sabem de cara é de que aparelho você está acessando a internet. Não por acaso, quando acessa um serviço de um computador ou celular diferente, elas logo perguntam se foi você mesmo que acessou.

É uma medida de segurança, mas também uma forma de monitorar. O seu IP (endereço da máquina na internet) também é coletado, bem como o sistema operacional e o browser utilizados.

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Aparelhos apontam por onde você anda

. Foto: Editoria de Arte
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Outro ponto importante é a localização do usuário, que muitos sites pedem para personalizar ofertas e serviços. O Google Maps, presente em todos os celulares Android, sabe de cada passo seu e até pode enviar no Gmail um resumo dos locais em que você esteve em determinado mês.

O mais interessante é que a localização pode ser compartilhada mesmo sem a sua autorização ou mesmo com o "locate" desligado - para isso, se utiliza uma triangulação entre as antenas que foram acessadas por um celular.

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'Cookies' coletam pistas sobre você

. Foto: Editoria de Arte
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Na navegação simples pela web, um dos métodos mais simples de rastrear suas preferências são os cookies , pequenos arquivos que colhem dados e lembram o que você fez em determinado site.

Bem comuns na Amazon e outros portais de e-commerce, mas presentes em praticamente todos os sites. Nos últimos tempos, eles vêm colocando avisos de que fazem essa coleta para dar opção ao usuário de personalizar as informações.

Combinação de dados permite personalizar

. Foto: Editoria de Arte
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Mas, uma vez conectado a um e-mail e um perfil em redes sociais, é possível combinar esses dados com os do próprio perfil (nome, endereço, data de nascimento, histórico de trabalho, etc) e todos os textos, fotos e vídeos postados. Um verdadeiro manancial de dados.

E não podemos esquecer serviços como repositórios de fotos ou blogs que permitem identificação por vários métodos, desde o autor (forma mais simples) até mecanismos de inteligência artificial para biometria facial (como o que vemos no Facebook há anos indicando seus amigos nas fotos).

Até as SmartTVs podem entrar nesse circuito de aquisição e uso de dados de consumo e por isso dispõem de facilidades como interação por gestos e voz.

Diga-me o que buscas e te direi quem és

. Foto: Editoria de Arte
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As buscas feitas na internet também denotam suas predileções por assuntos, produtos e serviços.

Elas são igualmente coletadas (com exceção de serviços como DuckDuckGo). Bem como os dados gerados ao seguir perfis de diferentes assuntos no Instagram, curtir páginas de empresas no Facebook, participar de grupos de discussão em diferentes redes sociais...

Tudo isso dá pistas sobre quem é você e o que você gosta ou precisa. Tudo o que a publicidade quer saber.

Anúncios feitos sob medida

. Foto: Editoria de Arte
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De posse dos dados do usuário, as big techs podem, em parceria com terceiros, oferecer anúncios e serviços personalizados, que podem aparecer no resultado das buscas do Google, ou em sua timeline no Facebook e no Instagram, por exemplo.

Na Amazon, ao pesquisar por um produto, sempre aparecem aquelas sugestões do tipo "quem comprou esse também levou esse aqui", e nos sites de streaming há aquela seção "Porque você viu o filme tal", com indicações similares.

A distribuição rápida de conteúdo personalizado em anúncios é turbinada por redes de fornecimento especializadas nisso, conhecidas como CDN, via vários servidores.

Os anúncios, quando obtêm uma conversão (interação ou compra através deles), geram receita para a big tech e seus parceiros.

Só em 2020 o Facebook faturou com a publicidade US$ 84,1 bilhões, um aumento de 21% em relação a 2019. E o faturamento do Google Services, que inclui anúncios, no ano foi de US$ 168,6 bilhões (US$ 17 bi a mais que em 2019).

Já leu as letrinhas miúdas?

. Foto: Editoria de Arte
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Um modo de ficar mais atento a esse uso das informações pessoais pelas big techs é ler os termos da política de privacidade das companhias.

Lembre-se: se um serviço é gratuito, você na verdade paga por ele com suas informações.

É para coibir esse modelo de negócio invasivo que surgem pelo mundo as leis de proteção de dados, que exigem das empresas cada vez mais transparência no tratamento dos dados de seus usuários.

Entretanto, vemos cada vez mais serviços que orientam as pessoas sobre esse uso indevido de seus dados, mas ao mesmo tempo não permitem que você recuse tal procedimento, sob pena de não poder utilizar o dito serviço.

A atual briga entre Apple e Facebook tem a ver com isso, pois o sistema operacional dos iPhones, o iOS, permite em sua nova versão que os usuários escolham se um aplicativo pode rastrear seus dados ou não. E isso pode mudar o modelo de negócio da publicidade on-line, conscientizando os internautas sobre como suas informações pessoais são utilizadas.

Como se proteger

. Foto: Editoria de Arte
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(Com a consultoria de David Svaiter, especialista em criptografia e diretor da OaSys, e Alexandre Freire, responsável técnico pela operação da empresa de segurança cibernética Nozomi Networks na América Latina)