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Artistas LGBT se destacam na cena cultural, combatem preconceitos e inspiram o público

Da cantora de gênero fluido ao escritor que publicou livro sobre relacionamentos homoafetivos, todos levam a pauta para milhões de brasileiros
A cantora Majur usa o corpo como instrumento político em suas apresentações Foto: Divulgação
A cantora Majur usa o corpo como instrumento político em suas apresentações Foto: Divulgação

Gente é pra brilhar”, já dizia Caetano Veloso. E, nesse caso, quanto mais gente, melhor. A presença de LGBTs no cenário cultural contemporâneo brasileiro tem sido fundamental para quebrar preconceitos e abrir espaço para que ainda mais pessoas se sintam retratadas. “Jovens constroem referências de si, assim como nós adultos, a partir desses ícones. A representatividade é importante para ir além daquilo que já existia sob uma linguagem heteronormativa”, afirma Roney Polato, coordenador da especialização em relações de gênero e sexualidades da Universidade Federal de Juiz de Fora, citando que essa presença nos meios culturais se intensificou na década de 1960.

As histórias dos personagens a seguir condensam um testemunho de como isso reverbera nos dias de hoje. Da cantora de gênero fluido que viu sua carreira decolar ao ser incentivada por uma colega transexual ao escritor que publicou um livro de contos sobre relacionamentos homoafetivos, todos levam a pauta LGBT para milhões de brasileiros, seja falando direta ou indiretamente sobre o tema. “Somos todos plurais, e isso está na gênese do nosso movimento”, diz o estilista e ativista pelos direitos humanos e civis Carlos Tufvesson. “O problema é que hoje a nossa sociedade caminha cada vez mais para uma etiqueta da normatividade. Por isso, é muito importante que formadores de opinião saiam do armário e possam viver a sua vida de maneira honesta.”

Majur, cantora

Foi em agosto do ano passado que o nome de Majur viralizou e chegou aos ouvidos — e olhos — de muita gente, pela primeira vez, depois de uma participação num show da banda Liniker e os Caramelows, em Salvador, onde morava antes de se mudar para o Rio. Apadrinhada por Caetano Veloso e Paula Lavigne, ela já lançou o EP “Colorir” e se prepara para divulgar o seu primeiro álbum nos próximos meses. A artista, que se identifica como não binária, não se importa de se referirem a ela como menino ou menina, e sua música aborda relações em geral, embalada por ritmos como samba, soul e reggae. A cada apresentação, a cantora e compositora, de 23 anos, aparece diante do público como um corpo político: “Levei um bom tempo até me encontrar fisicamente como estou, numa forma um pouco mais feminina e, às vezes, masculina. Como todas as minhas músicas descrevem as minhas relações, acabo servindo como referência para outras pessoas que passam por isso. Afinal, existem não binários (pessoas que não se identificam apenas com o gênero masculino ou feminino) no Brasil inteiro.”

Tobias Carvalho, escritor

Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura em 2018, o livro“As coisas”, de Tobias Carvalho, de 23 anos, correu as prateleiras das livrarias do país com contos dedicados a relações entre homens. “Não tem nada de autobiográfico. São temas ue gostaria de desvendar. Falam do universo da internet e dos aplicativos (de encontro) , assuntos que me interessam”, afirma o escritor gaúcho. Ao comentar a obra, Tobias pondera que heterossexuais já tiveram muitas “elaborações” em cima de suas relações na arte, ao contrários dos gays. “Faltava um pouco do que vem depois, do cotidiano, das relações contemporâneas”, diz. Embora não tenha pensado no livro como algo com a função de dar voz a um público específico, ele reconhece que, no Brasil contemporâneo, uma obra como a sua ganha um viés político, mesmo que essa não seja a intenção inicial. “Só dese fazer arte no nosso país em 2019 já é tomar um lado”, diz.

Tobias aborda relações homoafetivas em livro Foto: Divulgação
Tobias aborda relações homoafetivas em livro Foto: Divulgação

Louie Ponto, youtuber

“Nunca fui uma menina que correspondesse aos padrões dee feminilidade. Então, sofri muito bullying dentro e fora da escola, com violências físicas e psicológicas”, recorda-se a youtuber catarinense Louie Ponto, de 27 anos. Segundo ela, viver abertamente a sexualidade de uma mulher lésbica não foi um processo fácil. Isso começou a mudar justamente depois que Louie postou seus primeiros vídeos, há 10 anos, quando viu uma rede de apoio se formar diante de seus olhos. Hoje, são mais de meio milhão de inscritos em seu canal no YouTube, no qual ela aborda temas como saúde mental e estereótipos e recebe respostas calorosas de um público vasto, incluindo pais e avós de LGBTs. “Certa vez, uma mãe me escreveu dizendo que acompanhava o canal para tentar criar o filho da melhor maneira possível”, conta.

Louie tem meio milhão de inscritos em seu canal no YouTube Foto: Divulgação
Louie tem meio milhão de inscritos em seu canal no YouTube Foto: Divulgação

Jade Marra, artista plástica

A vida pessoal e o trabalho da artista plástica Jade Marra, de 26 anos, estão conectados, como ela mesmo diz. “Entre 2015 e 2018, minha pesquisa se desdobrou a partir dos vários momentos da minha relação com a minha companheira, Luíza. Neste caso, em que estou falando abertamente sobre a minha intimidade e afeto por outra mulher, é inevitável que questões como gênero e sexualidade surjam”, descreve, sobre o seu trabalho que“se manifesta por meio da pintura e da presença do corpo”.

Jade pesquisa relações em suas obras de arte Foto: Divulgação
Jade pesquisa relações em suas obras de arte Foto: Divulgação

Falar sobre isso, ela diz, é uma forma de proporcionar empatia e representatividade, ao afirmar uma “vivência não hegemônica”. Nascida em Cantagalo, no interior do Rio, e moradora de Belo Horizonte, Jade já expôs no Brasil e na Alemanha e desponta como aposta no mercado de arte, o que só potencializa o seu discurso. “Acho importantíssimo uma pesquisa artística que carrega conteúdo político conseguir acessar esferas diversas. Afinal, a arte é efetiva quando consegue dialogar.”

Julia Katharine, cineasta e atriz

Receber o Troféu Helena Ignez de destaque feminino na Mostra de Cinema de Tiradentes, em 2018, foi um divisor de águas para a atriz e diretora transexual Julia Katharine. “Naquele momento, tive a certeza de estar no caminho certo, de que sou uma profissional de cinema. Até então, me sentia um pouco deslocada”, diz ela, sobre o reconhecimento recebido pela atuação como roteirista e protagonista de “Lembro mais dos corvos”, de Gustavo Vinagre. Um ano depois, a paulistana de 42 anos seria o nome por trás do primeiro filme brasileiro dirigido por uma pessoa trans lançado no circuito comercial, o curta-metragem “Tea for two”. Ela também se prepara para rodar o seu primeiro longa, com o nome provisório de “Família Valente”. “Preocupada com a nossa situação política, comecei a pensar sobre a importância de fazer o meu primeiro longa, para que seja uma espécie de impulso para outras pessoas trans e mostre o quanto é necessário ocuparmos esses espaços específicos. O corpo trans ainda tem uma história muito pequena no cinema”, diz ela, que ouviu de muitas pessoas que “não existia espaço para uma pessoa como eu” nesse meio.

Julia prepara seu primeiro longa-metragem Foto: Divulgação
Julia prepara seu primeiro longa-metragem Foto: Divulgação