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Biografia joga luz sobre a vida de amante de Voltaire que foi figura central do Iluminismo

Émilie du Châtelet por muito tempo teve sua importância histórica minimizada

Émile du Châtelet: conhecida apenas como amante de Voltaire, ela teve importante papel para a ciência e para o Iluminismo
Foto: Editoria de Arte / O Globo / Reprodução
Émile du Châtelet: conhecida apenas como amante de Voltaire, ela teve importante papel para a ciência e para o Iluminismo Foto: Editoria de Arte / O Globo / Reprodução

RIO - Émilie du Châtelet tinha um raciocínio tão rápido que sempre recorria às mesas de apostas em Versalhes quando lhe faltava dinheiro. Além de excelente jogadora de cartas, era brilhante também na esgrima, qualidades que, sozinhas, já a diferenciaria do padrão das donas de casa do século XVIII. Como se não bastasse, ela ainda traduziu o pensamento de Newton para a era moderna, e suas pesquisas influenciaram até o trabalho do gênio da física Albert Einstein. Mas para a História sua trajetória tinha sido reduzida ao papel de amante do ensaísta e filósofo francês Voltaire. Tinha até o lançamento de “Mentes Apaixonadas”, do escritor americano David Bodanis, que acaba de chegar às livrarias brasileiras pela editora Record.

O livro resgata a história de amor de Émilie e Voltaire - mas também fala dos desdobramentos desse relacionamento para os avanços científicos e culturais da época. Bodanis se interessou pela vida de Émilie ao ler em uma nota de rodapé sobre uma estudiosa que havia desempenhado um “pequeno papel” no desenvolvimento do moderno conceito de energia.

- O machismo impediu que mulheres como ela passassem para a história como pessoas importantes e não apenas símbolos sexuais. O grande filósofo Kant zombou da ideia de que ela ou qualquer mulher poderia dar uma contribuição importante em termos de pensamento. Foi uma verdadeira vergonha o que aconteceu - diz o autor, para em seguida acrescentar: - Eu tive como objetivo mostrar o papel central de Émilie na criação do Iluminismo, e a difusão de suas ideias. Ela e Voltaire estabeleceram uma base no castelo de Cirey, no leste da França, e fizeram dele uma espécie de "website" do início do século XVIII. Obras de intelectuais de toda a Europa passaram por eles.

Há outros casos de mulheres que tiveram a sua real importância apagada e ficaram à sombra dos seus maridos - ou amantes. Simone de Beauvoir costuma ter sua relevância histórica diminuída, avalia a antropóloga Mirian Goldenberg, autora do livro “A outra: Estudos antropológicos sobre a identidade da amante do homem casado”. Ainda hoje há quem a considere apenas como a companheira de Jean-Paul Sartre, não levando em conta seus livros e sua importância para a filosofia existencialista.

- Olga também ficou conhecida apenas como a companheira de Luiz Carlos Prestes durante muito tempo. O livro de Fernando Morais e depois o filme baseado no livro ajudaram a resgatar a sua importância histórica - diz Mirian, citando que Iara Iavelberg também foi apenas a amante de Carlos Lamarca até que um livro sobre a vida dela fizesse com que sua importância revolucionária fosse reconhecida.

Mirian chama essas militantes políticas de "mulheres invisíveis" para destacar o fato de elas serem sempre consideradas "companheiras de" ou "mulheres de" ou "filhas de". Ainda hoje, embora a evolução do tempo tenha permitido que as mulheres sejam reconhecidas pelo seu trabalho, a principal queixa feminina, de acordo com as pesquisas da antropóloga, é a invisibilidade social:

- As mulheres dizem que se sentem apagadas, transparentes. As amantes, como a Émilie du Châtelet, são duplamente invisíveis: seja pela sua condição feminina seja por não se enquadrarem no papel tradicional de esposa ou mãe. São estigmatizadas por estarem fora do lugar legítimo. Daí reivindicarem a posição de número um.

A história das mulheres, ressalta Mirian, vem sendo escrita ultimamente por historiadores que se preocupam em revelar o que não se podia dizer sem sofrer preconceitos e sanções sociais. Ao resgatar essas histórias, eles encontram personagens não só atraentes e sedutoras - adjetivos mais comuns para classificá-las -, mas também inteligentes, como Émile, que tinha cabelos pretos encaracolados, um discurso rápido e animado e um grande entusiasmo em seus olhos, outros predicados que fizeram com que Voltaire se apaixonasse por ela.