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Conheça a Dark Academia, nova estética que é moda entre os jovens do Tiktok

Estilo cultua literatura clássica e vida acadêmica e se traduz em roupas, decoração e estilo de vida retrô
A estudante Mayara Batista se identifica com o estilo retrô Foto: Arquivo pessoal
A estudante Mayara Batista se identifica com o estilo retrô Foto: Arquivo pessoal

Estantes de madeira apinhadas de livros, velas, jornais, diários com caligrafia caprichada e uma xícara de chá. De uma vitrola saem notas de música clássica e jovens com boinas, blazers de tweed e saias xadrez invadem o quadro, refletidos nos espelhos com molduras em arabescos. Poderia ser um cenário saído dos anos 1940 ou do filme “Sociedade dos Poetas Mortos” (1989), mas é a nova estética que brilha nos vídeos do TikTok — a rede social preferida da geração Z (nascidos depois de 1996).

A modinha tem nome e sobrenome: Dark Academia. Trata-se de uma subcultura que idolatra o conhecimento acadêmico e pode se manifestar em roupas, decoração e estilo de vida, especialmente para o público entre 14 e 25 anos. A pandemia e as aulas transferidas para o on-line parecem ter impulsionado a hashtag #darkacademia, que já soma 90 milhões de visualizações no TikTok e quase 250 mil publicações no Instagram.

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Referências de moda da Dark Academia Foto: Instagram
Referências de moda da Dark Academia Foto: Instagram

A estudante Mayara Batista, de 19 anos, conheceu a estética no fim do ano passado, quando estudava para o vestibular. Inspirada pelo estilo, montou um canto de estudos nessa “vibe” e passou a compartilhar sua rotina com os livros nas redes sociais. “Tem uma romantização dos estudos”, reflete a jovem, que conseguiu uma vaga na Universidade de São Paulo (USP), no curso de Publicidade. “Mas acho que se incentiva a busca pelo conhecimento já é positivo.” Mayara encontrou pouco material em português sobre o assunto (em inglês tem aos montes) e resolveu, então, produzir conteúdo para o YouTube. Em um mês, seu vídeo sobre o tema coleciona 3 mil visualizações. Prova de que o estilo vem ganhando mais adeptos no Brasil. E, além da geração Z, tem inspirado millennials (nascidos entre 1981 e 1995).

A estudante Mayara Batista Foto: Acervo pessoal
A estudante Mayara Batista Foto: Acervo pessoal

No caso dessa segunda turma, o sentimento é mais de identificação do que de descoberta. A produtora de conteúdo Melina Souza, de 33 anos, por exemplo, achou um nome para definir seu lifestyle. Com diversas resenhas de livros no YouTube e um feed caprichado em tons terrosos no Instagram, ela foi oficialmente apresentada à Dark Academia há dois meses. “Tem uma questão introspectiva, reflexiva. Talvez de jovens que se sentem um pouco desajustados, mas que encontram outras pessoas com o mesmo estilo de vida na internet e podem se conectar e trocar”, acredita. “É um culto ao analógico, mas que vive do compartilhamento intenso nas redes sociais.” Recentemente, ela montou uma comunidade on-line de leitura e está propondo uma maratona de livros de Halloween, que tem a Dark Academia como subcategoria. “Entram livros como Drácula e Frankenstein”, explica.

Referências do estilo Dark Academia Foto: Instagram
Referências do estilo Dark Academia Foto: Instagram

Por sua vez, a estudante universitária Ana Paula Alves, de 21 anos, se deparou com a Dark Academia na plataforma de blogging Tumblr: “Quando o termo surgiu era um pouco diferente. Mais obscuro e voltado a subgêneros literários. Hoje, abrange mais coisas”, explica a estudante de Letras, que criou um perfil no Instagram ( @dark.academia ) ano passado para compartilhar a estética e coleciona 16 mil seguidores.

Ana Paula Alves administra uma conta de Instagram sobre a estética Foto: Acervo pessoal
Ana Paula Alves administra uma conta de Instagram sobre a estética Foto: Acervo pessoal

O termo apareceu como rótulo para histórias de crime com clima sombrio, por volta de 2014, nos Estados Unidos. Um expoente do estilo é o livro “A história secreta”, de Donna Tartt, citado por 10 entre 10 aficcionados. A narrativa se passa em uma universidade americana, envolve um assassinato e um grupo de estudantes que — como os jovens dos vídeos do TikTok — parecem deslocados de sua época e emulam os autores clássicos e seus personagens.

A especialista em moda e comportamento Paula Acioli explica que o estilo lembra muito os preppies, alunos das escolas preparatórias dos EUA dos anos 70, mas a inspiração mesmo é nos anos 1940 e 1950. “Mesmo sem estar na universidade, os jovens procuram se vestir como os intelectuais e pensadores da época, suas fontes de estudo e inspiração”, diz.

Em contornos góticos, o culto às artes foi se expandindo com o tempo e ganhou referências como os clássicos gregos (os adeptos da Dark Academia valorizam muito o aprendizado de línguas, inclusive), Shakespeare, Oscar Wilde, Mary Shelley, Emily Brontë, chegando até a cultura pop com Harry Potter e filmes como o já citado“Sociedade dos poetas mortos”, “O Sorriso de Monalisa” e “Os sonhadores”.

Algumas subestéticas também aparecem dentro da tribo, como a Light Academia, versão mais leve e luminosa, que suaviza os tons sombrios com roupas mais claras e uma pegada mais outonal. A versão light se aproxima, inclusive, de outro estilo popular entre os jovens no TikTok, o Cottagecore. Esse também aposta na nostalgia, mas se volta para a vida mais simples do campo. “Dark Academia no inverno e Cottagecore no verão” é o lema de algumas estudantes, que também adotam os vestidinhos soltos e coloridos para ler os clássicos acomodadas em toalhas de piquenique em parques nos dias mais quentes do ano.

Referência do estilo Cottagecore Foto: Shutterstock
Referência do estilo Cottagecore Foto: Shutterstock

Embora o escapismo seja uma marca do estilo, os adeptos garantem que não se trata de alienação. “É um retorno à estética, mas não aos valores morais daquele tempo. Não queremos ser retrógrados”, justifica a estudante Ana Paula Alves. “Fazemos leituras críticas de livros mais antigos. O objetivo é usar o conhecimento para lidar com questões atuais”, diz a estudante, citando os debates sobre racismo e o movimento Vidas Negras Importam, que ganhou a atenção dos jovens da comunidade recentemente.

Outra crítica feita ao movimento é de uma certa elitização. Apesar da pompa, os jovens se defendem e esclarecem que não gastam muito com as roupas. Elas costumam sair dos armários das mães e avós ou de brechós, enquanto os objetos nostálgicos de decoração são achados em bazares.

A professora de artes Rita Zerbinatti, de 28 anos, pondera que a elitização pode estar ligada aos estrangeirismos, já que a maioria das obras cultuadas são americanas ou inglesas. Em suas aulas com estudantes do Ensino Médio, Rita chegou a tratar do assunto: “Em vez de talentos de fora, acho que dá para trazer referências da nossa cultura, como Machado de Assis, Lima Barreto e Álvares de Azevedo”, sugere. A jovem professora conta que conheceu a estética este ano, mas sente que já se inspirava nela antes: “Sempre gostei desses livros e filmes e agora estou pesquisando mais sobre as roupas para colocar um pouco dos elementos no meu armário quando a pandemia acabar.”Referências não faltam.

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