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Ela

Deborah Colker fala sobre novo centro de movimento, documentário e espetáculos

Carioca de raiz, coreógrafa é a estrela da edição de aniversário da revista ELA
Deborah Colker usa vestido Gucci Foto: Leo Aversa
Deborah Colker usa vestido Gucci Foto: Leo Aversa

"Foi rápido, mas eu estava preparada", diz Deborah Colker, afundada num sofá na sala de sua casa, no alto do Jardim Botânico. A frase é parte de uma reflexão sobre a gênese da companhia de dança que leva o seu nome. Após ganhar visibilidade com o espetáculo de estreia, “Vulcão”, em que dividiu uma noite no Municipal com os americanos do Momix, em 1994, ela entrou para a agenda internacional da dança já com sua segunda montagem, “Velox”, lançada no ano seguinte. O termo, velocidade em latim, soava profético: a mulher que parece desconhecer o estado de inércia correu para abraçar o mundo e, hoje, aos 58 anos, permite-se tirar o pé do acelerador sem que isso signifique menos trabalho. Documentário, novo espetáculo e mais um Centro de Movimento, na Gávea, estão entre as novidades que despontam no horizonte da coreógrafa.

Deborah Colker é um furacão de 1,61m de altura. “Carioca, judia e brasileira”, como se define, fala da carreira com os olhos vidrados e pontua suas frases com miniexplosões, que dão um tom dramático à conversa. Com os pés descansados sobre uma mesinha de centro com livros de Pina Bausch, Anish Kapoor e Louise Bourgeois, ela passeia sobre sua trajetória, enquanto recusa o título de “fenômeno”.

— Isso é uma coisa que acontece uma só vez. Algo extraordinário que nunca mais se repete — justifica ela, depois de 13 montagens lançadas pela companhia e trabalhos grandiosos, como o posto de diretora de movimento da abertura da Olimpíada do Rio e a concepção do espetáculo “Ovo”, do Cirque du Soleil, que chega à cidade em março.

Sua história pregressa mostra que Deborah tampouco surgiu “do nada”. Até fundar a companhia, caminhou e rodopiou por uma longa estrada entre música, esporte, dança, showbiz e seis anos de Psicologia, faculdade que não concluiu.

Vestido Osklen Foto: Leo Aversa | Edição de moda: Patricia Tremblais | Beleza: Gabriel Ramos | Produção de moda: Lucas Bueno | Produção executiva: Matheus Martins
Vestido Osklen Foto: Leo Aversa | Edição de moda: Patricia Tremblais | Beleza: Gabriel Ramos | Produção de moda: Lucas Bueno | Produção executiva: Matheus Martins

— Sou caçula com dois irmãos. Minha mãe me botou para fazer balé clássico, mas eu gostava mesmo era de vôlei e música, era pianista. Aos 16 anos, tive uma crise de adolescente e voltei a dançar — lembra ela. — Quando decidi trabalhar com dança, minha mãe disse: “Isso não é profissão, é hobby.” Depois, falou que, se era mesmo o que eu queria, deveria abrir uma escola de dança de salão. Até hoje brinco com ela: “Ah, se escutasse o que mamãe dizia...”

Logo no começo da década de 1980, Deborah se enfiou no meio de gente do mais alto calibre, em diferentes áreas. Esteve próxima dos bailarinos e coreógrafos Klauss Vianna e Lennie Dale, dos diretores Domingos Oliveira e Guel Arraes e da atriz Dina Sfat, só para citar alguns nomes. Com esta última, conta ter aprendido uma lição que jamais esqueceu.

— Fiz o meu primeiro trabalho de corpo em uma peça dirigida pelo Domingos, com ela no elenco. Depois de dar minha aula, estava indo embora e, de repente, ouvi um “Psiu!”; olhei e era Dina. “Vai aonde? Acha que seu trabalho acabou?” Tive um estalo e entendi que não. Se minha função era montar o corpo dentro de uma peça, como poderia o ensaio começar e eu não ver nada? — narra a coreógrafa, que mais tarde ficaria famosa também pelo perfil profissional obsessivo e exigente.

Blusa Mara Mac, colete Fellipe Caetano para Obra Ipanema, calça NK Store, colares Ivo Minoni da Obra Ipanema e sapatos Paula Ferber por Mana Bernardes Foto: Leo Aversa
Blusa Mara Mac, colete Fellipe Caetano para Obra Ipanema, calça NK Store, colares Ivo Minoni da Obra Ipanema e sapatos Paula Ferber por Mana Bernardes Foto: Leo Aversa

Antes mesmo de ter suas criações amplamente cobertas pela mídia, trabalhos que fazem parte da memória afetiva de muitos brasileiros já tinham o dedo de Deborah. É o caso de “TV Colosso”, programa infantil da década 1990 em cujo movimento dos bonecos ela atuou. Lembra da sheepdog Priscila? Por baixo da fantasia, havia um campeão de break de Olaria que, mais tarde, seria estrela do grupo da coreógrafa. Shows que embalaram gerações, como os de Fausto Fawcett e as louras do Básico Instinto e da cantora Fernanda Abreu, também levaram a sua assinatura.

