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Chega ao Brasil ‘best-seller’ que desconstrói mitos sobre a mulher parisiense

‘Como ser uma parisiense em qualquer lugar do mundo’ teve lançamento em 18 países

Meninas superpoderosas: Caroline de Maigret, Anne Berest, Sophie Mas e Audrey Diwan: autoironia e humor
Foto: Divulgação
Meninas superpoderosas: Caroline de Maigret, Anne Berest, Sophie Mas e Audrey Diwan: autoironia e humor Foto: Divulgação

PARIS — No idos do século XVIII, o filósofo Jean-Jacques Rousseau já dizia que a mulher parisiense, em seu vestuário e atitude, servia de modelo ao restante do mundo. O mito se cristalizou no centenário seguinte, nos romances de Honoré de Balzac e na adição de ingredientes de sedução e eroticidade. Objeto de estudos e da admiração de estrangeiros, a parisiense se tornou um substantivo e um adjetivo de múltiplos contornos e definições, ilustrada em versos, na literatura ou no cinema. Este ano, em meio a conversas e filosofias de bar, quatro amigas parisienses trintenárias decidiram elaborar sua desconstrução da lenda. Caroline de Maigret, Anne Berest, Audrey Diwan e Sophie Mas, amigas de longa data, juntaram-se para escrever um livro em que jogam com os clichês, descrevem as contradições e analisam a superficialidade e a essência da mulher parisiense contemporânea. A ideia, segundo elas, foi misturar sensibilidade e inteligência com autoironia e bom humor.

— Tudo começou como uma brincadeira e uma discussão sociológica, nos perguntando se somos ou não todos estes clichês que nos aplicam, e por quê. Procuramos fazer um calidoscópio da parisiense, falar cruamente sem nunca mentir — conta Sophie, assentada num café no bairro de Strasbourg Saint-Denis, próximo a sua casa.

A receita deu frutos. As confissões de bar e o brainstorming viraram “Como ser uma parisiense em qualquer lugar do mundo”, com lançamento em 18 países — no Brasil, no mês que vem, pela editora Objetiva —, e direito a figurar na relação de best-sellers do “The New York Times”, nos EUA. Prova de que o mito perdura.

Quem são elas? Caroline de Maigret é modelo, estrela de grifes de luxo e embaixadora da ONG humanitária Care. Anne Berest é escritora, autora de dois romances e de uma biografia de Françoise Sagan (lançada este ano pela editora Stock). Audrey Diwan é roterista, em plena preparação de seu primeiro filme como diretora. E Sophie Mas trabalha em Paris como produtora de cinema, com parcerias em Los Angeles, Nova York e São Paulo.

— Os franceses são amados e detestados, porque são de má-fé e altivos, e têm também humor. E aí entram a cultura, os séculos, a moda, a culinária, e esta mistura toda produz ao mesmo tempo algo irritante e atraente. Não somos como o Brasil, um país jovem, e por vezes todo este patrimônio é uma camisa de força para nós. Somos mais complicadas, mas estamos tentando ser mais abertas — diz Sophie.

Para as autoras, cada parisiense carrega uma Simone em seu passado, segundo três categorias: as Simone Veil, as Simone de Beauvoir e as Simone Signoret.

A primeira, como ministra da Saúde, entrou para a História no dia em que o aborto foi descriminalizado na França: arquétipo da mulher inteligente, feminista, iconoclasta, inabalável, ela é o modelo para as jovens politizadas, definem elas. A segunda, também feminista, encarna o típico jeito de amar da francesa, sendo “a mulher de” sem desparecer por trás do marido, no caso, o pensador Jean-Paul Sartre: ela é o ideal das sedutoras amazonas, que apreciam agradar sem demonstrar que se importam com isso. A terceira é a heroína que se sacrifica pelo homem que amou, o ator Yves Montand, que teve um caso com a estonteante Marilyn Monroe. Seu mantra: “O segredo da felicidade no amor não é ser cega, mas saber quando fechar seus olhos.”

Das primeiras feministas do século XVII, as parisienses herdaram “esse biquinho blasé , acompanhado de uma expressão um pouco fria e distante, sua marca registrada”, apontam as autoras. Mas de um extremo ao outro, passando da indiferença à amizade, elas sabem estabelecer sólidos laços, garantem. A parisiense é apaixonada pela ideia do amor, “num grau patológico”. Escreve cartas que nunca serão enviadas. Gasta fortunas em lingeries que ninguém nunca verá. Apaixona-se por três homens na mesma semana com a mesma intensidade. Sonha com uma vida com alguém que ela nem mesmo conhece. E é incrivelmente fiel, mas nem sempre ao mesmo homem, sustentam elas.

Na França, é raro encontrar mulheres de 35 anos que passaram por alguma cirurgia estética, asseguram: “As mulheres parisienses não querem se passar por quem não são. Porque, na verdade, mais do que parecer jovem — o que é uma ilusão — o que elas querem é tornarem-se a melhor versão de si mesmas, por dentro e por fora, em qualquer idade.”

“Ser parisiense não é nascer em Paris, mas renascer nela”, disse o ator e cineasta francês Sacha Guitry (1885-1957). A premissa é confirmada pelas autoras, que nomeiam mulheres estrangeiras como verdadeiras parisienses, entre elas a austríaca Maria Antonieta, rainha decapitada na Revolução Francesa; a americana Joséphine Baker, dançarina, cantora e militante na Resistência durante a Segunda Guerra Mundial; a atriz Romy Schneider, nascida em Viena, “exemplo de feminilidade para as parisienses”; ou a britânica Jane Birkin, atriz e cantora, companheira de Serge Gainsbourg e adotada como “patrimônio nacional”.

Que livros a parisiense guarda em sua estante? “O estrangeiro”, de Albert Camus; “Partículas elementares”, de Michel Houellebecq; “Bela do senhor”, de Albert Cohen; “Bom dia, tristeza”, de Françoise Sagan; “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert; “A espuma dos dias”, de Boris Vian; “Lolita”, de Vladimir Nabokov; “Viagem ao fim da noite”, de Louis-Ferdinand Céline, “As flores do mal”, de Charles Baudelaire; e “No caminho de Swann”, de Marcel Proust.

Para a parisiense, o tédio é seu jardim secreto; e a solidão pode ser um luxo. E não é porque há 150 anos um francês pintou “A origem do mundo” (Gustave Courbet, 1866) que ela pode andar nua a seu bel-prazer: “A nudez deve ser tratada como uma aparição”, defendem as autoras. E citam François Truffaut, em “O homem que amava as mullheres” (1977): “As pernas das mulheres são compassos que percorrem o globo terrestre em todas as direções, dando-lhe seu equilíbrio e sua harmonia.”

Para o escritor Alexandre Dumas filho (1824-1895), Deus criou o parisiense para que os estrangeiros nada pudessem entender dos franceses. Neste caso, poderia ser usado o substantivo feminino. Aos representantes do sexo masculino interessados, as quatro autoras ressaltam: “Não se esqueça, as parisienses têm estranhos gostos: elas devoram ostras e escargots”.