A designer de interiores Iara Vaz se vê, dia sim, outro também, olhando com apreço para um canto da casa em Valença, no interior do Rio, onde vive com a namorada, a engenheira Pâmela Zulian. Tudo ali tem o toque das duas, e não se trata de algo encomendado: a habitação de dois andares foi literalmente erguida por elas, a partir de técnicas de bioconstrução.
São paredes de tijolos fabricados com a argila do próprio terreno ou tramas de bambu preenchidas por barro; portais contornados com fundos de garrafas de vidro moldados com a ajuda de amigos; e até um acurado forro de bambu. Quase nada é pré-fabricado. “Construir a própria casa é algo mágico. É como se fosse um organismo vivo, que respira e te abraça”, define Iara.
Faz sete anos que elas começaram as obras. Intervalo longo o suficiente para que assistissem à bioconstrução ganhar ainda mais adeptos no Brasil, num resgate de saberes ancestrais, como as paredes de pau-a-pique e os trabalhos em mutirão. O próprio casal se tornou irradiador dessa cena pelo Instagram @casaflores_permacultura.
Os métodos possibilitam o barateamento da obra, já que aproveitam recursos dos próprios terrenos, e impactam menos a natureza ao reduzir o uso de materiais como ferro, aço e concreto, além de evitar o transporte dos mesmos. Premissas urgentes, como lembra o arquiteto português Marco Aresta, que já viajou o Brasil e o mundo estudando novas técnicas e ministrando cursos. “No futuro, ao olharmos para o passado, veremos que foram séculos de bioconstrução até ficarmos ‘meio loucos’ e deixarmos esses saberes de lado por um tempo e, finalmente, retomá-los, como estamos fazendo.”
Aresta vive na Patagônia argentina, onde é cofundador do centro Debarro Arquitectura, e assina vários projetos ecológicos. Ele mantém uma conexão permanente com o Brasil, como um recente curso ministrado em parceria com o Bioconstrução Brasil, portal de conteúdo fundado pelo arquiteto soteropolitano Caio Martins, outro disseminador da prática.
Segundo Caio, a premissa de mutirão, recorrente nessas construções, torna a ideia ainda mais viável por aqui. Afinal, aquela história da laje batida no fim de semana é uma velha conhecida. “É comum uma família ajudar a outra ou até mesmo as pessoas oferecerem a mão de obra em troca do conhecimento que a experiência vai proporcionar”, explica o arquiteto, que vive no interior da Bahia. “Em alguns casos, a obra ainda vira festa, como uma feijoada servida após uma meta ser concluída.”
Assim como a união é parte do processo, o vigor feminino se destaca, por meio de coletivos como Moçabarro (@mocabarro), fundado pelo trio Paula Carneiro, Naiana Máximo e Priscila Bogéa. Com oficinas e possibilidades de participação nos mutirões, elas ensinam técnicas como pau-a-pique e cob, uma mistura que permite esculpir estruturas, algo que fascina muitas mulheres. “Aquelas que sonham em ter casas de barro, geralmente, não pensam que elas próprias podem construí-las. Quando chegam até nós, sentem-se capazes”, comemora Naina.
A paulistana Lais Yumi, que já soma mais de 10 mil seguidores com o seu @artenaparedebarro no Instagram, conhece bem a sensação. “Gosto de saber o que há dentro daquela parede. Conhecer as tramas”, descreve ela, que aprendeu as técnicas participando de mutirões no interior do país. Desde então, acumula feitos próprios, com direito à proeza de fazer uma enorme estante combinando materiais como pallets, areia e cal num apartamento em plena Avenida Paulista. “Deu um trabalho danado. Precisei morar três meses na obra para finalizar tudo.”
Há demanda também para empreendimentos maiores. A Surya Design, com sede em Goiânia, é especialista em estruturas com bambu para grandes festivais de música, como o Universo Paralelo, na Bahia. O grupo já atua em eventos fora do país e foi capaz de se reinventar durante a pandemia. Na época, começou a projetar habitações na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, onde ergueu chalés usando bambu e barro.
As vantagens, segundo o fundador da empresa, Liano Dornelles, foram gritantes. “Construímos mais rápido do que se fosse alvenaria e geramos quase zero de lixo.” Ele reconhece, porém, que há quem ainda demonstre desconfiança sobre a resistência e a durabilidade do bambu. Mas isso, avisa, é só uma questão de tempo. “Pesquisas já indicam que, quando utilizado corretamente, o material se equivale ao aço.”