— Dançamos juntas no Grupo Coringa, da Graciela Figueroa, e ficamos muito próximas. Cheguei a fazer alguns ensaios para apresentações dela, mas não dava porque minha carreira já estava bombando — recorda-se Fernanda, que teve diversos shows e clipes coreografados por “Debinha”. — De vez em quando, rolava um quebra-pau, porque somos muito amigas, mas isso sempre foi produtivo, resultando num trabalho muito interessante.

Parceria antiga

A cada apresentação da companhia, de Cingapura a Duque de Caxias, um fiel escudeiro está sempre a postos ao lado da mesa de som: São Judas Tadeu, na forma de uma imagem que já rodou o mundo pelos mais de 40 países onde o grupo se apresentou. A proteção, entretanto, não pertence a Deborah, mas a um de seus maiores companheiros de estrada, João Elias, diretor executivo da trupe, que é devoto do santo. Parceiros profissionais há 27 anos, eles compartilham esforços por trás do sucesso alcançado.

— Foi com R$ 60 mil que ganhamos da Petrobras (patrocinadora da companhia até hoje) que fizemos “Velox”, viajando o Brasil inteiro. Deborah chegava a dar aulas nas cidades aonde íamos em troca de hotel — recorda-se João. — Ainda hoje, não estamos numa zona de conforto. Sempre trabalhamos com orçamentos restritos e fazendo bilheteria. Por isso, somos talvez a companhia que mais faz espetáculos no Brasil.

Em junho deste ano, o grupo venceu, em Moscou, o Prix Benois de la Danse de coreografia pelo seu último espetáculo, “Cão sem plumas” (2017), uma parceria de Deborah com Cláudio Assis. Considerado “o Oscar da dança”, o prêmio celebrou uma apresentação mergulhada num processo de mudança de dramaturgia iniciado pela coreógrafa em 2005, com “Nó”, em que a pesquisa em torno de espaço, movimento e físico já não se mostrava suficiente. Desde então, ela tem se debruçado sobre o universo filosófico e o mundo dos sentimentos, algo que se intensificou com o nascimento de seu neto Theo, há nove anos.

Blazer Aluf e vestido Dress To Foto: Leo Aversa
Blazer Aluf e vestido Dress To Foto: Leo Aversa

— É o marco mais importante da minha vida. Ele nasceu com uma mutação genética em que não produz uma proteína fundamental, atingindo a sua pele. Isso me deixou sem chão. Emagreci seis quilos, ia para o bar na esquina da minha casa, bebia e chorava — conta. — Mas ele foi o maior presente que poderia ganhar, me proporcionou uma virada, uma revolução na artista que sou.

Deborah passou a correr o mundo, lidando com pesquisadores, cientistas e médicos, nos último anos, em busca de tratamentos para o neto. Em 2014, num deslocamento para a Barra, onde teria um encontro sobre terapia genética, ela enfrentou um engarrafamento de três horas. Dentro do carro, leu o poema “Cão sem plumas”, de João Cabral de Melo Neto, que estava numa trilogia do autor que ganhou de João Elias.

— Terminei aos prantos e decidi que iria fazer aquele poema, porque abordava tudo de que estou falando, o descaso, o inconcebível, o inadmissível. Meu assunto era: como o Theo não tem cura? Descobri, por meio dele, milhões de crianças pobres com uma doença que não tem cura. Isso é uma crueldade — afirma ela, que tem um casal de filhos e uma neta, além de Theo, e vive com o cantor Toni Platão, seu terceiro casamento.

Deborah define seu trabalho hoje como arte e ciência. “É evolução”, diz. Toda essa investigação estará nos palcos em seu novo espetáculo, “Cura”, ainda sem data de lançamento. Será uma imersão em dois mundos: o da ciência e o das crenças.

— É sobre a cura, que se dá em vários estados e fases. Todas as religiões e comunidades buscam isso. Mas não se trata de um espetáculo religioso.

Tricô, Celine na NK Store, saia A. Niemeyer e polainas Capezio Foto: Leo Aversa
Tricô, Celine na NK Store, saia A. Niemeyer e polainas Capezio Foto: Leo Aversa

A maneira como ela lida com seus processos criativos, aliás, será destrinchada muito em breve num documentário, iniciativa do diretor Luiz Carlos Barreto.

— Ele e a neta, Júlia, foram assistir ao “Cão”. Quando terminou, Barreto ficou tão chapado, que foi até mim e disse: “te quero” — conta Deborah. — Já tivemos várias reuniões e vamos fazer (o filme) no ano que vem.

O novo Centro de Movimento, semelhante ao já existente na Glória, é outro projeto que a deixa radiante. O espaço na Gávea, onde foram feitas as fotos deste ensaio, será inaugurado no próximo dia 22 e terá aulas de ioga, circo e diferentes estilos de dança.

— Quero criar umas histórias, como caminhadas que começam no Centro de Movimento e vão para a rua.

Uma ideia que faz todo sentido dentro da lógica de Deborah. A rua é vital para a sua inspiração, assim como o Rio, cidade da qual ela se recusa a falar mal e não se vê morando longe.

— Não sou bairrista ou regionalista, mas tenho a cara de um Rio que gosta de misturar, um encontro de Brasis. Já tive superpropostas de fazer coisas fora. Mas, não. Meu lugar é aqui.